Vamos por partes: não é difícil reconhecer que os professores tinham há uma dezena de anos uma situação profissional privilegiada. Não em termos económicos – isso nunca foi o seu forte – mas atuavam em condições de trabalho bastante favoráveis. Esta situação favorável devia-se em grande parte ao facto de serem herdeiros de uma situação de prestígio herdada do tempo em que a escola era ela própria um privilégio de alguns.
Essa situação alterou-se muito nos últimos anos: o tempo letivo aumentou, deixaram de existir reduções letivas conforme o tempo de serviço ou cargos na escola, o tempo de permanência na escola aumentou muito e o trabalho burocrático subiu exponencialmente. O que se pretende agora é agravar ainda estas condições com a mobilidade especial e com um horário de 40 horas. Estas condições, somadas ao trabalho excedentário que é preciso fazer nas escolas devido à redução do número de professores, tornam a profissão de professor um lixo e destroem qualquer vestígio de dignidade que ela poderia ter. É por isso os professores (isto é os sindicatos que os representam e não só) decretaram greve.
A greve que será feita no dia 17 de Junho tem sido atacada pelo fato de coincidir – e propositadamente – com os exames do 12º ano. É sobre isto que gostaríamos de partilhar 3 reflexões:
1. Não consta que nenhum aluno esteja matriculado na Fenprof ou na FNE. Eles estão sim matriculados no Ministério da Educação. O Ministério tem pois que organizar os exames que ele quer que sejam feitos pelos seus alunos. Assim, a possibilidade da realização de exames fica na responsabilidade do Ministério e não dos sindicatos. Não se pode responsabilizar a meteorologia por não haver voos: responsabiliza-se a companhia aérea.
2. A possibilidade de o Ministério levar a bom termo a realização dos exames esbarrou com uma dupla inflexibilidade: por um lado, o ministro afirma que o dia 17 é inegociável e, contra tudo e contra todos (faz lembrar o “aguenta, aguenta”), diz que os exames têm que ser nesta data. Por outro lado, a proposta construtiva da Comissão Arbitral de transferir os exames para dia 20 é ignorada e desconsiderada. Trata-se pois de um “fincar os pés no chão” que indicia uma determinada inflexibilidade.
3. Esta inflexibilidade do ministro e do Ministério origina uma forte condição de desigualdade nos exames, dado que discrimina os alunos do ensino particular e os do ensino público e cria ainda condições diferentes para os que poderão fazer o exame e para os que não o poderão fazer. A estas duas circunstâncias soma-se ainda outra em relação aos alunos com dificuldades: é provável, com esta confusão e indecisão instalada, que eles não venham a ter as condições e o apoio na avaliação que precisariam para demonstrar as suas capacidades.
Perante uma situação social já tão grave, o Governo e o ministro respondem com uma intransigência do “antes quebrar que torcer”. Mas a mim, esta atitude evoca-me mais o famoso aforismo grego clássico: “os deuses enlouquecem aqueles que querem perder”.
David Rodrigues
Professor universitário e presidente da Pró – Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial.
In: Público
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