Muitos pais ficam alarmados quando os seus filhos não aprendem rapidamente a ler ou escrever. E quando na escola os professores comentam "Parece que temos aqui um problema", então o alarme pode transformar-se em drama familiar.
Recorre-se rapidamente a entrevistas com psicólogos, testes, exames médicos, e finalmente aplicam-se planos de reforço ou coadjuvação do ensino. Mas será tudo isto realmente necessário?
A aprendizagem da língua materna e da aritmética são certamente pilares fundamentais da escolaridade. Mas conforme a nossa atual cultura tecnocrata, burocrática e "computocrática" exige cada vez mais uma competência prematura para "legibilidade" em todos os processos da vida, o adestramento literário ganhou um peso desproporcional e doentio no mundo da escolaridade inicial.
As crianças diferem grandemente entre si nas suas habilidades para aprender a ler. Algumas, consideradas minigénios, apresentam-se no seu primeiro dia de aulas prontas para demonstrar a toda a gente que "já sei ler e escrever", enquanto que outras escondem-se envergonhadas por não saberem nem desenhar muito bem um círculo para formar um "O". A aprendizagem da leitura não é nenhum procedimento técnico sistemático, mas sim um processo onde decorrem complexas interações sensoriais e intelectuais. Graças à moderna investigação médica, sabemos agora cada vez mais acerca da complexidade de tudo isso.
Personalidades de renome internacional na área das investigações neurocerebrais, como, por exemplo, Ernst Pöppel e Manfred Spitzer, estão a expor ao mundo a realidade de que o processo de aprender a ler é para uma criança de tenra idade algo profundamente não natural para o seu cérebro. Isto pode explicar em muitos casos aversões irracionais sentidas por alunos ou até mesmo o desastroso abandono precoce da caminhada escolar. Ao longo da evolução, o cérebro humano desenvolveu estruturas que em princípio seriam ideais para aprender a ler. Mas esse mesmo cérebro faz uma declaração aberta de antipatia perante o desafio de aprender a ler na idade infantil! O processo de ler pode mesmo provocar um bloqueio na capacidade de aprender sem esforço, e no prazer de recolher e processar informações. Assim, quando pretendemos auxiliar crianças com dificuldade de leitura, devíamos desde já tomar em conta estas descobertas da moderna investigação neurocerebral.
A capacidade de absorver informações escritas depende acima de tudo da capacidade de concentração. Sem a mesma, qualquer coisa captada pelos olhos em termos de leitura tende a permanecer nebulosa e incompreensível (veja-se o pavoroso analfabetismo funcional que, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD - de 2005, demonstrava que quase metade da população portuguesa não percebe o que lê ou tem dificuldade em entender completamente as informações que recebe). As crianças que não aprenderam previamente a concentrar-se, demonstram na escola uma quase automática dificuldade na aprendizagem da leitura. O filósofo Rudolf Steiner, inaugurador da Pedagogia Waldorf, expressou-se já em 1921 a esse respeito com as seguintes palavras: "Ensinar as crianças a ler e escrever da maneira despreparada que hoje se pratica significa basicamente introduzir as crianças de maneira totalmente artificial a algo que é estranho para elas."
Na Pedagogia Waldorf não há avaliações nem preparações prévias para a aprendizagem escolar, e a escritura é inicialmente aprendida através de um procedimento que envolve muita arte: fazem-se inúmeros exercícios de desenhar e pintar, treina-se a recitação oral e também as habilidades musicais. Ensina-se assim às crianças o escrever primeiramente a partir de uma captação artística das letras, e em seguida passa-se para a leitura a partir da escritura. Este processo baseia-se sobretudo nos exercícios de desenho de formas, durante os quais as crianças aprendem a compreender as nuances presentes em formas livres ou geométricas. A partir disto, elas irão alcançar uma criatividade autónoma para tais processos. A antropologia educacional profunda presente neste procedimento consiste na educação dos sentidos, para mais tarde compreender as formas das letras e saber reproduzi-las.
Que papel terá aqui a desempenhar a musicalidade? A Pedagogia Waldorf desenvolve uma combinação de musicalidade-vocalidade muito específica. Quando uma criança aprende a sentir a sua voz e avaliar o próprio timbre, ela estará mais bem preparada para compreender, no momento certo do seu crescimento, a musicalidade intrínseca das palavras. Muitas crianças não conseguem inicialmente diferenciar perfeitamente as vocalizações de "s" e "f" (como em "sinal" e "final"), mas com o auxílio de exercícios de recitação associados a canto, este e outros tipos de limitações são compensados desde muito cedo.
Numa escola Waldorf, após as crianças aprenderem a desenhar as formas artísticas isoladas das letras, é exercitada intensamente a capacidade de escrever, antes de se passar à leitura daquilo que a própria criança escreveu. No caso de crianças que neste estágio ainda não conseguem ler, o processo fica facilitado por exercícios de escritura de textos que previamente foram aprendidos a vocalizar de cor. A leitura de textos desconhecidos, impressos em livros ou revistas, ou aparelhos eletrónicos, é expressamente deixada para mais tarde. Se pais e professores não se deixarem afligir ou iludir pelo aparente "atraso" de uma criança, as competências em leitura e escritura podem depois serem facilmente alcançadas ao final do 2.º ano de escolaridade, sem esforço e sem a aplicação de intervenções artificiais.
Naturalmente, sempre há crianças que mesmo no final do 2.º ano ainda não dominam a arte da leitura, e que em comparação com outras também são insuficientes quanto à escrita. Geralmente é aqui que o sistema de ensino tradicional começa a designar tudo como uma "insuficiência séria e preocupante". Para a Pedagogia Waldorf, uma habilidade tardia em saber ler é na realidade muito menos grave do que forçar uma aprendizagem prematura da leitura. O procedimento de leitura exige uma aplicação de energias intelectuais. Mas se estas não estiverem já presentes de modo inato na criança, esse esforço deve ser evitado no primeiro seténio (os primeiros sete anos de vida), caso contrário a solicitação reforçada de atividade mental irá enfraquecer a saúde física e o equilíbrio anímico, que são precisamente o fundamento para uma ulterior metamorfose das faculdades mentais.
Há atualmente uma infinidade de métodos e exercícios (desde livros, manuais e baterias, até programas para computadores) para o treino precoce da leitura. Tudo isto baseia-se numa infeliz conceção educacional que reza que as futuras "aptidões" do adulto devem ser exercitadas o mais cedo possível. O desastroso provérbio "É de pequenino que se torce o pepino" demonstra com sabor folclórico a presença desta falácia, até no mais alto escalão do mundo educacional.
Sempre que são roubadas a uma criança energias que ainda não estão presentes congenitamente, a sua constituição física e anímica irá procurar compensar a perda dessas energias apelando a outros recantos da alma. Conforme a moderna ciência começa hoje a confirmar, um treinamento precoce da habilidade de ler pode ter em muitas crianças consequências negativas. Pais e educadores permanecem cegos para esta realidade, porque tais consequências só se irão apresentar num estágio posterior da vida, por exemplo na forma de uma pré-disposição para abstrações, o que por sua vez pode até explicar o aparecimento de estados escleróticos.
Conforme Rudolf Steiner explicou, as energias que tenham sido economizadas devido a uma aprendizagem tardia da leitura poderão inclusive revelar-se como positivas na vida adulta. Numerosas personalidades geniais em todo o mundo possuem na sua biografia um histórico de aprendizagem tardia da leitura e dificuldades com a escrita durante o período escolar. Na Pedagogia Waldorf não se tenta "fazer a relva crescer mais rápido puxando-a". Quando confrontado com uma criança que apresenta desvios da norma quanto à habilidade de ler e escrever, um professor dedica-se antes de mais nada a compreender a totalidade da vida interior e exterior da criança, tanto na escola como no lar. Ele procurará descobrir objetivamente e intuitivamente que peculiaridades ou genialidades estão presentes em estado latente na criança, para ela ser como é. Em muitos casos, encontra-se auxílio numa ocupação artística, ou numa atividade física salutar, após o horário escolar. O efeito destas atividades é em muitos casos imediatamente sentido na escola.
Para alguns educadores e pais, tais atividades extracurriculares podem parecer supérfluas, custosas ou impertinentes. Mas uma observação mais detalhada da prática educacional nas escolas Waldorf (e a Pedagogia Waldorf está agora próxima de celebrar um centenário de existência, com uma interminável expansão por todo o Mundo) demonstrará que nas chamadas "crianças difíceis" está sempre presente algo de extremamente individual, singular e original, algo que pretende expressar-se de algum modo, e que clama por mais atenção do mundo ao seu redor. O professor procurará então sempre que possível proporcionar à criança um espaço protetor na sua classe, e uma adequada atmosfera social no seio da comunidade escolar. Isto não é fácil de realizar, pois geralmente tem que se lutar com coragem contra preconceitos, hábitos empedernidos e falsas propostas científicas carregadas de puro utilitarismo e cegueira quanto à essência do que é um ser humano.
Mas quem se dedica com amor, intensidade e compreensão a esse tipo de crianças terá em pouco tempo a confirmação de que elas possuem, em estado embrionário, energias extraordinárias ou aptidões específicas que serão mais tarde apreciadas pela sociedade. Elas poderão demonstrar, por exemplo, uma capacidade de compaixão maior perante terceiros, uma sensibilidade intuitiva para os pensamentos e sentimentos presentes no seu meio ambiente, e uma expressividade superior em termos de imaginação e fantasia.
In: Educare
Sem comentários:
Enviar um comentário