Diogo Carneiro, 18 anos, aluno da Escola de Segunda Oportunidade (E2O) de Matosinhos diz ter a certeza de que estaria "perdido" se não tivesse decidido inscrever-se na instituição. Tinha apenas o 7.º ano de escolaridade e uma vida marcada por muitas dificuldades quando decidiu tentar "uma última vez". "Vim em outubro e estava com muitas expectativas, porque me tinham dito que a escola era diferente de tudo. E é mesmo", confessa.
"Não há nada que não goste. Tudo me motiva e me faz acreditar em mim e nas minhas capacidades. Antes, era posto de parte, os professores desistiam de mim. Nunca via um sorriso de um professor. Aqui, sou feliz e os professores são nossos amigos e não desistem de nós", explica. O jovem diz ainda nunca ter pensado ser possível algum dia "gostar de ir para a escola". Diogo Carneiro diz ter agora objetivos de vida bem definidos. Quer fazer o 9º ano, "tirar a carta de condução e aprender uma profissão".
Sara Rubim, de 15 anos, também tinha apenas o 7º ano completo quando soube da existência das E2O. Não gostava de estudar, "começava o ano a saber que iria chumbar" e sentia que "ninguém se importava" com ela. "Ir à escola era um sofrimento e um sacrifício. Na escola onde estava antes, sabia que não iria conseguir passar e que ia continuar a andar por ali sem soluções", refere. Encontrou na E2O uma "nova vida" e um lugar onde pode alcançar os seus objetivos. "Quero acabar o Ensino Secundário e tirar um curso de estética".
Conta, orgulhosa, que agora já percebe "Matemática" e é "boa aluna". Um feito que acreditava ser impossível. E é destes impossíveis que se faz a história dos cerca de 300 jovens que, a cada ano, saem das E2O. Uma rede de instituições com presença em Matosinhos, Valongo e Samora Correia.
Escola sem turmas e planos de aprendizagem individuais
A E2O de Matosinhos, a mais antiga, abriu portas há 14 anos e foi abrigo de quase 1000 jovens. Destes, segundo Luís Mesquita, presidente da AE2O - Associação para a Educação de Segunda Oportunidade, "apenas 15 por cento não se adapta". "Os nossos indicadores de sucesso são elevados. E por indicador de sucesso compreende-se, por exemplo, jovens que saem daqui para outras formações, para o mercado de trabalho ou para concluir uma certificação", explica.
Na E2O não há turmas e aceitam-se alunos em qualquer altura do ano. O processo de ensino faz-se através de planos de formação individual, adaptados às preferências de cada aluno. "Estamos a falar de jovens que enfrentam um conjunto de problemas que não consegue resolver. Não se deram bem com o sistema de ensino regular por variadas razões, desde problemas sociofamiliares, de orientação sexual, de gravidez na adolescência, consumo de drogas, pobreza, bullying, entre outros", avança. A E2O aposta, por isso, numa "uma abordagem alternativa à dos sistemas regulares, construindo com cada um deles uma proposta de formação ajustada aos seus interesses, capacidades e experiências, residindo a sua força na flexibilidade para se adequar às necessidades dos jovens".
Os módulos são flexíveis e passam por quatro áreas principais: o desenvolvimento pessoal e social (apoio educacional e a intervenção psicossocial), a educação artística (teatro, música, dança, artes visuais, média), a certificação escolar de 6.º e 9.º anos e a formação vocacional em têxteis, madeiras, cozinha e outras.
(...) Luís Mesquita afirma que a E2O não é "uma fileira ao lado do ensino público", mas "um sistema de retaguarda". "As causas de abandono são muito diversas e algumas são da responsabilidade da escola que, pela sua inflexibilidade e falta de envolvimento, vai abandonando estes jovens. Sentem-se esmagados. A verdade é que a escola mudou muito nos últimos anos, mas ainda há muito caminho a fazer e nós somos aqueles que amparamos os alunos que caem do sistema", sublinha.
O presidente da AE2O explica que a rede de Escolas de Segunda Oportunidade atua quando "tudo falhou". "Há três áreas críticas que devem ser articuladas: a prevenção, a intervenção e a compensação. E é nesta última que nos encontramos e é aí que precisamos de mais. Queremos estruturar este campo da compensação que existe, mas de forma frágil e apenas por impulso nosso, das E2O", afirma.
Luís Mesquita relembra que no campo do abandono escolar existem "abandonantes e abandonados". "Muitos jovens abandonaram a escola, mas também foram abandonados pelo sistema". E para combater esta realidade, conta, é preciso "mais apoio do Estado, mas também da sociedade". A verdade é que, diz, apesar das melhorias nos últimos anos, "a taxa de abandono precoce em Portugal é uma das mais altas da Europa e agravada pelo facto de os nossos jovens abandonarem a escola com muito baixas qualificações, muitos sem o 6.º ou o 9.º ano, o que não se verifica em nenhum outro país da União Europeia".
"Transformar vidas"
André Eiras, mediador juvenil da A2O de Matosinhos há 7 anos, é mais do que um formador para os alunos da instituição. "Tenho noção de que fazemos a diferença e que temos uma responsabilidade acrescida, porque os jovens depositam em nós muitas expectativas e não temos espaço para falhar. É muito importante para eles sentir que cumprimos a nossa palavra e esta ligação de proximidade é a que transforma vidas de jovens de uma forma muito significativa. Trata-se de uma escola para mudar de vida e não apenas para estudar", salienta. O mediador destaca "um mural de 360 metros quadrados que pintou com os alunos, em apenas duas semanas, que "funcionou como um farol para os alunos, aproximando-os da comunidade".
Jovens portugueses pouco qualificados
Segundo a AE2O, cerca de um terço dos jovens portugueses não completam o secundário, a 3.ª maior taxa de desqualificação de jovens na OCDE. O desemprego jovem é superior a 20%, o terceiro valor mais elevado na União Europeia e um terço dos jovens portugueses (30%) encontra-se em risco de pobreza, o dobro da taxa europeia. A AE2O diz tratar-se "de uma verdadeira emergência social, sendo que, especialmente em tempos de crise económica, o abandono escolar precoce tem um sério impacto nos jovens e suas famílias, reforçando o ciclo de privação e pobreza, afetando sobretudo os jovens de classes sociais mais desfavorecidas e, em geral, os grupos sociais mais expostos aos processos de exclusão social".
Fonte: DN por indicação de Livresco
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