terça-feira, 17 de junho de 2014

Número de alunos com NEE aumenta de ano para ano

O Ministério da Educação e Ciência (MEC) pediu um parecer e o Conselho Nacional de Educação (CNE) estudou exaustivamente o assunto. Leu literatura nacional e internacional, analisou o que se passa em outros países, pediu números da realidade portuguesa e fez uma série de recomendações relativamente à Educação Especial – entre as quais rever a legislação em vigor e não esquecer a importância da intervenção precoce. Afinal o que se passa na Educação Especial em Portugal? O tema tem dominado as atenções nas últimas semanas. 

O CNE recolheu vários dados. Em 2010, Portugal tinha mais de 75% das crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE) no ensino regular. Nesse ano, 86,8% das crianças estavam em ambiente inclusivo, 7,3% frequentavam escolas especiais e 5,9% estavam em turmas especiais em escolas do ensino regular. Em 2008, havia mais alunos em escolas especiais, 89% estavam em ambiente inclusivo e 3% em turmas especiais em escolas de ensino regular. Na Dinamarca, por exemplo, vivia-se uma realidade diferente. Em 2010, apenas 5,9% dos alunos com NEE estavam em ambiente inclusivo, 56,3% frequentavam turmas especiais em escolas do ensino regular e 37,8% estavam em escolas especiais. Na vizinha Espanha, 83,3% estavam em ambiente inclusivo e 16,7% em escolas especiais e turmas especiais em escolas do ensino regular. 

O número de alunos com NEE tem vindo a aumentar ao longo dos anos letivos. Em 2009/2010, havia 20474, número que aumentou consideravelmente em 2010-2011 para 35533. Em 2011-2012, eram contabilizados 37922 alunos com NEE, subindo para os 54083 em 2012/2013 e para os 56886 no ano letivo que agora termina. Nos dois últimos anos letivos, verificou-se um aumento de alunos com NEE no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário. E a maior concentração de alunos tem-se verificado nas regiões do Norte, Centro e Lisboa e Vale do Tejo. 

No ano letivo 2013-2014, em termos de resposta, contavam-se 17 agrupamentos de escolas de referência para a educação bilingue de alunos surdos, 32 para apoio à educação de alunos cegos e com baixa visão, 345 unidades de apoio especializado para a educação de alunos com multideficiência e surdocegueira congénita, 269 unidades de ensino estruturado para a educação de alunos com perturbações do espetro do autismo, 137 agrupamentos de escolas de referência para a intervenção precoce na infância, 90 centros de recursos para a inclusão acreditados e 25 centros de recursos TIC para a Educação Especial. 

Em 2012-2013, havia 5063 crianças apoiadas no âmbito da intervenção precoce na infância, até aos 6 anos de idade - 1508 das quais no Centro do país, 1145 em Lisboa, 1063 no Alentejo, 985 no Norte e 362 no Algarve. Duzentas e quarenta e cinco ainda não tinham 1 ano de idade, 415 tinham 1 ano, 837, 2, 1012 3 anos, 1224, 4, 1069, 5 e 261, 6 anos. Nesse mesmo ano letivo, dos 62 100 alunos com NEE, 60756 estavam em escolas regulares e 1344 em escolas especiais. O Norte tinha 17696 alunos com NEE, o Centro, 16962, Lisboa, 18410, o Alentejo, 6155 e o Algarve, 2877. 

O número de docentes de Educação Especial subiu e depois desceu. No ano letivo de 2009-2010, havia 5583 professores, em 2010-2011 subiu ligeiramente para 5696, em 2011-2012 havia 5667, em 2012-2013 voltou a aumentar para 5835 e em 2013/2014 desceu para 5362. Verifica-se um acréscimo do número de docentes de Educação Especial do grupo de recrutamento 910 até ao ano letivo de 2012/2013, com uma pequena diminuição no ano letivo de 2011-2012, e no ano letivo de 2013-2014 esse número diminuiu em cerca de 300 docentes. É muito acentuado o decréscimo do número de docentes dos grupos de recrutamento 920 e 930 no ano letivo 2013-2014. A maior concentração de docentes é na região Norte. 

Relativamente aos técnicos de escolas públicas afetos à Educação Especial, havia, no total, 1626, 787 psicólogos, 151 terapeutas ocupacionais, 383 terapeutas da fala, 118 fisioterapeutas, 99 intérpretes e 81 formadores de Língua Gestual Portuguesa, e ainda sete técnicos de orientação e mobilidade. Dados de 2014 demonstram que é notório o número de alunos com NEE na rede privada de Educação Especial. Nos centros de recursos para a inclusão, o número de alunos abrangidos com NEE vai oscilando, de ano para ano, embora tenha havido um aumento na ordem dos 1800 alunos de 2009-2010 para 2013-2014.

Respostas para combater insucesso repetido
O MEC divulgou entretanto as conclusões de um grupo de trabalho, criado para o efeito pelos ministérios da Educação e da Segurança Social, para analisar várias questões relacionadas com a Educação Especial. Com vários dados nas mãos, o Governo poderá retirar dos apoios da Educação Especial todos os alunos que não apresentem deficiências permanentes, garantindo, no entanto, que a escola continuará a apoiar todos os alunos com dificuldades de aprendizagem. As conclusões indicam também para a necessidade de alguma revisão da legislação, sobretudo ao nível da integração, num único diploma, dos diversos normativos, de forma a clarificar conceitos, em particular no que diz respeito à separação entre necessidades educativas especiais permanentes ou temporárias ou entre o que realmente se enquadra na Educação Especial e o que poderá apenas ser classificado como dificuldade de aprendizagem. 

No relatório do grupo de trabalho sobre Educação Especial há pontos de partidas e propostas de melhoria. Chama-se a atenção para o reforço dos mecanismos de prevenção e de intervenção atempada perante os primeiros sinais de dificuldade na aprendizagem, para a necessidade de simplificar e flexibilizar procedimentos, bem como atualizar a formação inicial, contínua e especializada dos docentes, mais concretamente sobre necessidades educativas especiais, dificuldades na aprendizagem, diferenciação pedagógica e tecnologias de apoio. Avisa-se que é preciso reforçar os apoios na aprendizagem nos primeiros anos de escolaridade que permitam acionar mecanismos de identificação e superação das dificuldades de aprendizagem. E deixa-se a mensagem de que é preciso “organizar respostas educativas diferenciadas, distintas das previstas na Educação Especial, para alunos com insucesso repetido e com baixos níveis de realização académica”. 

A Associação de Pais e Amigos de Crianças e Jovens com Necessidades de Apoio Especializado não quer redução de apoios, caso haja alterações na lei. E garante que “cerca de 30% dos alunos que precisam não têm qualquer apoio especial, porque o Governo o retirou”. O MEC pondera rever o Subsídio de Educação Especial (SEE), criado para financiar a permanência de alunos com incapacidades permanentes nas escolas ou instituições, por já não estar a cumprir com o objetivo inicial. “Há necessidade de envolver o Serviço Nacional de Saúde na identificação, avaliação e acompanhamento das necessidades de apoio terapêutico das crianças e jovens”, lê-se no relatório. 

Segundo o coordenador do grupo de trabalho, o SEE está a ser utilizado para pagar apoios terapêuticos aos alunos com incapacidades. Incapacidades que estarão a ser diagnosticadas pelas entidades erradas. “Em outubro de 2013 foi celebrado um protocolo entre a Segurança Social e a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares que se anunciou como sendo para agilizar procedimentos, de modo que as crianças e famílias tivessem respostas mais céleres, e o que se repara hoje é que 90% dos processos das crianças com prescrições médicas para intervenções foram indeferidos”, referiu, à Lusa, Henrique Matos, da associação. A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) não vê com bons olhos essa vontade de revisão do enquadramento legal da Educação Especial, por, na sua opinião, “negar o direito” a uma educação inclusiva. A FENPROF pondera mesmo avançar com uma queixa na Comissão Europeia e, neste momento, desdobra-se em deslocações e contactos para entregar ao MEC uma outra proposta de alteração da legislação. Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF, acusa o Governo de ter uma perspetiva “retrógrada” em matéria de Ensino Especial. “O Ministério da Educação, que considera que tem havido abusos, tem a intenção de tornar ainda mais estreito - eles dizem rigoroso - o acesso à Educação Especial”, referiu, em declarações à Lusa. E contesta um eventual corte de apoios. “Por uma razão quase estritamente economicista, a nossa escola, que deu passos importantes nesse sentido, está numa encruzilhada quase entre se os deve continuar a dar, se os deve melhorar ou se até deve é passar a andar para trás”. 

Os conceitos de cada país 
Na década de 70 do século passado, assistiu-se a uma profunda alteração nas conceções e no modo de organização da Educação Especial. A Dinamarca deu o primeiro passo ao ser o primeiro país europeu a definir quatro princípios básicos de orientação para o atendimento educativo das crianças com algum tipo de incapacidade: o princípio da proximidade, o princípio da interferência mínima para não receber mais apoios além dos que são necessários, o princípio da eficácia e o princípio da integração. Em 1979, em Inglaterra, investigadores concluíam que, ao longo da escolaridade básica, uma em cada cinco crianças apresentaria, em algum momento, necessidades educativas que implicariam a adequação do processo de ensino e aprendizagem. Dessa forma, competiria às escolas saber identificar e responder às diferentes necessidades dos seus alunos, independentemente de estas derivarem de uma deficiência ou de uma outra qualquer situação. 

Em Portugal, em janeiro de 1990, escrevia-se na lei que “os alunos com necessidades educativas específicas, resultantes de deficiências físicas ou mentais, estão sujeitos ao cumprimento da escolaridade obrigatória, não podendo ser isentos da sua frequência”. Em 1991, o nosso país adopta o quadro de referências que permite definir medidas educativas para alunos com NEE que frequentam as escolas públicas dos ensinos básico e secundário. 

Nesta área, em janeiro de 2008, definiam-se procedimentos de referenciação e avaliação. O Programa Educativo Individual (PEI) era um exemplo. Um programa que surge para fundamentar as respostas educativas e respetivas formas de avaliação e cuja implementação exige a colaboração de todos os intervenientes no processo educativo. Como complemento ao PEI, a escola deve elaborar um Plano Individual de Transição (PIT) sempre que um aluno apresente NEE de carácter permanente que o impeçam de adquirir as aprendizagens e competências definidas no currículo. 

O apoio pedagógico personalizado, as adequações curriculares individuais, as adequações no processo de matrícula e no processo de avaliação, o currículo específico individual, as tecnologia de apoio surgem como medidas educativas. Em 1996, num estudo encomendado pelo CNE, coloca-se a questão de quem são as crianças que necessitam de ser identificadas, sinalizadas ou enviadas para estruturas mais complexas de avaliação a fim de beneficiarem de um programa educativo específico. O professor Joaquim Bairrão dava a resposta: “crianças muito pequenas, entre os 0 e os 3 anos, que exigem uma metodologia específica, e crianças e alunos de idade pré-escolar ou escolar”. 

Relativamente às políticas de integração de alunos com NEE, o relatório Educação Especial na Europa, de 2003, realça que a tendência dos países da União Europeia é o desenvolvimento de uma política que visa a inclusão de alunos com NEE nas escolas de ensino regular. Nessa altura, os países são agrupados em três categorias. Portugal fica na categoria dos países que seguem a via de trajetória única, que significa o desenvolvimento de políticas e práticas orientadas para a inclusão de todos os alunos no sistema regular de ensino. Chipre, Espanha, Grécia, Islândia, Itália, Noruega e Suécia seguem o mesmo caminho. Na segunda categoria estavam a Dinamarca, França, Irlanda, Luxemburgo, Áustria, Finlândia, Reino Unido, Lituânia e outros países de Leste que seguem uma abordagem múltipla para a inclusão, isto é, integram o sistema de Educação Especial e o sistema regular. Suíça e Bélgica estavam numa outra categoria dos países onde existem dois sistemas educativos distintos, ou seja, os alunos com NEE frequentam escolas especiais com currículo específico. 

A definição e tipos de deficiência não são iguais em todos os países. Há diferenças. Em 2008-2009, a Dinamarca sustenta que a Educação Especial e outros apoios devem ser prestados aos alunos cujo desenvolvimento requer condição especial de apoio. Em 2007-2008, Portugal escrevia que “as crianças e os jovens são apoiados pela Educação Especial sempre que apresentem dificuldades no processo de aprendizagem e na participação, considerando a interação entre os fatores e as limitações inter-relacionados no seu funcionamento”. Em Espanha, no mesmo ano letivo, os alunos com NEE são alunos que requerem apoio educacional específico devido a deficiências ou perturbações comportamentais graves, temporárias ou permanentes ao longo da escolaridade. A escolaridade desses alunos em centros ou unidades de Educação Especial poderá ser prolongado até à idade de 21 anos, mas esse só será prestado caso as suas necessidades não forem satisfeitas pelo ensino regular. 

Em Inglaterra, em 2008-2009, uma criança tem NEE se apresentar dificuldades de aprendizagem que exigem apoio adicional. A criança tem uma dificuldade de aprendizagem caso apresente de forma significativa maior dificuldades de aprendizagem do que a maioria das crianças da sua idade, quando tem uma deficiência que impede ou dificulta o acompanhamento das aulas no ensino regular para as crianças da mesma idade, ou que esteja em idade de escolaridade obrigatória.

In: Educare

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