domingo, 29 de maio de 2022

Todas línguas vão à escola porque a escola só o é se for inclusiva

Historicamente, é atribuída à escola, entre muitas outras incumbências (cujo número vem em crescendo), a função de ensinar a língua. E a língua da escola é a língua do estado, cujo ensino condiciona a regulação social e a formação cidadã (Conceição, 2021). Claros seriam os propósitos e óbvios os desideratos em contexto quase exclusivamente monolingue (o que raramente de atesta). A escola não é monolingue, mas, como toda a sociedade, é um espaço multilingue e multicultural. 

As diferentes mobilidades de populações, mais intensas nos últimos anos, trouxeram para a escola portuguesa falantes das mais diversas línguas e alunos sem competências linguísticas (ou com poucas) na língua de escolarização, o português. Na mesma escola, professores e restantes profissionais educativos têm repertórios linguísticos limitados. Põe-se, pois, o problema da inclusão de todos os que não falam/percebem português e põe-se também o desafio de como capitalizar a diversidade enquanto fator dessa mesma inclusão e incremento das aprendizagens em contextos multilingues. Compromissos e equilíbrios são imperiosos para que a aprendizagem em equidade suceda, para que a inclusão cause motivação, para que a diferença se mantenha diferença e por isso curiosidade. A escola deve ensinar a língua portuguesa, mas a coexistência com muitas outras línguas tem que ser fator de enriquecimento de todos e não motivo de segregação de alguns. A formação cidadã para a multiculturalidade e a tolerância, indiscutível necessidade dos nossos tempos, só se alcança com a aceitação, a promoção e a representação não hierárquica de todas as línguas que coexistem. Todas as línguas de todos os alunos têm que ter lugar na escola. A convivência em ambiente multilingue é indiscutivelmente um fator de sucesso, de preparação para a vivência global (que respeite o local) e é a porta de acesso a culturas, vivências, saberes que, de outra forma, seriam desconhecidos ou ignorados. 

Não faltam excelentes exemplos de promoção da diversidade e da interculturalidade no espaço escolar. Citem-se: 
- a promoção do conhecimento da língua dos vizinhos em escolas da raia (projeto EBIF - Escolas Bilingues e Interculturais de Fronteira, proposto pela Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) e com a colaboração, em Portugal, da Direção Geral de Educação, das universidades de Aveiro, Algarve, Beira Interior e Évora e do Instituto Politécnico de Bragança; 
- a sensibilização para diferentes sistemas de escrita em escolas de 1º ciclo com alunos que têm como primeiras línguas (além do português) o árabe, o mandarim, o urdu e o ucraniano; - a realização na biblioteca escolar de leituras multilingues com participação de pais e encarregados de educação de diferentes proveniências linguísticas; 
- a iniciação à análise linguística contrastiva com diferentes variedades do português ou com trabalhos de intercompreensão entre línguas românicas, etc. 

Estes exemplos espelham a inovação que, mais do que casuística, se pretende sistémica, o frequente apoio institucional e a dedicação de muitos professores sempre atentos às necessidades dos seus alunos e incondicionais guardiões dos valores fundacionais da educação. 

Existe vasta e relevante investigação que suporta estas inovações e de que são exemplos os dois projetos recentes em que participamos: MIME - Mobility and Inclusion in a Multilingual Europe (https://www.mime-project.org/), em que um dos aspetos tratados foi a educação nos diferentes graus de ensino e a formação em línguas (aprendizagem formal, não formal e informal), subgrupo por mim coordenado (Conceição et al., 2018); LISTIAC – Linguistically Sensitive Teaching in All Classrooms (https://listiac.org/) cujos parceiros portugueses foram a Direção Geral de Educação e a Universidade do Algarve e em que se investigou, entre outros, a temática da formação inicial e contínua de professores para as práticas em contextos de (hiper)diversidade linguística. 

Um ensino linguisticamente sensível, atento à mobilidade e à inclusão das nossas vivências multilingues, potenciador dos repertórios linguísticos existentes e promotor da competência multilingue (Grin et al. 2022) de todos será o garante da criação de oportunidades educacionais individuais e da resposta aos desafios societais impelidos pela sustentabilidade democrática que na escola encontra o seu mais fértil terreno.

Manuel Célio Conceição

Fonte: DGE

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