Não se sabe ao certo quantos alunos com necessidades especiais estão privados de transporte adequado para ir à escola. Seria preciso contactar todos os agrupamentos do país, já que nuns tal serviço depende das autarquias e noutros do Ministério da Educação, não havendo por isso informação centralizada. O Movimento Cidadão Diferente identificou dezenas de casos, mas todos os dias lhe têm chegado novos relatos, ultrapassando agora a centena.
O alerta, lançado pelo Movimento Cidadão Diferente, chegou com exemplos de agrupamentos escolares. Primeiro, o Agrupamento de Escolas (AE) da Quinta de Marrocos (Lisboa), AE de Queluz (Sintra), AE de Pedome (Vila Nova de Famalicão), AE Diogo Cão (Vila Real). O Movimento Cidadão Diferente acrescentou-lhe o AE de Águas Santas (Maia). Depois, o AE de Real (Braga) e o AE Alberto Sampaio (Braga). Por fim, o AE de Maximinos e o AE de Vila Verde. Entretanto, a situação de Vila Real foi ultrapassada.
O ano é atípico. As escolas têm tido autonomia para tratar deste assunto, salienta Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares. A contratação, por ano lectivo, é feita por cada agrupamento, com verba da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares. Esta competência passou a ser das autarquias em cerca de uma centena de municípios. "No nosso caso [Agrupamento de Escolas Serpa Pinto, em Cinfães], a autarquia delegou na escola. Não mudou nada. Avançámos com o processo em Agosto.” Concede que noutros haja problemas.
O problema não é exclusivo dos municípios. Questionado (...), o gabinete do ministro da Educação começou por responder, quinta-feira à noite, que “a grande maioria dos alunos com necessidades específicas já tem transporte assegurado”. E que “está já a ser ultimado o processo de contratação dos casos identificados”. Já nesta sexta-feira, afirmou que está dado o aval a todos os que dependem do ME para avançar. Até segunda-feira, quem não recebeu deverá receber essa informação. Disse ainda que o atraso, por vezes originado na escola, afecta 5% dos alunos que carecem deste apoio.
O Agrupamento de Escolas de Águas Santas, por exemplo, ainda aguardava notícia da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares para lançar o concurso público. “Em anos anteriores, têm sido corporações de bombeiros a prestar este serviço”, revelou Carlos Cardoso, adjunto da direcção. “Dois alunos devem ficar em ensino à distância, mas outros 26 precisam de transporte: dez deles não estão a ir à escola.”
Já o Agrupamento de Escolas Quinta de Marrocos tem o serviço adjudicado, não a funcionar. “Uma vez que várias empresas irão fornecer o referido transporte, estão neste momento a organizar as diferentes rotas para iniciar o serviço”, afiançou a directora, Ana Cristina Sério. “Neste ano lectivo, 78 crianças irão usufruir de transporte escolar.” Umas têm conseguido chegar, graças aos encarregados de educação, mas outras não.
Concursos sem interessados e outros percalços
Não é a primeira vez que alguns destes alunos começam o ano mais tarde. Como explicou Ana Cristina Sério, “por vezes, há atrasos na adjudicação do serviço resultante dos procedimentos e prazos presentes no Código dos Contratos Públicos”. Acontece ninguém se apresentar, “ficarem lotes sem interessados, obrigando à repetição do concurso”.
Manuel Pereira também chama a atenção para a dificuldade em encontrar um motorista que se comprometa a estar todos os dias à mesma hora na casa da criança para a levar à escola e na escola para a levar a casa. Os circuitos podem ser curtos. Pode ser necessário ter uma segunda pessoa ou uma cadeira especial, como aconteceu com uma aluna do seu agrupamento. “O transportador recusava-se a transportá-la para não comprar a cadeira, que custava quatro mil euros”, recorda. “Explicámos à direcção-geral que precisávamos desta cadeira, fizemos o concurso, comprámos.”
“Estes concursos deveriam ser feitos antes para que estes alunos, que nalguns casos estão em casa desde Março, pudessem voltar à escola com os outros”, sublinha Miguel Azevedo, do Movimento Cidadão Diferente. “Na minha área de residência, Gondomar, o Agrupamento de Escolas Júlio Dinis lançou o concurso no início das aulas. Quando tomou a decisão, uma pessoa impugnou o processo”, exemplifica.
O planeamento atempado fez com que muitas escolas, como as do AE Manuel Ferreira Patrício, por exemplo, pudessem encontrar soluções para as crianças incapazes de usar o transporte escolar regular. “Da nossa parte está a correr tudo bem”, diz o director, Manuel Cabeça. Foi autorizado a avançar com um ajuste directo enquanto decorre o concurso público. Os alunos começaram a vir à escola dia 21, um pouco depois dos outros, que começaram dia 17.
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas, lembra a importância da escola para estas crianças. Os mais novos precisam ainda mais do ensino presencial do que os outros. E, por isso mesmo, têm prioridade nas frequências. No Agrupamento de Escolas Dr. Costa Mato, em Vila Nova de Gaia, diz, a autorização da direcção-geral chegou antes do início do ano lectivo e os sete alunos que precisam de transporte contaram com isso desde o primeiro dia. “São processos burocráticos e morosos.”
Complexidade varia conforme verba em jogo
Os processos têm uma complexidade variada, consoante os montantes em causa. Alguns são tão avultados que as autorizações têm de passar pelo Ministério das Finanças. Veja-se a portaria de Finanças e Educação referente ao ano lectivo 2019-2020. No ano 2019: 125 mil euros ao AE D. Maria II (Braga), 98 mil ao AE Eugénio de Andrade (Porto), 77 mil ao AE de Maximinos (Braga), 109 mil ao AE Terras de Larus (Seixal) e 109 mil ao AE Quinta de Marrocos (Lisboa). No ano de 2020: 198 mil, 195 mil, 116 mil, 170 mil, 167 mil, respectivamente. A portaria deste ano ainda não foi publicada. Só quinta-feira ficou concluída.
Agora, em termos comparativos, atenda-se ao exemplo do município da Nazaré. Tinha de contratar transporte para dois alunos da Escola Básica e Secundária Amadeu Gaudêncio. Ao que se lê na acta da reunião de câmara de 24 de Agosto deste ano, contratou o mesmo táxi do ano anterior para um circuito que inclui Famalicão e Serra da Pescaria, num total de 6880 euros para o ano lectivo 2020/2021.
Nos últimos dias, além do AE de Águas Santas, do AE Escolas Quinta de Marrocos e do AE Manuel Ferreira Patrício, o PÚBLICO questionou o AE D. Maria II (Braga), o AE Eugénio de Andrade (Porto), o AE de Maximinos (Braga), o AE Terras de Larus (Seixal), o AE de Queluz (Sintra), o AE de Pedome, o AE Diogo Cão. Está a contactar AE de Real (Braga) e AE Alberto Sampaio (Braga), AE de Vila Verde.
Fonte: Público
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