terça-feira, 29 de setembro de 2020

Escolas deviam “ensinar os alunos a gerir melhor as emoções”

Os jovens portugueses andaram predominantemente aborrecidos, preocupados e tristes durante o confinamento ditado pela pandemia. A primeira conclusão a tirar do inquérito que a Fundação Gulbenkian fez a 1031 rapazes e raparigas, entre os oito e os 25 anos de idade, para perceber como geriram as emoções durante a pandemia, é clara quanto baste: “Os jovens portugueses, particularmente os mais novos e as raparigas, não estavam preparados para lidar com a mudança abrupta que entrou pelas vidas de todos”, resume Pedro Cunha, director do programa Gulbenkian Conhecimento. E a questão que se levanta, numa altura em que Portugal está no limiar de uma segunda vaga de infecções pelo novo coronavírus, é esta: de que modo podem as escolas aproveitar este regresso às aulas presenciais para ajudar os jovens a gerir melhor as emoções num eventual novo período de confinamento?

“Além de ler, escrever e contar, que são fundamentais, também é importante que os jovens sejam ajudados a pensar e a saber reconhecer as emoções e a gerir essas emoções”, começa por enunciar Pedro Cunha, para quem a pandemia veio agudizar esta necessidade de promoção também da adaptabilidade à mudança. “Ou o sistema educativo estimula deliberadamente essas competências transversais, como o pensamento crítico, a resolução de problemas, a adaptabilidade, a comunicação e a colaboração, ou, no final da escolaridade, as crianças e jovens saem muito pouco preparados para lidar com a mudança acelerada do mundo em que vivemos”, reforça.

Este alerta surge das constatações tornadas possíveis pelas respostas ao inquérito que os responsáveis da Gulbenkian fizeram a uma amostra de 1031 dos mais de 36 mil crianças e jovens que frequentam as Academias Gulbenkian do Conhecimento, lançadas há três anos por aquela fundação e que abrangem actualmente perto de 100 instituições que trabalham com jovens (de escolas a clubes, passando por universidades, câmaras e instituições particulares de solidariedade social de todo o país). Não é uma amostra representativa da população, mas, ainda assim, há dados suficientemente robustos, diz acreditar Pedro Cunha, para retirar algumas ilações.

À primeira pergunta, que procurava aquilatar quais foram as emoções predominantes durante o período em que estiveram fechados em casa e com ensino à distância, 66,9% dos que integravam a subamostra dos 865 jovens com idades entre os oito e os 15 anos declararam-se aborrecidos e 47,8% tristes. No escalão etário mais acima, dos 166 jovens entre os 16 e os 25 anos, predominaram o aborrecimento (70,1%) mas também a tranquilidade (52,6%). “Apesar de a diferença não ser muito grande relativamente aos mais novos, o padrão é predominantemente positivo entre os mais velhos”, destrinça aquele responsável.

Há outra diferença nas respostas, essa sim, mais significativa: as raparigas expressaram mais emoções negativas. Porquê? “O estudo não apresenta explicação para isso, mas a psicologia da criança e do desenvolvimento pode dar-nos algumas pistas, nomeadamente quando mostra que as raparigas tendem a ter a literacia emocional mais desenvolvida do que os rapazes e, porque têm mais facilidade em expressar as emoções, são mais honestas nas respostas que dão”, admite Pedro Cunha.

Criativos em vez de “quietos e calados”

Na questão seguinte, o questionário procurava saber se os jovens tinham ou não aplicado as competências sociais e emocionais que aprenderam nas Academias Gulbenkian do Conhecimento para lidar com as mudanças inerentes ao contexto pandémico: do pensamento criativo à capacidade de resolução de problemas, passando pela resiliência, pela auto-regulação e pela adaptabilidade a diferentes circunstâncias.

“A esmagadora maioria respondeu que sim”, afiança Pedro Cunha, para acrescentar que por terem recorrido às ferramentas adquiridas “os estados emocionais negativos baixaram muitíssimo e os positivos aumentaram muitíssimo”. “A maior parte disse que se empenhou em encontrar soluções novas para os problemas com que se estavam a confrontar e alguns disseram, por exemplo, que procuraram encarar um dia de cada vez para não desanimarem”, concretiza.

Num cenário em que os diagnósticos conhecidos tendem a descrever alunos cansados e sem gosto pela escola e em que estas surgem como estando demasiado focadas nas notas e na avaliação, o responsável da Gulbenkian aponta o muito que pode ser feito para incutir nos jovens aprendizagens que vão muito para além do ler, escrever e contar. “Não é igual pedir aos alunos para estarem sentados, quietos e calados durante 12 anos ou estimular neles a criatividade, a adaptabilidade e o pensamento crítico”, refere, para acrescentar que “estas competências não são conteúdos em si, não precisam de ser adicionadas ao currículo tradicional”, isto é, “tudo se joga na forma como o currículo é abordado”. “A disciplina de História é excelente para estimular o pensamento crítico. A Matemática pode ajudar a estimular o pensamento criativo e até a Educação Física se associa facilmente à criatividade, tanto quanto as expressões artísticas”.

Questionado sobre a capacidade de as escolas incorporarem estas competências na forma como ensinam as matérias, Pedro Cunha mostra-se optimista. “As escolas têm essa consciência. O que falta muitas vezes são as ferramentas, e não estou a falar de recursos humanos, mas de ferramentas metodológicas”. Por isso é que diz que, após os primeiros três anos de vigência das Academias Gulbenkian do Conhecimento, e cujos resultados vêm sendo avaliados sistematicamente, a “fundação está totalmente disponível para mobilizar todo o conhecimento que existe do terreno e torná-lo acessível a qualquer professor de qualquer sala deste país”. “Este é o próximo desafio e nós queremos colaborar com o Ministério da Educação no sentido de disseminar o melhor possível toda esta informação que temos vindo a recolher”.

Fonte: Público

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