Por que as crianças autistas abanam tanto as mãos? Perguntam-me muitas vezes. Como não sou autista nem especialista em neurociências, não posso responder cabalmente a esta pergunta. Isto seria, de algum modo, roubar voz a uma comunidade da qual não faço parte. Mas posso arriscar possíveis explicações.
1. Reparo que o meu filho balança as mãos quando está feliz ou contente. Abanar mãos, aos meus olhos, é um exercício de júbilo. A definição é minha. Não sei se será precisa. Não estou dentro do corpo dele. A verdade sobre o que um corpo sente nunca está na boca dos que o rodeiam.
2. Muitas pessoas neurodiversas — ou seja, que possuem um cérebro cujo funcionamento se distingue da maioria — apresentam uma desregulação no processamento sensorial. Por outras palavras, o cérebro autista processa os estímulos do ambiente de forma diferente. Como o volume de informação que chega ao sistema nervoso é mediado pelos sentidos (e, já agora, vale lembrar que temos mais do que cinco sentidos), estas diferenças tornam-se visíveis nas respostas sensoriais de cada um. Há pessoas autistas que têm uma resposta exagerada aos barulhos — e, por isso, ficam agitadas em contextos ruidosos, defendem-se colocando as mãos nos ouvidos. Outras possuem uma resposta demasiado tímida neste ou noutros domínios. Podem não sentir tanta dor ao pisar num caco de vidro, por exemplo. Podem andar à caça de sensações que lhes encham as medidas, e daí desatarem a saltar, correr, rodar, balançar.
3. Todas as pessoas combinam sensibilidades distintas. É possível que uma criança seja muito sensível a barulhos (ou seja, tenha uma hiper-resposta do sistema auditivo) e, ao mesmo tempo, esteja com frequência a girar sobre si própria porque gosta da sensação de ficar com a cabeça à roda (hipo-resposta do sistema vestibular, que está associado ao equilíbrio). Assim sendo, não é porque uma menina é muito sensível a determinados estímulos que ela vai ter uma hiper-resposta em todos os domínios. Cada indivíduo, autista ou não, tem um perfil sensorial diferente e, de certo modo, único.
4. Estas diferenças do processamento sensorial são comuns no espectro autista. Com muita observação e a ajuda de terapeutas especialistas em integração sensorial, podemos tentar entender como a criança vivencia o mundo ao seu redor. Quando alcançamos essa compreensão, ainda que incompleta — jamais saberemos exactamente como o outro percepciona as pessoas e as coisas —, conseguimos proporcionar à criança maior bem-estar. E mais: conseguimos também colocar em contexto comportamentos que, de outro modo, julgaríamos estranhos.
5. O meu filho procura mais estímulos do que a maior parte das crianças com um desenvolvimento típico. Daí ele adorar andar de baloiço, girar em cadeiras rotativas, abanar a cabeça de um lado para o outro ou correr uma curta distância e parar de repente. Quando recebe estes estímulos específicos, ele exprime uma sensação de completude. Gosto de pensar que é o que eu sinto quando começo a escrever num caderno novo com uma caneta preta Uniball Eye.
6. Uma das várias coisas que me fascinam na criança autista é precisamente esta capacidade, esta sabedoria, de encontrar respostas para as próprias necessidades sensoriais. Quem vê o meu filho a agitar as mãos pode julgar que ele está alienado, “no seu mundinho”. O que os meus olhos vêem é um menino criativo a encontrar soluções de bem-estar. Habitamos o mesmo mundo, apenas temos perfis sensoriais diferentes. Eu diria que é por isso que ele abana as mãos. Mas ficarei feliz se ele me contradisser dentro de alguns anos.
Andréia Azevedo Soares
Fonte: Público
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