domingo, 13 de fevereiro de 2022

O que gera a ansiedade grave?

Antes de definir o que será ansiedade grave, importará compreender o que é a ansiedade e o que a distingue de uma perturbação de ansiedade, que poderá então ter contornos graves.

A ansiedade é uma resposta normal, automática, do corpo, perante um estímulo que é interpretado pela mente como ameaçador. Distingue-se do medo, uma emoção primária. O medo é uma resposta emocional a uma ameaça presente, real, enquanto a ansiedade surge como antecipação de uma ameaça futura, que pode ser ou não real. Na prática, em relação ao que é sentido como resposta fisiológica do corpo, medo e ansiedade serão a mesma coisa.

A ansiedade e o medo provocam uma estimulação geral do ritmo fisiológico, como que preparando o corpo para uma situação ameaçadora. Ocorrem, por isso, reações físicas como o aumento dos batimentos cardíacos, dificuldades respiratórias, sensação de aumento da temperatura corporal, transpiração excessiva, contração gástrica (sensação de nó no estômago), entre outros. Paralelamente, a dor é inibida e o foco da atenção centra-se na fonte de perigo. Deste modo a pessoa (ou qualquer outro animal emocional) está preparada para reagir à situação de perigo, totalmente concentrada na mesma e o mais ativada possível para reagir na máxima força e preparação. É este o sentido da ansiedade e do medo: ajudar a reagir a situações sentidas como perigosas, apelando a toda a concentração da mente e do corpo.

Sendo o ser-humano um “animal racional”, acaba por atribuir significados a tudo aquilo que sente. No fundo as “razões” para sentir o que o que está a sentir, na procura de compreender e adquirir controlo sobre a situação. Contudo, essas razões são muitas vezes erradas, até porque quando a pessoa tem motivos que a preocupam, não pensa no que sente, mas sim nesses motivos, pelo que a ansiedade não é muitas vezes percebida. Quando se foca nas sensações, ocorrem então reações cognitivas (ex: preocupação excessiva/obsessiva, pensamentos intrusivos, dificuldades de atenção e concentração) e sociais (ex: preocupação excessiva com opiniões de terceiros, evitamento), dando também origem a reações comportamentais (ex: bloqueio ou paralisação, estado de alerta, irritabilidade, tensão nos maxilares).

Nestas circunstâncias os sintomas de ansiedade podem ser percecionados como desconfortáveis. Sentir, por exemplo, o coração a disparar pode fazer a pessoa pensar que a “razão” será um problema cardíaco, o que é em si mesmo assustador. Ou seja, nestas circunstâncias, a pessoa como que se assusta com aquilo que está a sentir, o que vai aumentar a sensação de ansiedade. Isto pode acontecer, como exemplo, porque a “razão” interpretada para a ansiedade será um sintoma de patologia grave, ou porque pode ser um sinal de incapacidade na execução de uma determinada tarefa que, para agravar, pode ser percebida por outras pessoas. Ambas as circunstâncias vão desviar a atenção do próprio da tarefa que se propunha realizar (e que coincidiu com o aparecimento dos sintomas de ansiedade) para aquilo que está a sentir. Dito de outra forma, se a pessoa se assusta ou preocupa com o que está a sentir, então a sua atenção e preocupação começa a estar relacionada com isso mesmo: com os sintomas físicos que está a vivenciar, o que vai provocar a sua amplificação. Quanto mais atenta a pessoa estiver aos seus sintomas, mais os vai sentir e mais assustada vai ficar.

Este ciclo negativo em que a pessoa começa a ficar ansiosa com a sua ansiedade, pode tornar-se vicioso e levar a crises de ansiedade, que podem ser consideradas graves. A pessoa já não está ansiosa em função da situação que deu origem aos sintomas de ansiedade, mas começa a ficar ansiosa pelo que está a sentir, o que vai gerar mais ansiedade e assim sucessivamente.

A vivência destas crises pode resultar em eventos traumáticos, levando a pessoa a evitar as circunstâncias que lhe deram origem, e aumentando a sua incapacidade em função dos sintomas de ansiedade, que se torna real. Podem, então, resultar diversos tipos de perturbação de ansiedade, como sejam as agorafobias, com ou sem ataques de pânico, ou a ansiedade social, que podem ser consideradas como perturbações de ansiedade graves.

Compreender e aprender que a perturbação de ansiedade é alimentada pelo medo em sentir essa mesma ansiedade pode ter um efeito muito protetor. Se a pessoa assim compreender e não tiver medo dos sintomas de ansiedade, estará mais protegida em relação ao desenvolvimento de uma crise de ansiedade. Daí a importância da literacia emocional através da Educação Psicológica Deliberada, que pode ser muito preventiva do aparecimento de episódios de ansiedade graves. A vivência destes episódios pode ser muito traumática e incapacitante, e quanto mais tempo a pessoa a eles estiver exposta, mais duro é o processo de intervenção e recuperação que pode, inclusivamente, necessitar de ajuda multidisciplinar ao longo do tempo, para a sua resolução.

A perturbação de ansiedade será por isso um dos muitos bons exemplos onde investir em prevenção será, seguramente, muito valioso do ponto de vista do bem-estar psicológico e do custo-efetividade das intervenções.

Miguel Ricou

Fonte: CNN por indicação de Livresco

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