sexta-feira, 6 de junho de 2014

A autonomia das escolas "é uma falácia"

Ilídia Cabral, a docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Católica Porto que esta sexta-feira lança o livro Gramática Escolar e (In)Sucesso, defende que a autonomia que alegadamente tem sido concedida pelo Ministério da Educação às escolas públicas "é uma falácia”. Isto, justifica, na medida em que aquela “é constantemente colocada em causa pela falta de recursos humanos e pelo centralismo das políticas educativas”, com consequências para a Educação que considera “gravíssimas”.

“No setor da Saúde, na maior parte dos casos, os cortes orçamentais têm efeitos imediatos, perceptíveis. Na Educação, os danos só serão visíveis dentro de alguns anos, o que permite que os problemas se instalem sem causar alarme, prejudicando irremediavelmente as escolas, os alunos, os professores e as comunidades”, alertou aquela especialista (...).

No desenvolvimento da investigação que deu origem à obra que esta sexta-feira é lançada, Ilídia Cabral diz ter testemunhado isso mesmo. Com o objetivo de estudar as diferentes formas como as escolas aproveitam as “margens de autonomia” para se “reorganizarem” e combaterem o insucesso e o abandono escolares, a professora estudou três casos. Dois deles estavam, inseridos no programa “Mais Sucesso”, lançado pelo Governo em 2009, e o terceiro resultou de uma proposta isolada da direção de uma escola, aprovada pela Direção Regional de Educação do Norte.

Segundo diz, os três modelos de organização estudados nasceram da noção de que “o aluno médio é uma fição” e de que “o ensino para as massas não dá resposta à heterogeneidade da escola e às necessidades específicas dos alunos e das respetivas comunidades”. Acontece, frisou, que o terceiro projeto, que se baseava numa gestão flexível dos tempos destinados ao Estudo Acompanhado e à Área de Projecto, não avançou.

“Apesar dos resultados francamente positivos já alcançados, foi interrompido de forma abrupta. E porquê? Não como resultado de qualquer avaliação, mas na sequência de uma alteração curricular que extinguiu aquelas áreas não disciplinares e privou a escola de espaços, tempos e recursos humanos para dar continuidade ao projeto”, criticou Ilídia Cabral. Para a investigadora, este é “apenas um exemplo da incapacidade da administração de atender às especificidades de uma comunidade escolar, da fragilidade da autonomia das escolas e também dos danos que políticas cegas podem causar aos alunos, provocando, ainda, a desmotivação dos professores”.

Em relação à obra em que analisa cada caso e explora as vantagens e desvantagens das várias formas de gestão de tempos e de recursos humanos, a autora ressalva não pretende apontar qualquer modelo como “a solução”. Afirma que tem a intenção de “suscitar a reflexão da escola sobre si mesma, com o objetivo de que em cada uma se possam aproveitar as margens de autonomia para encontrar formas de responder a necessidades específicas”.

Também a exercer funções de consultora no âmbito do Serviço de Apoio à Melhoria das Escolas (SAME), Ilídia Cabral sublinha, no entanto, que o contexto atual “não é favorável” ao nascimento e desenvolvimento de projetos naquele campo. Sublinha que "a tão falada autonomia raramente se traduz em poder efetivo de decisão nas escolas" e critica opções políticas que “de forma mais ou menos camuflada têm como objetivo eliminar recursos ditos dispensáveis”, "como a criação de mega-agrupamentos ou o aumento do número de alunos por turma", exemplifica. Para além disso, afirma, confronta-se “todos os dias com o desânimo de professores aos quais o Governo cada vez exige mais, em termos de tarefas burocráticas e sem valor educacional, e dá cada vez menos”. "Se alguma coisa se vai fazendo neste campo é porque, por vezes, este tipo de projetos é encarado como uma bolsa de oxigénio em tempos de asfixia", repara.

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