As aulas do ensino obrigatório iniciam-se já para a semana e muitos pais não sabem ainda se irão (ou não) permitir que os filhos regressem à escola. A pandemia está longe de estar debelada e muitos especialistas preveem uma segunda vaga para o Outono, o que alimenta o receio.
Será fastidioso lembrar que zelar pela educação dos filhos é uma incumbência primeira dos progenitores, constituindo, aliás, uma obrigação legal. O art. 36º da Constituição prevê expressamente que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”. Por seu turno, uma série de outros preceitos constitucionais asseguram o direito das crianças e jovens ao ensino e formação. Mais que um dever dos pais, o ensino é encarado, no texto constitucional, como um direito fundamental das crianças e jovens e condição indispensável à formação dos cidadãos de amanhã.
Assim, e neste cenário de enorme incerteza relativamente aos riscos envolvidos no regresso à escola, poderão os pais impedir as crianças de frequentarem os estabelecimentos de ensino?
O jornal PÚBLICO noticiou recentemente a publicação de um despacho do Ministério da Educação que prevê um regime excecional para crianças que integrem grupos de risco. Os pais deverão requerer ao estabelecimento escolar a aplicação deste regime, juntando declaração médica comprovativa. Inexplicavelmente, na data em que escrevo, a uma semana do início das aulas, não se sabe ainda quais os critérios que definem os grupos de risco para crianças e jovens (ou se lhes são aplicáveis os critérios já definidos para a generalidade da população). Desconhece-se também se este regime poderá ser aplicado aos casos em que a criança não padece de qualquer patologia mas reside com familiares que integram um grupo de risco. É, pois, de esperar que muitas famílias encontrem dificuldades na obtenção da declaração médica, desde logo em face da indefinição de critérios. À beira do início das aulas, não se compreende que as famílias se encontrem ainda nesta incerteza.
Mas, para além das crianças e jovens especialmente vulneráveis, a questão poderá suscitar-se também relativamente àqueles que não padecem de qualquer doença ou vulnerabilidade mas cujos pais receiam, não obstante, enviá-las para a escola, atendendo à probabilidade de poderem ser infetadas por covid-19.
Ora, nos casos em que as crianças não integram grupos de risco – quaisquer que eles sejam – e não residem com familiares que integram grupos de risco, aos pais não restará alternativa senão garantir o seu regresso à escola. A frequência do ensino obrigatório não está, como referimos, na disponibilidade dos progenitores. Por outro lado, as crianças e jovens parecem ser bastante resistentes ao vírus e a taxa de mortalidade antes da idade adulta é muito diminuta. O risco associado ao contágio nestas faixas etárias não parece, assim, suficientemente relevante para legitimar uma decisão dos progenitores que passe por privar as crianças dos ensinamentos e experiências que apenas a escola está em condições de proporcionar.
As crianças que não compareçam às aulas e não justifiquem devidamente as faltas sofrerão, naturalmente, as consequências académicas da ausência e, em última instância, a reprovação no final do ano. Por outro lado, a não frequência do sistema de ensino configura uma situação de perigo à luz da Lei de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo que será sinalizada pelas escolas às CPCJ (Comissões de Proteção de Crianças e Jovens). Se a intervenção da CPCJ não propiciar o regresso da criança ao sistema escolar, o processo será remetido ao Ministério Público, que tratará de desencadear o processo judicial respetivo.
Assim, e se muitos pais poderão ter receio de enviar os seus filhos (saudáveis) para os estabelecimentos escolares em virtude da incerteza que se vive relativamente à disseminação da covid-19, a verdade é que o quadro legal não admite outra solução. Os riscos envolvidos não parecem ser suficientemente sérios para que se equacione uma decisão tão radical como é privar as crianças e jovens de escola.
Nuno Cardoso Ribeiro
Fonte: Público
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