O desenvolvimento do ser humano flui na teia das relações próximas e significativas. Neste sentido, a família constitui-se indubitavelmente como o núcleo desta matriz relacional, de onde emerge a identidade do eu e do nós, e onde buscamos, em cada etapa do desenvolvimento, a segurança e a ousadia para arriscar e “voar”. A investigação científica tem revelado consistentemente o crucial papel dos pais e outros cuidadores na proteção e no cuidado às crianças, designadamente na resposta às suas necessidades emocionais e sociais, proporcionando-lhes segurança, previsibilidade e oportunidades de realização do seu potencial.
É precisamente neste enquadramento que, neste Dia da Família, é pertinente convocar esta lente, assinalando o impacto da guerra na Ucrânia nas famílias vítimas deste conflito. Cerca de 6 milhões de ucranianos tiveram que abandonar o seu país e, destes, cerca de um milhão, são crianças. Algumas, no caos da fuga, separaram-se das suas famílias, outras viajaram desacompanhadas, constituindo um grupo particularmente vulnerável aos riscos que diversas ONG, presentes no terreno, sinalizaram (tráfico humano, abuso).
Ainda que a solidariedade humana se tenha mobilizado para rapidamente apoiar e acolher estas famílias - maioritariamente mães e crianças – este é um processo complexo e exigente.
As mães e as crianças que acolhemos estiveram expostas a acontecimentos potencialmente traumáticos, obrigadas a separar-se dos seus familiares, da sua rede de suporte, a abandonar as suas casas e a sua comunidade, numa situação dramática e imprevisível. As necessidades afetivas e emocionais das crianças, mas também dos seus cuidadores, vão traduzir-se em desafios acrescidos à relação parental e ao seu desejável papel protetor.
De facto, a vivência psicológica dos adultos está impactada pelo sofrimento emocional associado às diversas perdas já reportadas, gerando revolta, culpabilidade, tristeza e impotência face aos acontecimentos, configurando, eventualmente, uma situação de stress pós-traumático. Ao mesmo tempo, têm ainda que lidar com as exigências do seu papel parental e acomodar, igualmente, as dificuldades psicológicas experienciadas pelas crianças. A sua capacidade para responder sensitivamente às necessidades das crianças está fragilizada.
Neste sentido, o acolhimento das famílias refugiadas exige uma abordagem especializada, desenvolvimentalmente informada e orientada pelos princípios dos cuidados sensíveis ao trauma. Esta abordagem pressupõe a garantia de segurança física e emocional e o reconhecimento do impacto dos eventos potencialmente traumáticos, de forma a responder adequadamente às necessidades de todos os elementos da família. Deve ainda valorizar a família como um todo (garantindo a preservação dos laços familiares e a reunificação), deve ser diferenciada (considerando a identidade de cada família), encorajando a sua participação ativa no processo de adaptação/integração, reforçando a sua confiança e ativando os seus recursos. Esta abordagem convoca ainda os vários sistemas presentes na nossa comunidade (e.g. saúde, educação, proteção social…) contribuindo para a reconstrução do projeto de vida de cada família, promovendo a sua resiliência. Este deve ser (também) o nosso compromisso.
Elisa Veiga
Fonte: Público por indicação de Livresco
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