Nos últimos anos a legislação sobre educação dos alunos com necessidades educativas especiais tem vindo a afastar-se da perspetiva inclusiva para, numa lógica economicista, se centrar na colocação de alunos com determinados tipos de deficiência em escolas e turmas segregadas.
O Decreto-Lei 3/2008, de 7 de janeiro determinou a transformação das escolas de ensino especial em Centros de Recursos para a Inclusão (CRI). Criou as escolas de referência e unidades especializadas, uma forma de segregação “soft”, cujo único objetivo era concentrar recursos para investir menos na educação dos alunos com deficiência.
Além disso, este Diploma limita os apoios educativos aos alunos com limitações significativas e de carácter permanente, o que significa, na prática, que a disponibilização destes apoios visa unicamente os alunos com deficiência e, mesmo no que a estes se refere, apenas aos que tiverem deficiências significativas.
Depois porque cria escolas de referência para a educação bilingue para alunos surdos, escolas de referência para a educação de alunos cegos e com baixa visão, unidades de ensino estruturado para a educação de alunos com perturbações do espectro do autismo e unidades de apoio especializado para a educação de alunos com multideficiência e surdocegueira congénita. Esta medida implica que estas crianças, na sala de aula, apenas conviverão com crianças com a mesma deficiência. O isolamento, como o passado provou, prejudica gravemente as aprendizagens mútuas, o processo de socialização e a futura inclusão na sociedade. A segregação não é, pois, a solução.
A Portaria n.º 275-A/2012, de 11 de novembro determina que os alunos com currículos específicos alternativos que frequentaram o ensino básico passarão a ter cinco horas letivas semanais nas escolas regulares e as restantes 20 horas nos Centros de Recursos para a Inclusão ou IPSS, o que constitui mais um gravíssimo retrocesso no processo de inclusão das crianças e jovens com deficiência na escola regular, que Portugal se comprometeu a implementar.
A presente Portaria volta novamente atrás e faz renascer as escolas de ensino especial. Não pretendendo o Governo dotar as escolas do ensino regular com os meios necessários para que estes alunos possam aí cumprir a escolaridade obrigatória, usa uma forma peculiar que lhe permita afirmar que os alunos com deficiência frequentam a escola regular, muito embora passem a maior parte do seu tempo de aulas na escola segregada.
Em Portugal as políticas educativas não são devidamente pensadas, não têm por base uma análise das condições concretas das escolas e muito menos os interesses dos alunos. Decide-se num determinado sentido e mais tarde volta-se atrás nas decisões. Infelizmente nunca para melhor. Quem paga esta navegação à vista são as crianças e jovens, os pais, os professores, em suma a sociedade em geral.
Passo a passo, Portugal está a regredir a um tempo que julgávamos não poder voltar a existir. Um tempo de exclusão, de segregação, de manter crianças e jovens com deficiência armazenadas, isolando-as do contacto com os seus pares.
Esta lógica de poupança colide com o supremo interesse da criança, que Portugal se comprometeu a fazer prevalecer quando subscreveu a Declaração dos Direitos da Criança e quando ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
A Declaração de Salamanca salienta a importância da prática da inclusão nas escolas regulares, em turmas regulares, como o melhor meio de combate à discriminação, de promoção da eficiência e da otimização de recursos. A inclusão será pois a forma mais avançada de democratização das oportunidades educativas.
A estratégia da inclusão, entendida sob a dimensão curricular, significa que o aluno com necessidades especiais deve fazer parte da classe regular, aprendendo as mesmas coisas que os outros, ainda que de forma diferente e com apoios distintos.
Contrapõe-se à prática tradicional da “educação especial”, que enfatizava os deficits do aluno, assentava numa perspetiva assistencialista e era ministrada em estabelecimentos segregados.
A Associação Portuguesa de Deficientes tem apresentado propostas aos sucessivos governos que visam assegurar aos alunos com necessidades educativas especiais uma educação baseada nos valores da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e condizentes com os princípios orientadores da Declaração de Salamanca, que a seguir se sistematizam:
1. A política de educação inclusiva e de qualidade tem de ser planeada com a participação da comunidade educativa, os pais, as organizações não-governamentais e os peritos, através da partilha de saberes no processo de inclusão;
2. Valorizar o processo de aprendizagem, relevando a interação e aprendizagem mútuas;
3. Diminuir a elevada concentração de alunos por escola, pela influência negativa que tem no processo de inclusão e aprendizagem;
4. Garantir a criação das equipas multidisciplinares;
5. Adaptar os currículos de acordo com os ritmos, capacidades e necessidades dos alunos;
6. Assegurar o investimento na formação inicial e contínua dos professores do ensino regular e dos professores especializados, educadores e auxiliares de educação;
7. Garantir que os alunos com NEE permaneçam na comunidade educativa da sua área de residência, assegurando o apoio centrado na sala de aula.
8. Adotar medidas sistematizadoras e clarificadoras de intervenção educativa precoce tendo como base o apoio à família e a modificação dos ambientes de aprendizagem para que a criança possa beneficiar de uma educação apropriada às suas capacidades e necessidades;
9. Assegurar a autonomia das escolas e dos meios necessários para adaptações permanentes que permitam a inclusão;
10. Apoiar a investigação, recolha, tratamento e divulgação dos dados;
11. Garantir a interação da comunidade educativa e científica.
Associação Portuguesa de Deficientes
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