quarta-feira, 11 de junho de 2014

Os livros, as “amas tecnológicas”, as crianças e a socialização

O António é um menino bem-disposto, mas que se deixa vencer pela timidez no recreio da escola. Tem medo de ser rejeitado nas brincadeiras e afasta-se dos colegas. Fica com o coração apertadinho por achar que é difícil fazer amigos. A mãe apercebe-se da situação e traça um plano para que o filho vença a timidez. Pouco a pouco, o pequeno António perde a vergonha, participa nas brincadeiras e percebe como é bom fazer amigos. É Tão Bom Fazer Amigos é um livro escrito a quatro mãos, por Inês Afonso Marques e Rita Castanheira Alves, psicólogas clínicas com prática profissional orientada para a área infanto-juvenil. As ilustrações do livro são de Alexandre Esgaio. 
O pequeno António é o protagonista da primeira obra da coleção da Oficina de Psicologia dirigida às crianças e aos adultos. Crescer com Pinta é o nome desta coleção de livros desenhados para que crianças, a partir dos cinco anos, possam partilhar com os adultos que as acompanham momentos de descoberta, reflexão e aprendizagem de forma natural e adequada ao contexto de desenvolvimento. Ainda este ano, será publicado, pela mão da Arte Plural, um segundo título e a ideia é lançar seis livros infantis até 2016. Os temas foram selecionados pela equipa de psicólogos da Oficina de Psicologia especializada em saúde infanto-juvenil, através do trabalho clínico diariamente desenvolvido com crianças e famílias e pela formação contínua na área. Os assuntos relacionam-se, claro está, com o desenvolvimento das crianças. 

O primeiro livro, que foi apresentado a 8 de junho na Feira do Livro de Lisboa, no espaço do Grupo Porto Editora, não tem apenas palavras e desenhos. Tem também um destacável do António para prolongar a vida e experiências da figura central fora do livro, bem como exercícios, questões e pequenas estratégias. A vertente prática da obra é, aliás, uma caraterística que as autoras destacam. “A criança sentir-se-á mais capaz na tarefa de socialização com os seus pares, não sendo a criança o problema, mas colocando-o fora de si, o que a capacita para lidar com maior facilidade” com o obstáculo que tem pela frente. Um livro que é “uma ferramenta lúdica para que as crianças consigam desenvolver as suas competências sociais com a ajuda dos adultos que as acompanham”. “É um livro para todas as crianças, uma vez que a tarefa de socialização e integração num grupo de pertença são tarefas essenciais para o seu desenvolvimento e crescimento enquanto pessoa”, referem. 

A dificuldade de fazer amigos, a timidez, a ansiedade social, são temas pertinentes de ontem, de hoje e de amanhã, importantes no desenvolvimento social. Os técnicos estão atentos às grandes mudanças na sociedade, à rápida evolução tecnológica, às problemáticas que afetam os mais novos e que podem influenciar o desenvolvimento de competências. O dia-a-dia das crianças e jovens mudou muito. Há cada vez menos brincadeiras nas ruas, as relações de vizinhança perderam a intensidade do passado, os horários de trabalho esticaram e os adultos têm cada vez menos tempo para os momentos de socialização. Inês e Rita, psicólogas e autoras do livro, lembram as famosas “amas tecnológicas”, sobretudo a televisão e o computador, que hipnotizam e condicionam o relacionamento com outras crianças, seja no recreio da escola, seja no campo de futebol ao pé de casa. “Hoje, é importante estar-se mais atento e sensível ao uso e influência destes fatores para que a socialização saudável continue a ser desenvolvida e proporcionada”, alertam. 

Nesta coleção, a ideia é que as crianças se identifiquem com as personagens e, por isso, as situações descritas são semelhantes à realidade que as rodeia. Para que se sintam compreendidas e consigam mais facilmente pôr em prática as estratégias necessárias para lidar com as dificuldades. “Pela forma como a criança se pode identificar e, por vezes, encontrando identificações com personagens pouco reais e demasiado idealizadas, é importante que a leitura dos livros em fases precoces possa ser acompanhada, ou seja, haja oportunidades de exploração das ideias dos livros, do que a criança sentiu, da forma como vivenciou emocionalmente a história, para que os adultos possam ajudar a criança a ter uma visão crítica sobre o que foi lido e assim medir o impacto do que é lido, integrado e interpretado na construção da sua personalidade”. 

Os livros têm palavras, desenhos, magia. Alimentam a curiosidade, aumentam o conhecimento, desenvolvem competências desde cedo. São importantes instrumentos de socialização. “A observação de figuras e pequenas palavras e a nomeação das mesmas com um bebé, a leitura de uma história ao deitar pelo adulto e a conversa sobre essa história com a criança, a leitura e exploração do livro na escola desde idades precoces, são exemplos de excelentes momentos que contribuem para o processo de socialização”. Um livro abre um mundo de possibilidades. Inês e Rita enumeram algumas para o desenvolvimento dos mais pequenos. Permite que se sintam compreendidos e fiquem tranquilos ao identificarem-se com a história escrita num livro. Que aprendam de uma forma lúdica, que coloquem questões, que reflitam. “Ao ser um recurso que pode ser explorado pelo adulto com a criança, ou entre várias crianças, contribui igualmente para o bom desenvolvimento emocional, proporcionando a interação entre a criança e quem explora com ela o livro”, referem as psicólogas. 

Os livros ajudam as crianças a exteriorizar sentimentos, emoções, preocupações. “Esse é um extraordinário dom dos livros”, afirmam. “A leitura permite ver escrito o que, às vezes, está dentro do leitor e é difícil de compreender, o que permite tornar consciente e dar forma, separar o problema da pessoa, processo extremamente facilitador da fase seguinte, ou seja, encontrar formas para lidar e intervir”. Se não houver problema, um livro é “um exercício extraordinário de desenvolvimento emocional, pelas emoções que proporciona, pelas questões que suscita, pelas aprendizagens que são feitas”.

Sara R. Oliveira

In: Educare por indicação de Livresco

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