Luiza Cortesão diz ser do tempo "em que se discutia se era prejudicial ou se era bom haver retroprojetores nas salas de aula". Hoje "ninguém prepara uma aula sem selecionar imagens, mas as imagens podem ser usadas para domesticar alunos e para mostrar que o professor tem razão, ou para suscitar uma discussão interessante e formativa com os alunos". Todas as técnicas podem ser bem ou mal aplicadas, lembra a investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Educativas.
As tecnologias que possibilitaram o ensino à distância determinaram, muitas vezes, que os alunos se pudessem independentizar, aprender a trabalhar e a pesquisar sozinhos, mas nem todos o puderam fazer com a mesma facilidade. "A forma como se levou a cabo o trabalho nos últimos meses foi a possível, mas teve graves consequências, sobretudo no sentido de acentuar as desigualdades sociais e económicas", esclarece a professora catedrática jubilada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
"É muito diferente a situação de uma criança cuja família tem computador e cujos pais podem dar apoio do contexto de outra que não tem equipamento informático ou que vive num lugar onde a rede não chega."
"Flexibilidade" é crucial
Pasi Sahlberg, autor finlandês que se dedica a estudar sistemas de ensino e a analisar e reformar políticas de educação em todo o mundo, é taxativo: "Flexibilidade e criatividade são os fatores críticos de sucesso nos sistemas educacionais. Por exemplo, os modelos de ensino que são pensados para que haja padrões de aprendizagem anuais e testes padronizados para medir como esses padrões são alcançados pelos alunos tiveram muito mais dificuldade para se ajustar à nova situação. Em países como a Finlândia, onde não existem tais padrões ou testes fixos, as escolas têm tido muito mais espaço para descobrir soluções." E Luiza Cortesão corrobora: "A palavra flexibilidade é crucial. Tudo o que seja flexibilizar a forma de trabalhar tem um aspeto positivo."
A investigadora salienta que as escolas capazes de serem flexíveis, por exemplo, na "gestão do currículo consoante o tipo de alunos que têm", poderão sair a ganhar na forma como lidam com a pandemia. Há, portanto, aspetos a mudar no ensino. "É muito importante atender à diversidade cultural da sala de aula", fundamenta Luiza Cortesão, que não rejeita a possibilidade de um modelo híbrido com adoção de aulas presenciais e à distância.
No entanto, a professora emérita lamenta que a pandemia tenha atacado "severamente a coisa mais fascinante, mais interessante, da profissão de professor, que é a relação".
"Algum dia o sistema de ensino estará preparado para que não haja relação entre professores e alunos? Oxalá que não esteja."
Carlos Fiolhais quer voltar à escola
"A pandemia mostrou que pode haver processos de substituição rápida, através de tecnologias, que não deixam de ser muito pobres comparado com aquilo que deve ser a escola. A escola exige proximidade, exige encontro, por uma razão muito simples: a escola é uma experiência humana. Não há escolas sem professores e alunos, que têm de estar uns com os outros, e não apenas virtualmente."
O professor de Física da Universidade de Coimbra Carlos Fiolhais quer voltar às aulas presenciais, ao ato da "socialização" para o "crescimento conjunto", até porque, sublinha, "a escola é o meio que a sociedade inventou para se prolongar".
O período de confinamento, com um ensino concretizado através de meios remotos, só veio acentuar a desigualdade: "A partir do momento em que existe tecnologia, que custa dinheiro, existe desigualdade no acesso. Estar fora da escola, estar em casa, pode significar estar na pobreza, pode significar não ter acesso à internet." Aliás, há estudos que demonstram que, "a partir do momento em que os alunos foram confinados, os resultados passaram a ser melhores para aqueles que vinham de meios sociais favorecidos e piores para os que tinham menos possibilidades financeiras".
Outro relatório, da OCDE, dá conta de que "só o facto de os alunos terem estado fechados durante três meses faz cair em 1,5% o PIB dos países nas próximas décadas", e o desafio é agora descobrir como compensar as perdas, que não se esgotam nas cifras da economia. "Só se tem seis, dez ou 15 anos uma vez, e, se se passar muito tempo sem o correspondente desenvolvimento mental, é um prejuízo para as crianças, que vão ser a nossa sociedade", argumenta o investigador, com uma referência ao abandono da componente experimental. Perde-se também, com a educação remota, "coisas que se aprendem pelo exemplo, que vão muito além do conhecimento". A ética é "transmitida em pequenos gestos do dia-a-dia", não deixa de lembrar Carlos Fiolhais.
O contacto não será, por isso, preterido no ensino, depois de a pandemia deixar de se fazer sentir. "Os professores são transmissores de herança, são os que trazem o melhor do passado para construir o melhor futuro", frisa Carlos Fiolhais. Contudo, o investigador não nega que a tecnologia possa servir de interface quando os alunos são já mais independentes: "Em particular na formação académica universitária, a tecnologia pode desempenhar um papel importante, porque é flexível, pode chegar a mais gente e mais longe."
A tecnologia tem de acompanhar... e aproximar
"A pandemia foi perturbadora e obrigou-nos a reavaliar as estratégias de ensino." Em declarações à TSF, Richard G. Baraniuk diz ver surgir três tendências significativas: "O ensino digital veio para ficar, mas as nossas capacidades têm de ser treinadas no sentido do envolvimento do aluno, da atuação do professor e da garantia de integridade académica. É mais importante do que nunca a criação de modelos abertos para fornecer acesso a todos, em todos os lugares."
No entanto, ressalva o professor de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Rice, fundador e diretor das iniciativas de educação aberta OpenStax e Connexions, "a aprendizagem digital não substitui as interações presenciais com professores bem treinados". Para Richard G. Baraniuk, os professores são "uma parte importante da educação, e agora é necessário treiná-los, não apenas em pedagogia presencial, como também em pedagogia de aprendizagem digital".
Os alunos não aprendem se não estiverem realmente envolvidos, defende o orador da TED Talk "O Nascimento da Revolução da Aprendizagem em Código Aberto". Por isso, a pandemia é também "uma grande oportunidade" para os que criam tecnologia, garante o professor canadiano, já que os dispositivos "devem apoiar cada aluno com instrução personalizada, ensinando-lhes o conteúdo certo no momento certo, e devem ser criados painéis que podem ajudar os professores a saber em que fase de aprendizagem está cada aluno, para que possam fornecer as correções de forma diferenciada".
Douglas N. Harris, antigo conselheiro da política de educação da Casa Branca, durante a administração Obama, acredita que há "vantagens no típico modelo de ensino, já que cria relações mais fortes entre estudantes, professores e funcionários, e não faz sentido abdicar desse sistema". O diretor da Education Research Alliance for New Orleans, uma organização dedicada à investigação sobre o ensino após o furacão Katrina, não nega, no entanto, que a tecnologia possa melhorar a educação, à medida que "famílias e educadores se veem forçados a experimentar novas abordagens para complementar as aulas presenciais".
"Não podemos pensar em sistemas de ensino para acontecimentos raros como pandemias, temos de os construir para os tempos de normalidade." Douglas N. Harris aplica o conhecimento adquirido durante o estudo do impacto que o furacão Katrina teve na educação. Os alunos podem praticar em casa com recurso à tecnologia, e os professores "devem utilizar o tempo tão valioso de contacto com os estudantes para lhes explicar questões complexas individualmente e aproveitar para dar incentivo". Quanto à rigidez do modelo de ensino de grande parte dos países ocidentais, Douglas N. Harris assegura: "É mais uma questão de como os líderes comunicam do que de como os sistemas são configurados pelas pessoas."
Fonte: TSF por indicação de Livresco
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