sexta-feira, 6 de junho de 2014

Conselho Nacional de Educação aponta várias falhas [à educação] especial

A atual legislação sobre educação especial “deixa desamparado um conjunto considerável de alunos e alunas que manifestam necessidades educativas especiais e para os/as quais não é possível construir respostas educativas ajustadas”, diz o Conselho Nacional de Educação (CNE) numa recomendação tornada pública nesta sexta-feira. Os conselheiros sugerem várias alterações legais e sublinham a necessidade de garantir recursos, que por vezes falham – desde o apetrechamento das escolas até à afetação de profissionais.

A pedido da Assembleia da República, o CNE debruçou-se sobre as respostas dadas aos alunos com necessidades educativas especiais – no ano letivo de 2012/2013 havia cerca de 62 mil, dos quais quase 61 mil frequentavam escolas do ensino regular.

Das audições e análises feitas resultam algumas preocupações. O CNE diz, por exemplo, que, embora as políticas públicas neste setor adotem “o princípio da educação inclusiva”, e até sejam objeto de reconhecimento internacional, “a atitude voluntarista do legislador não encontra respaldo” na capacidade de mobilizar recursos. Exemplos: por vezes, os estabelecimentos de ensino só têm técnicos muito depois do ano letivo começar; há escolas de referência para alunos cegos e de baixa visão que apenas têm acesso aos manuais em Braille no final do ano letivo; há tecnologias de apoio que só chegam aos alunos quando já não são adequadas...

Em suma: existem escolas que têm na sua população escolar alunos com necessidades especiais mas que não têm, “em tempo útil, os recursos e profissionais que permitam dar resposta apropriada” a essas crianças e jovens.

“Estas situações representam um desperdício de recursos, mas sobretudo de tempo, essencial e irrecuperável num processo de aprendizagem”, lê-se no texto do CNE. “A existência destas respostas, nomeadamente no que concerne aos meios e profissionais que servem na e com a escola, em toda a extensão do ano letivo, é condição fundamental, sem a qual o princípio da inclusão não passa de mera retórica.”

Por isso, entre as recomendações enumeradas pelos conselheiros, está a de que é preciso clarificar e adequar os critérios de atribuição de recursos e profissionais aos estabelecimentos de ensino.

O CNE acha ainda que o Sistema Nacional de Intervenção Precoce funciona, mas que há zonas do país que não estão abrangidas, o que põe em causa a equidade. Por outro lado, há o risco de meninos com necessidades especiais “transitórias” não terem acesso a “intervenção especializada”, o que pode levar a que essas necessidades se tornem “crónicas”. O CNE entende que a legislação deve ser alterada de forma a que seja possível desenvolver “medidas educativas temporárias”, que contemplem aquelas situações.

Formação duvidosa

A qualidade da formação dos docentes de educação especial que, em anteriores pareceres, já tinha sido apontada como uma fragilidade não está a melhorar, prossegue o CNE. Os conselheiros sugerem que seja desenvolvido, “com urgência”, um plano de formação contínua.

De resto, há cursos de educação especial no mercado com qualidade duvidosa, diz-se. E as próprias motivações dos professores que escolhem esta via nem sempre serão as mais indicadas. “Em alguns casos, a apresentação a concurso em educação especial não decorre da escolha intencional de um percurso profissional, mas antes da possibilidade de obtenção de emprego ou de aproximação à residência.”

Na sua recomendação, o CNE sugere, entre outros, que “sejam desenvolvidos processos urgentes e rigorosos de regulação dos cursos de formação especializada”, que seja dada especial atenção à “qualidade científica” das formações e que se clarifique o “perfil” e as “competências” dos docentes de educação especial. Mais: é preciso definir critérios rigorosos de recrutamento. Recomenda-se ainda que se desenvolvam mecanismos legais que permitam ter professores com estabilidade nas escolas, a trabalhar com estes alunos.

Exames desadequados?

As dúvidas do CNE estendem-se à forma como estes alunos são avaliados. “A existência de avaliação externa das aprendizagens” – exames – “tendo como referência os curricula e as metas de aprendizagem”, sem que estes estejam adaptados às condições especiais dos alunos do ensino especial, “poderá pôr em causa a qualidade e a equidade na possibilidade de obtenção de sucesso”.

Dúvidas são também levantadas em relação à forma como estará a decorrer a transição para a vida ativa. O CNE acha que parece não estar a ser garantida uma “plena integração social e laboral depois de concluída a escolaridade obrigatória”. E diz que é preciso “repensar a certificação decorrente deste percurso escolar”.

O alargamento da escolaridade obrigatória é referido mais do que uma vez no texto do CNE – porque veio aumentar o período de permanência de alunos com necessidades especiais nas escolas, “alargando a sua frequência às escolas secundárias, as quais, na sua maioria, se debatem com dificuldades, ao nível da prática e das condições necessárias, para responder a este novo desafio”. Esta situação é ainda mais premente nas escolas profissionais, onde não existe resposta no âmbito das necessidades educativas especiais.

De acordo com a Constituição da República Portuguesa, é da responsabilidade do Estado “promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoio ao ensino especial, quando necessário.”

O CNE é um órgão independente, com funções consultivas, que emite opiniões, pareceres e recomendações sobre todas as questões relativas à educação, por iniciativa própria ou em resposta a solicitações apresentadas pela Assembleia da República e pelo Governo. O seu presidente é eleito pela Assembleia da República. Atualmente, o cargo é ocupado pelo ex-ministro da Educação David Justino.

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