quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Para que serve a escola afinal? Depende, responde esta professora

O mais recente Inquérito às Práticas Culturais dos Portugueses, realizado pelo Instituto de Ciências Sociais com a Fundação Calouste Gulbenkian veio mostrar que 61% dos portugueses não leram qualquer livro impresso em 2020 e 27% leram apenas entre um e cinco livros. Atrever-me-ia a afirmar que entre estes números encontraremos muitos alunos e mesmo professores.

Vamos por partes. Por um lado, as desigualdades nas práticas culturais dos portugueses refletem as desigualdades existentes nos rendimentos, no nível de educação e na idade. Por outro, estamos conscientes da forte relação de causa-efeito entre a leitura de livros e outros consumos culturais. Há muito que defendo descontos especiais para professores não só em livros, museus e monumentos mas em todos os eventos culturais como teatro, dança, cinema, etc. Se não consumimos cultura, como a podemos transmitir?

Quanto aos livros, aos alunos já quase não se exige a leitura integral de nada. Excertos e mais excertos e fica-se por ali. E mesmo que se exigisse eles certamente não leriam. Para que serve a escola afinal, perguntam-me repetidas vezes no meu quotidiano profissional. Respondo que depende. Sim, depende da escola. Dos alunos que a frequentam e do meio sóciocultural em que se insere. A minha escola, por exemplo, é rica em afetos mas pobre em artes e cultura. Exatamente o oposto do que uma escola deveria ser, pensará o leitor. Depende, depende…  Se os alunos teimam em escrever no final dos textos – para que não nos esqueçamos – “eu odeio a escola” ou ” se a escola é a tua casa, foge de casa” – apostar nos afetos é tão ou mais importante do que apostar no ensino da História de Portugal ou na Gramática.

Embora a dificuldade dos alunos com o friso cronológico básico da Literatura ou da História de Portugal (e fiquemo-nos por aqui, sem manias de grandeza que a Europa ou o mundo seriam considerados conteúdos enciclopédicos) seja, de modo geral, transversal nesta geração de adolescentes, também a aversão à leitura de livros e à escrita de textos de diferentes formatos o são.

Não se iludam! A escola serve para tentar resolver os problemas com que diariamente se vê confrontada e ignorá-los, cobrindo-os pomposamente com os conteúdos curriculares ou com as tão em voga aprendizagens essenciais, pode resultar num remendo barato que pode rebentar antes do verão. Para além das aulas, dos alunos e dos seus problemas tão variados (a B., tão tímida, não fala nas aulas nem apresenta trabalhos orais; o D., tão gordo, recusa-se a fazer exercício físico; a C., tão extrovertida, já namorou com os rapazes todos da turma; o P., tão bom aluno e solidário, explica a matéria aos colegas nos intervalos; a R., tão meiga, sofre de depressão profunda) temos os pais. A P. quer conversar sobre a sua educanda que tem negativa a Português e a Matemática mas precisou de falar dela. Aos seis meses de gravidez o marido abandonou-a. Foi mãe e pai. Teve um cancro na mama direita. Depois na esquerda. Sente-se vitoriosa. Após um longo processo em tribunal, o ex-marido irá começar a pagar duzentos euros, com os quais pretende pagar explicações a Matemática.

E depois os colegas… O C. passa por mim no corredor e com ar irónico, diz: Uau, passei para o segundo escalão, mais um dinheirão… Sento-me por dez minutos na sala de professores e vejo-a entrar. Dirige-se diariamente à máquina de café em passinhos curtos e lentos. Tira um café e sai. Uns dias, cumprimenta efusivamente. Outros, emudece. Tem um casaco de inverno com um cinto despropositado e uns sapatos que lhe sobram dos pés para regozijo dos alunos. A D. está nervosa. Vai ter aula assistida e a turma é muito mal comportada. O professor de Matemática, de olhos semicerrados parece meditar. Pode não parecer mas está mentalmente a planificar, a pensar como irá dar certa matéria ao 10ºB. Sei disso porque mo disse… E porque é esta a nossa vida. Estamos sempre a trabalhar, dentro e fora da sala. Dentro e fora da escola.

Depois são as perguntas dos alunos, vertiginosas, ingénuas, disparatadas… Stora, Camões é do séc. XII? Quando nasceu Portugal? Mentalizar é na cabeça, não é? Stora, sabe que tenho bué medo da solidão? Stora, striper é uma profissão como outra qualquer, não acha?

Ouve-se por aí que a falta de professores nos diversos graus de escolaridade e disciplinas faz-se sentir no terreno e agrava-se de ano para ano. Nos próximas cinco anos, 20% dos atuais docentes entram na reforma e dentro de 10 anos essa percentagem sobre para os 58.

De que estás à espera? O salário é excelente, com atualização anual para motivação dos professores e sem cortes ou congelamentos de quaisquer espécies.

Junta-te a nós!

Carmo Machado

Fonte: Visão

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