Acredito numa escola onde as aprendizagens são autênticas, multidisciplinares e ligadas a problemas reais, sustentadas num trabalho colaborativo. Esta convicção leva-me a envolver os alunos em projetos que, muitas vezes, nascendo fora da sala de aula, permitem que as matérias sejam abordadas num contexto curricular.
Quando desafio os alunos a integrarem um projeto que naturalmente implica tempo para ser desenvolvido, a primeira questão é “Professora, conta para nota?”. Entendo a questão, que resulta de uma formatação do nosso Sistema Educativo, das famílias e mesmo dos professores, mas confesso o meu desagrado pessoal com a pergunta, embora reconheça o contexto em que é colocada. Assim, assumo que o primeiro passo é mesmo desmistificá-la – o que nem sempre é fácil.
A Escola deve ser, antes de mais, um espaço de aprendizagens, sendo que todas elas são relevantes para os alunos e, em última instância, para o futuro da Sociedade. Devem ser dadas oportunidades aos alunos de aprenderem – seja em contexto de sala de aula ou fora dela – e quanto mais diversificadas e ligadas a contextos reais e multidisciplinares, mais significativas serão. O foco dos alunos deve ser aprender e, sempre que possível, tirar prazer deste processo. Chegada a esta parte da explicação, há quase sempre algum aluno que insiste com a questão das “notas”. Aqui tenho mesmo que fazer um esforço para esconder alguma irritação e tento mostrar-lhes que o foco deve ser sempre a aprendizagem. As “notas” são sempre uma consequência das aprendizagens e nunca devem ser apenas e só o fim.
O envolvimento em projetos inclui muito mais do que os tradicionais conteúdos/”matérias”. No Mundo Global, cada vez mais são exigidas competências diversas, das quais destaco a capacidade de trabalhar em equipa, a criatividade, o espírito analítico e a comunicação. Evidentemente que estas competências podem e são trabalhadas em contexto de sala de aula, mas a implementação de projetos permite que os alunos saiam da zona de conforto, mudem os contextos do seu professor, do seu espaço e sejam impelidos a trabalhar numa verdadeira equipa multidisciplinar, como acontece no mundo real. Todo este discurso é sempre regado com muita paixão – porque acredito e gosto desta abordagem – e temperado com muitos exemplos dos projetos que ao longo dos anos ajudei alunos a implementar. Sem o intuito de avaliar a eficácia deste “discurso”, a verdade é que os alunos acabam sempre por abraçar os desafios e, na maior parte dos casos, envolvem-se de corpo e alma, investindo tempo e muitas vezes prescindindo dos seus tempos livres (fins de semana incluídos).
Em vários projetos, numa mesma equipa, foram incluídos alunos de Ciências e Tecnologias e do Ensino Profissional. Mais uma barreira que foi necessário ultrapassar. Sendo alunos com perfis diferentes – e é a Escola que os formata neste sentido –, não é comum o envolvimento destes discentes em projetos e, sejamos honestos, o preconceito entre estas duas vias subsiste. A verdade é que os alunos surpreendem pela sua generosidade e pelo reconhecimento tácito de que todos são necessários para que um projeto avance, não criando qualquer divisão, mas antes capitalizando as competências de cada um.
Despendem tempo, energias mas são recompensados com todas as aprendizagens e crescimento pessoal que a participação e o desenvolvimento de projetos implicam. Contudo, a necessidade do reconhecimento deste trabalho persiste e coloca algumas questões e desafios à Escola. Neste sentido, já foi dado um passo pelo Ministério da Educação através da inclusão do envolvimento em projetos no diploma de conclusão do Ensino Secundário. Parece-me, no entanto, que existe um largo espaço para melhorias.
Recentemente, a Escola onde leciono foi objeto de avaliação externa, por parte da Inspeção Geral da Educação, em colaboração com avaliadores externos. Neste âmbito, a equipa inspetiva fez uma visita ao recém-criado Clube de Programa e Robótica, onde foram apresentados alguns projetos em curso. Um dos elementos questionou como era feita a avaliação dos alunos e de que forma essa avaliação se refletia nas suas classificações, uma vez que muitos alunos que desenvolvem trabalho no clube não são alunos dos professores que os orientam. Esta questão levou-me a refletir sobre todo o processo. Se é verdade que os alunos não devem mover-se pela “nota” mas sim pelas aprendizagens, também é igualmente verdade que deveriam ver expressa na sua avaliação todo o trabalho que desenvolvem e do qual resulta, inevitavelmente, o desenvolvimento de competências. Claro que esta questão levanta muitas outras como a equidade e a capacidade de oferecer as mesmas oportunidades a todos os alunos, assim como a alocação dos recursos humanos necessários. Hoje, quase todo este trabalho é feito contando essencialmente com a bondade, entusiasmo e paixão de um punhado de professores.
Um dos maiores espartilhos na implementação de projetos é, sem dúvida, o dos Exames Nacionais como provas de acesso ao Ensino Superior. São vários os efeitos perversos e que extrapolam o âmbito deste artigo, mas que lato sensu, podem ser resumidos a aprendizagem versus treino. Não pondo em causa a importância e o papel dos Exames Nacionais, como reguladores do sistema educativo, não é compreensível que sejam as Escolas responsáveis pelo processo de seriação para o Ensino Superior. A identidade do Ensino Básico e Secundário esvai-se, sendo muitas vezes, e apenas, visto como uma ponte para o Ensino Superior. A César o que é de César: no maior interesse das Universidades, deveriam ser elas a definir e a escolher como querem recrutar os seus alunos. A verdade é que, sendo este sistema cómodo para as Universidades, faz tábua rasa do conjunto de competências que hoje são identificadas como essenciais. Como apelar à importância das aprendizagens e desenvolvimento de competências quando o que conta, no fim da linha, é mesmo a “nota” e as menos de 3 horas de um qualquer exame? Acredito que haverá força para mudar, porque, “Pelo sonho é que vamos”!
Fátima Pais
Fonte: Observador por indicação de Livresco
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