Luzes, neurónios, ação: foi através da observação desta sequência de acontecimentos que uma equipa de cientistas, com participação portuguesa, conseguiu mostrar que são necessárias duas rotas diferentes de células nervosas para se gerar movimento.
Utilizando uma nova técnica, Rui Costa, neurocientista que trabalha na Fundação Champalimaud, em Lisboa, e colegas, puseram em causa o que se pensava ser a função de cada uma das rotas – defendia-se que uma servia para acionar um determinado movimento, outra para inibir o mesmo movimento. Mas, afinal, o comando para começar uma ação é mais complexo, mostra um estudo publicado nesta quarta-feira na edição online da revista Nature.
O que é uma ação: levantar o braço, caminhar até à casa de banho ou saltar de uma ponte? As três, mas a terceira necessita de um processo mental mais complexo para a tomada de decisão. O tipo de ação que Rui Costa e os colegas do Instituto Nacional do Abuso de Álcool e do Alcoolismo, nos Estados Unidos, estudaram prende-se mais com as duas primeiras. São esses movimentos mais simples que são afetados por doenças do sistema nervoso como a de Parkinson ou a coreia de Huntington.
Essas doenças afetam os gânglios de base, estruturas bem definidas no cérebro compostas por células nervosas que estão abaixo do córtex. Uma das atividades que são levadas a cabo pelos neurónios destas estruturas conduz à tomada de decisão para a iniciação ou não de movimentos mais simples.
Sabia-se que dois circuitos diferentes que partem destes gânglios afetavam esta decisão. Um dos circuitos é direto e o outro tem mais intermediários e, por isso, chama-se indireto. A doença de Parkinson, que é inibidora desses movimentos, e a coreia de Huntington, que provoca movimentos musculares descontrolados, afetam estes dois circuitos. Por isso, teorizou-se que o circuito direto servia para ativar o movimento e o indireto servia para o inibir.
Mas faltava uma observação experimental. “Nunca se conseguiu medir diretamente a atividade destes neurónios”, diz Rui Costa (...). O trabalho, que começou quando Rui Costa ainda estava nos Estados Unidos, ultrapassou esta dificuldade experimental e mostrou que aquela hipótese parece estar errada.
As células nervosas de cada circuito têm identidades diferentes e produzem proteínas únicas. A equipa criou ratinhos que produziam proteínas fluorescentes em cada um dos circuitos. Estas proteínas emitiam mais luminosidade quando os neurónios se ativavam. Com uma pequeníssima fibra ótica instalada no cérebro dos ratinhos e ligada a um contador de fotões, os cientistas conseguiram medir a atividade dos dois circuitos neuronais separadamente.
Depois, puseram os ratinhos a iniciar um movimento e mediram a atividade do circuito direto e do indireto. “Menos de um segundo antes de iniciar o movimento, os dois circuitos ficavam mais ativos, depois iniciava-se o movimento”, conta Rui Costa. “Para iniciar um movimento consciente, é necessário os dois circuitos estarem ativos”, conclui.
Os cientistas não fizeram nenhuma experiência que testasse a atividade dos circuitos quando uma ação era inibida. Só se verificou que, quando os ratinhos se mantinham parados, os dois circuitos estavam menos ativos.
Não se sabe qual a função de cada um dos circuitos. Uma das possibilidades é que, enquanto um circuito está a ativar uma ação, o outro acaba por inibir todas as outras, explica Rui Costa.
Mas estes resultados podem ajudar “a melhorar o tratamento dos sintomas das doenças neuronais”, diz o investigador. “O próximo passo é tentar manipular a atividade destes circuitos, de forma a controlar o movimento.”
Por Nicolau Ferreira
In: Público online
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