O filho de um finlandês com o equivalente ao 9.º ano e pobre tem mais probabilidades de ter um diploma universitário do que um português rico, mas com o mesmo nível de estudos, aponta o Banco de Portugal, a partir de uma análise de estatísticas europeias.
Apenas um em cada dez filhos das famílias pobres e nas quais as qualificações dos pais não vão além do 9.º ano consegue concluir o ensino superior. Esta evidência é sublinhada pelo Banco de Portugal, com base em estatísticas europeias, no Boletim Económico deste mês. Portugal sai mal na comparação internacional, ao ponto de ser mais provável o filho de um finlandês pouco qualificado e pobre ter um diploma universitário do que um português rico, mas com o mesmo nível de estudos. Apenas a Itália tem piores resultados.
O Banco de Portugal cruza dados sobre as qualificações prévias de duas gerações de famílias (pais e filhos) com indicadores sobre as condições económicas dos agregados familiares quando a pessoa que respondeu ao inquérito tinha 14 anos – ou seja, perto do momento de transição para o ensino secundário. As conclusões apontam no sentido de outros estudos, que sublinham a importância determinante do nível educativo dos pais no percurso académico da geração seguinte, mas vai mais longe ao cruzar esses indicadores com os rendimentos das famílias.
“No caso português, quando se tomam os indivíduos cujos pais tinham até ao 9.º ano, apenas 10% alcançaram o ensino superior quando a situação financeira [da família, no momento em que o filho tinha 14 anos] era má”, concluem os especialistas da instituição liderada por Mário Centeno. Mesmo quando existe uma situação financeira privilegiada, os filhos de quem não estudou para lá do 9.º ano têm baixas probabilidades de chegar ao ensino superior – pouco mais de um quarto (27%) detém um diploma universitário.
Estas conclusões surgem, numa “caixa” de três páginas incluída no Boletim Económico de Maio e têm por base dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento de 2019, feito pelo Instituto Nacional de Estatística, e do EU Statistics on Income and Living Conditions, do Eurostat, do ano passado.
Os dados permitem, por isso, uma comparação internacional, na qual Portugal se sai mal, de acordo com o Banco de Portugal. Por exemplo, um filho de um finlandês com uma qualificação semelhante ao 9.º ano e más condições financeiras chega mais facilmente ao ensino superior (28,6% concluem esse nível de ensino) do que os portugueses que vêm de agregados familiares com situação financeira favorável e o mesmo nível de qualificações. Já os finlandeses menos qualificados, mas com boa situação financeira, conseguem que mais de dois terços (35,9%) dos seus filhos concluam o ensino superior.
“A situação financeira condiciona a progressão nos percursos escolares em todos os países”, começam por explicar os especialistas do Banco de Portugal, e a percentagem de indivíduos que consegue completar o ensino superior “é sempre maior quando a situação financeira era boa do que quando era má, para cada nível de educação dos pais”. No entanto, “Portugal é um dos países em que o impacto da situação financeira sobre os percursos escolares é mais acentuado”, é notado. Apenas a Itália está em pior situação, mostram os dados.
Aumento das qualificações
Nos escalões superiores de escolaridade dos pais “o papel da situação financeira não aparenta ser tão determinante” na definição do futuro dos filhos, sublinham os especialistas do Banco de Portugal. No Boletim Económico de Maio lembra-se a “transição educacional acentuada, com um forte aumento das qualificações” por que Portugal passou nas últimas décadas.
Os dados usados pelo Banco de Portugal “confirmam a forte transição educativa em Portugal”. “O papel da educação dos pais na obtenção de graus de qualificação superiores também surge evidente”, lê-se ainda no documento, vincando, entre outros aspectos que “a grande maioria (73,2%) dos indivíduos cujos pais tinham o ensino superior também completaram o ensino superior”. No caso dos pais que não foram além do 9.º ano, mais de metade dos filhos (55,9%) também não ultrapassou esse nível de ensino.
“A evidência de transmissão intergeracional [das qualificações] persiste nas gerações mais novas, embora em menor medida”, prossegue o Banco de Portugal. Na faixa etária dos 25 aos 34 anos, a percentagem de filhos que não consegue superar o 9.º ano de escolaridade fica-se pelos 39%, ao passo que na geração dos 45 e 59 anos essa percentagem ascendia a 67%.
“A transmissão intergeracional da educação, reforçada pela interacção com a situação financeira das famílias, tem implicações importantes nos percursos educativos, na inclusão social e no potencial de crescimento económico”, alerta o Banco de Portugal, apontando para “importância de compreender os mecanismos de transmissão intergeracional da educação, de modo a desenhar políticas públicas que potenciem as oportunidades para todos”.
Fonte: Público
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