sexta-feira, 31 de julho de 2020

Será a Educação o motor da transformação social?

Quando me lançaram este desafio, foram vários os temas que me ocorreram desbravar a propósito da “Educação”, ou melhor, do que podemos construir em conjunto em prol da mesma. O que me levou à reflexão que tenho feito em conjunto com professores, diretores de Escola, auxiliares de educação, alunos, encarregados de educação, psicólogos, presidentes de associações, ONG e colegas de trabalho.

A forma como hoje em dia estamos organizados enquanto sociedade quase que nos impossibilita parar, olhar para nós, e perceber que há muito que deveríamos ter tempo para pensar. Que o trabalho deveria ser uma parte do nosso dia e não o nosso dia.

Que ser somos nós, que não criamos as melhores condições para viver, ou não privilegiamos o pensar em vez do agir de forma autómata? Que ser somos nós, que criamos as “máquinas” e vivemos apavorados com o que elas nos podem fazer, como se fossem oriundas de um planeta distante? Como vemos a tecnologia, a nosso favor ou será o inverso? Ora, se somos nós que a desenvolvemos, a resposta deveria ser fácil, mas vivemos num período de incerteza que nos leva a colocar mais questões em vez de termos respostas.

E isto leva-nos a mais uma pergunta: como podemos pensar num ensino à distância se grande parte dos núcleos familiares está completamente desagregado? Onde está “uma Vila inteira para criar uma criança”? Temos de recriar esta Vila. Está ao nosso alcance enquanto encarregados de educação ou apenas enquanto cidadãos, o dever de transformar a sociedade e sermos nós próprios a criar e a impor regras, especialmente no que se refere aos horários laborais? É incomportável continuar a trabalhar 12 a 18 horas por dia e achar que está tudo bem. Fizemos das escolas “repositórios” de crianças. Algo que já deixámos para trás e que temos de recuperar o quanto antes. Enquanto pais, filhos, profissionais, estudantes, cidadãos.

E a altura só poderia ser esta. Porque o problema que vivemos hoje atinge todas as pessoas de forma indiferenciada, e não nos permite olhar para o lado e fazer de conta que não nos afecta. Parece pois que temos novamente um desafio à Humanidade: a construção de novos modelos sociais, e é neste contexto que faz sentido equacionar o tema da educação. E a sensação é quase avassaladora de que está tudo por fazer. Mas se assim é, temos também a melhor oportunidade de sempre para fazer bem desde o início. Fazer bem obriga a que se construam consensos, e uma tomada de consciência colectiva.

Temos consciência da existência de uma identidade real e virtual? “Mas agora existem dois mundos, claramente distintos, duas entidades completamente e verdadeiramente nos antípodas uma da outra, e a tarefa de os reconciliar de os obrigar a sobreporem-se faz parte das competências que a arte de viver no século XXI exige que adquiramos” (BAUMAN, Zygmunt in Nados Líquidos, Lisboa, Relógio D´Água, 2018).

Daqui se pode percorrer todo um caminho que nos leva à sala de aula. A forma como o digital é integrado na Educação e como estamos a educar e somos educados para esta era digital. As empresas também devem ter um papel nesta transformação da sociedade, que permita formar os trabalhadores em temas como a inclusão e educação, porque isso traduz-se em pais tranquilos que, por sua vez, são colaboradores mais produtivos.

São várias as escolas que percorreram o caminho digital no seu método de ensino e que utilizam a tecnologia para representar tanto no domínio da técnica como da funcionalidade através do desenvolvimento e da utilização de ferramentas no futuro. Muitas escolas já se encontravam totalmente preparadas para esta mudança, e mais escolas ficarão aptas a transformarem a forma como transmitem conhecimento e desenvolvem as competências dos seus alunos neste mundo cada vez mais digital. Nuno Moutinho, Director-Geral da Escola Global, afirmou: “nós estávamos prontos no dia a seguir para começar remotamente”. E esta prontidão e tempo de resposta fez toda a diferença.

Os desafios são diferentes de escola para escola, e de aluno para aluno, e não existem varinhas mágicas que nos digam qual é o método mais eficaz para todos os alunos. Porque o que pode ser eficaz para um, pode não o ser para outro. Existe uma tecnologia que, ao serviço de um bem maior e quando utilizada para acrescentar valor, permite ao professor, após um investimento inicial, sempre necessário em tempo de mudança, exercer o seu papel de ensinar em toda a dimensão.

Porque ao pensarmos a transformação da Educação, temos de equacionar o seu papel à luz da sociedade de hoje. A Educação é, tem de ser, o principal veículo de transformação da sociedade.

A escola como o centro de uma comunidade. A escola como a “Vila para criar uma criança.” Vejo pois a Escola como um local de apoio aos pais, à sociedade em geral. Vejo os professores como uns dos profissionais mais poderosos da nossa actual sociedade.

Este é o desafio de transformação que se coloca a todos nós, em especial aos professores, diretores de Escola, auxiliares de educação, alunos, encarregados de educação, psicólogos, presidentes de associações, ONG e colegas de trabalho.

Sandra Martinho

Education Industry Lead da Microsoft Portugal

Fonte: Observador por indicação de Livresco

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Propostas para promover a educação inclusiva em tempos de coronavírus

Para promover a educação inclusiva, especialmente em tempos de coronavírus, a UNESCO oferece 10 recomendações:
 
1. Compreender a educação de uma forma mais ampla e implementar políticas inclusivas
 
A educação deve incluir todos os estudantes, independentemente da sua identidade, origem ou capacidade, diz a UNESCO. Isto requer mais leis, políticas e práticas neste princípio, que valorizam a diversidade e asseguram a inclusão em todas as áreas e em todas as idades. Deve também ser adotada uma perspetiva inclusiva na preparação dos planos do setor da educação.
 
2. Concentrar o financiamento da educação nos estudantes mais vulneráveis
 
Os governos devem atribuir financiamento para promover um ambiente de aprendizagem inclusivo para todos os estudantes, bem como financiamento específico para acompanhar aqueles que estão atrasados ou que não têm acesso à educação.
 
3. Partilha de competências e recursos dedicados à inclusão
 
A UNESCO observa que os recursos para abordar a diversidade são escassos e concentrados em algumas escolas. Por conseguinte, são necessários mecanismos e incentivos para os transferir para todas as escolas.
 
4. Ter em conta as comunidades e as famílias nas políticas de inclusão
 
Os governos devem abrir espaços para que a comunidade educativa e a sociedade expressem as suas preferências ao desenvolverem políticas de inclusão na educação. As escolas devem também desenvolver o diálogo com os pais sobre a conceção e implementação de práticas escolares inclusivas.
 
5. Estabelecer a cooperação entre diferentes ministérios, sectores e níveis de governo
 
Todos os ministérios que partilham a responsabilidade pela educação inclusiva devem trabalhar em conjunto para definir necessidades, trocar informações e desenvolver programas específicos.
 
6. Deixar espaço para as ONG questionarem e acompanharem a inclusão educacional
 
A UNESCO recomenda que os governos mantenham o diálogo com as ONG de educação para garantir que os seus serviços conduzam à inclusão. Propõe também que os governos permitam que as ONG monitorizem os compromissos governamentais em matéria de educação inclusiva e que defendam os estudantes excluídos.
 
7. Assegurar que os sistemas inclusivos desenvolvam o potencial de cada aprendente
 
As crianças devem aprender com o mesmo currículo que reconhece a diversidade e responde às suas necessidades particulares. Do mesmo modo, as infraestruturas escolares não devem ser exclusivas e o potencial da tecnologia deve ser aproveitado, especialmente em tempos de coronavírus.
 
8. Preparar, capacitar e motivar o pessoal educativo
 
A educação inclusiva deve ser um aspecto central da formação inicial e em serviço de professores. Do mesmo modo, a diversidade do pessoal educativo promove a inclusão.
 
9. Recolha e avaliação de dados sobre e para inclusão educacional
 
Os ministérios da educação devem colaborar com outros para recolher dados populacionais e educativos para analisar o estado da educação inclusiva, avaliá-la e poder planear estratégias de acção.
 
10. Promover o intercâmbio de experiências na inclusão educacional
 
O relatório da UNESCO apela à promoção do intercâmbio de boas práticas na inclusão educacional entre todos os actores educacionais, seja através de redes de professores e plataformas regionais globais

Traduzido com a versão gratuita do tradutor - www.DeepL.com/Translator

Fonte:

Deslizar o dedo pelo ecrã em tenra idade

Um restaurante é muitas vezes um excelente palco da impaciência de uma criança e, enquanto a comida não chega, cabe aos pais a tarefa de colocar “em cima da mesa” distrações. Para Renato Gonçalves e Liliana Nunes, ambos de 37 anos, basta um lápis e uma folha para manterem Rafael distraído. Só uns minutos. O sossego regressa ao improvisarem um teatro com fantoches de dedos, com uma corrida de carrinhos ou com bolinhas de miolo de pão a imitar plasticina. “Chegámos a ouvir comentários e até olhares de reprovação, porque o nosso filho não permanecia quieto nos restaurantes”, desabafa Renato. “As crianças têm os seus tempos e rapidamente deixam de manifestar interesse numa determinada distração”, comenta Liliana.

O casal vive em Lisboa e considera que recorrer à tecnologia é “ir pela via mais fácil”. Foi, pois, excluída até o menino completar dois anos, exceto para videochamadas com os avós maternos residentes em Grândola. A decisão foi baseada em convicções pessoais, mas também no que a experiência profissional lhes ensinou. Renato é programador informático no Aeroporto de Lisboa e sobre os sistemas operativos Android e IOS refere que foram “criados para uma utilização fácil e intuitiva, não deixando muita margem para o pensamento”. Liliana é enfermeira na especialidade de Neuropediatria e aponta malefícios ao nível oftalmológico, sinais de dependência, impacto na socialização e interferência na qualidade do sono. Uma das suas tarefas é administrar vacinas a bebés desde os dois meses e constata que a maioria dos pais utiliza o telemóvel para entreter os filhos. “Há outras formas de distrair”, comenta a mãe de Rafael, que atualmente tem três anos e, em alternativa ao smartphone, brinca com legos, puzzles, ouve histórias, desenha, diverte-se com um balão ou brinca ao ar livre.

Mónica Vasconcelos, neuropediatra no Hospital Pediátrico de Coimbra e presidente da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria, explica que nos primeiros anos de vida o cérebro é sensível a um amplo espectro de experiências – sensoriais, motoras, linguísticas, emocionais, afetivas – essenciais para a evolução da linguagem e das funções cognitivas. Por seu turno, avisa que “o uso de dispositivos eletrónicos pode afetar o desenvolvimento cerebral”, indicando que esses aparelhos “promovem a passividade, desencorajam a criatividade, a flexibilidade do pensamento e prejudicam a aprendizagem ativa, o treino da capacidade de manter a atenção e a destreza motora”.

Para João Guerra, pedopsiquiatra do Departamento de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar do Porto (CHP), a “indisponibilidade de tempo e de calma de muitas famílias e o desejo de ver um sorriso permanente no rosto das suas crianças” contribuiu bastante para o uso do ecrã abaixo dos dois anos. Teve igualmente muita influência o uso massificado e o tempo que os adultos passam em frente a ecrãs. “É um modelo de um comportamento”, diz o pedopsiquiatra, dando exemplos clássicos, de tão repetidos, de bebés e crianças que “têm” de ter um tablet ou um smartphone para comerem ou para andarem de carro.

Não raras vezes Carla Jerónimo vê chegar ao Colégio Peluche, em Cascais, onde trabalha como educadora de infância, “crianças com o telemóvel na mão”. A birra é o desfecho habitual. “Às vezes é difícil acalmar a criança, que tem um misto de emoções, porque teve de largar o que tanto queria e foi contrariada pelo pai ou pela mãe. Mas acaba por esquecer o aparelho e entrar na rotina”, conta a educadora que, cada vez mais, repara em “casos de problemas de socialização, atraso na linguagem ou dificuldade em pegar num lápis”.

O uso exagerado da tecnologia pode prejudicar a coordenação motora (gatinhar, andar, saltar) e a motricidade fina (pegar numa colher ou num lápis) e, mais tarde, causar alterações posturais e problemas visuais, atesta Mónica Vasconcelos. “Deslizando o dedo no ecrã, algumas crianças conseguem empilhar cubos, mas são incapazes de o fazer se lhes dermos verdadeiros cubos”, exemplifica a neuropediatra, frisando que o audiovisual modifica a forma como é recebida a informação. “Nos ecrãs a história é mais rápida, o tempo de concentração é menor, muda-se de cenário muito rapidamente e a atenção está exposta a estímulos fragmentados.”

Se o tempo de ecrã aumenta, automaticamente diminui o período para outras atividades essenciais para a estimulação de áreas cerebrais e aquisição de competências. No futuro, a existência de limitações poderá originar “quadros clínicos como obesidade, dificuldade no sono ou problemas de comportamento”, garante João Guerra, focando a dependência. Por serem excitatórios, alguns conteúdos associam-se à libertação de um neurotransmissor, dopamina, ligado ao prazer e ao desejo de o repetir. “Quando é interrompida essa atividade e a produção de dopamina, naturalmente surgem por vezes reações de grande irritabilidade e descontrolo.”

Teoria esbarra na realidade

Mónica Vasconcelos e João Guerra defendem a restrição por completo de tablets e smartphones antes dos dois anos. É uma recomendação da Academia Americana de Pediatria (AAP) mas “esbarra na realidade”, constata o pedopsiquiatra. Que o diga Teresa Sofia Castro, pós-doutoranda na Universidade Nova de Lisboa, atualmente a desenvolver o projeto longitudinal Famílias iTec (estudo sobre o uso de meios eletrónicos por crianças dos zero aos oito anos) e membro da rede EU Kids Online.

Em 2016, a AAP reconheceu um desajustamento da orientação face ao estilo de vida moderno, até porque os ecrãs conciliam várias funções num mesmo dispositivo. “O distanciamento entre teoria e prática é o que mostra a minha experiência no terreno. As recomendações são aconselhamentos. Como tal, muitas vezes, colidem com a diversidade de cenários e composições familiares”, sustenta a investigadora, que lida com muitas realidades, como a de uma mãe que vive sozinha com o filho e que lhe dá o tablet enquanto se prepara para sair de casa, para garantir que o jovem não corre o risco de se magoar por andar livremente pela casa.

Teresa Sofia Castro, que também tem colaborado na construção de produtos lúdico-pedagógicos dirigidos a famílias e escolas, considera fundamental apoiar as pessoas com informação baseada na evidência e que não “alimente medos ou ansiedades, mas antes privilegie boas práticas”. Diz que cada núcleo familiar “deve ser entendido no seu contexto e sem pré-juízos”. Isto porque “não há fórmulas mágicas nem receitas”. E, se há um forte desenvolvimento tecnológico, também existem “pais digitalmente competentes que combinam e reajustam diferentes estilos de mediação para gerir o uso de ecrãs no contexto familiar”.

Natural do Porto, Teresa tem dois anos e partilha o quarto com a irmã Luísa, três anos mais velha. Numa parede está afixado um acordo familiar com as normas do uso de tecnologias. Assinado por Luísa e pelos pais, Helena Grangeia e Rodrigo Diego, o documento refere que o uso do smartphone não pode exceder os 15 minutos, o equipamento é apenas utilizado em casa, mas nunca antes de dormir, sempre com um adulto por perto, e não pode haver brigas entre as duas manas. “A Teresa ainda não consegue compreender as regras que foram co-construídas com a Luísa. Mas aceita se pedirmos o aparelho, porque passou o tempo estipulado”, afirma Helena, 36 anos, investigadora na área de Psicologia.

O pai das duas irmãs tem 38 anos, é diretor de recursos humanos e conta que Luísa tinha algumas dificuldades para comer. Por indicação de amigos, recorreram a equipamentos eletrónicos e verificaram que o “apetite melhorava” mas, a dada altura, só comia a ver vídeos. “Até que um dia o tablet se partiu. Foi a nossa tábua de salvação.” O uso passou a ser muito mais limitado. Porém, Teresa “nasce já com a Luísa a pedir para ver conteúdos, pelo que teve um acesso mais precoce”, diz a mãe destas irmãs. “Temos a perfeita noção de que o uso de tecnologia pode ser nocivo e, por nós, nem haveria nenhum contacto. Mas uma coisa é o que pensamos, outra o que acontece no dia-a-dia. E, na verdade, é muito difícil evitar o uso completo destes aparelhos.”

Antes dos dois anos, “a negociação não é tanto com as crianças, mas sim dos próprios pais em relação às situações e ao tempo de ecrã que consideram ser ajustado, para garantirem um bom desenvolvimento da criança e uma relação saudável e equilibrada com a tecnologia”, defende Teresa Sofia Castro, que aconselha a visualização de conteúdos adequados à idade e maturidade da criança.

Há pouco mais de um ano, Daniel tinha seis anos quando pegou no tablet, sob o olhar atento dos pais, Elisabete Barros e João Trindade, ambos de 40, para mostrar vídeos do Panda, d’Os Caricas e da Xana Toc Toc ao Miguel, hoje com dois anos. “Nessa altura tinha instaladas no iPhone várias aplicações e músicas para bebés”, comenta a mãe, que faz registos fotográficos dos desenvolvimentos dos filhos para elaborar uma revista para cada um e, de facto, no primeiro número relacionado com o uso de tecnologia, cada um dos irmãos tinha seis meses. “Atualmente, o tablet é partilhado, de forma negociada, respondendo a interesses comuns e individuais.”

Neste lar em Braga, os aparelhos eletrónicos são uma presença banal. A televisão está ligada a maior parte do tempo nos canais Panda ou Disney Júnior, o computador é bastante usado para visualizar fotografias, muitas das quais tiradas pelo Miguel no tablet, no telemóvel ou na máquina fotográfica. “Costumo pesquisar imagens de animais no Google para mostrar ao mais novo. Delira e aprende bastante. Também ouvimos música. Sou investigadora em Tecnologia Educativa no Instituto de Educação da Universidade do Minho e o meu marido é proprietário da Portugaltripsandtours, uma empresa na área do turismo, e as tecnologias são ferramentas essenciais. Estão disponíveis para trabalho e lazer”, declara Elisabete, para quem a preocupação não passa pelo uso precoce mas sim “o desmazelo de deixar que o Miguel use o tablet ou o smartphone horas seguidas ou não observar o que está a visualizar”. Estimula, assim, a realização de atividades como pintura, colagens, jardinagem, culinária ou brincar livremente.

Helena e Rodrigo sublinham a importância de sair à rua com a Teresa e com a Luísa, que brincam imenso juntas. “Temos um parque infantil perto de casa onde andam de bicicleta ou de patins”, diz Rodrigo. Foi a tia materna quem primeiro apresentou as novas tecnologias ao Rafael e depois a avó paterna, após os dois anos. Liliana e Renato começam a pensar na segurança, apesar de ser “um problema para mais tarde”. Para já, o uso é muito controlado. “Vê sobretudo vídeos de construção de legos, que depois reproduz”, menciona Liliana, que acredita na sensibilidade de cada pai ou mãe.

Fonte:

quarta-feira, 29 de julho de 2020

O desafio diário de viver com o autismo

Levanta-se, enérgica, já a disparar a pergunta: “Viram o meu menino?” E o sorriso orgulhoso enche a sala simples, um escritório de trabalho. O menino chama-se David e tem 49 anos. “É muito meiguinho.” A mãe, Ana Maria Gonçalves, não dá sinais dos 72 anos que o tempo lhe pôs às costas. Toda ela despachada. “Ainda há muito para fazer.” Lúcida do seu sofrimento e do de tantos que, como ela, carregam ao peito o peso do testemunho de serem pais de autistas. Antes de lhe vermos o filho, simpático e irrequieto, tinha partilhado hora e meia de conversa com Adalberto Moreira e Luís Filipe Silva, os pais do Luís e do Ricardo. Sem queixumes nem lamentos. A realidade dos dias, confirmam todos, acaba suavizada pela instituição que lhes acolhe os filhos e lhes ampara o desespero das mil perguntas sem resposta. Se não fosse esta casa, garante a fundadora e presidente da APPDA-Norte (Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo), “o meu filho estaria internado numa ala psiquiátrica e eu noutra, porque eu não ia aguentar”.

A história do David começa em Luanda. Muito desejado e amado pelos pais, que já tinham uma menina. Ana Maria recorda que após os três meses de gestação começou logo a achar que algo não estava bem. O bebé nasceria prematuro, num país sem incubadoras e sem saber o que lhe fazer. O pediatra alertou, depois de David sofrer uma paragem cardíaca: “Será uma criança diferente”. Mas estavam todos, mesmo o médico, longe de imaginar o significado desse prenúncio. A criança aprendeu a andar tarde, não falava, houve dúvidas se seria cega e surda, não respondia aos estímulos. Pediam calma à mãe, que apenas queria respostas. Não as encontraria em Luanda, nem em Barcelona, para onde voou com o marido e o filho de dois anos, lá ficando 17 dias internado a fazer exames. Nem as encontraria em Lisboa, numa passagem rápida antes de voltar a uma Angola cada vez mais instável politicamente.

“Os diagnósticos revelavam-se sempre inconclusivos.” O pequeno piorou. Tinha crises constantes. Gritava muito, a toda a hora. Falaram-lhes num neurologista na África do Sul. Não havia hipótese que esta família não explorasse. Até ao momento em que ouviu pela primeira vez a palavra autismo, Ana Maria pensava que o filho poderia ser operado à cabeça “para que lhe reparassem aqueles neuroniozinhos que tinham sido afetados” e que poderiam, em última instância, ser substituídos por outros. “Como uma máquina que põem de novo a funcionar.” Era uma esperança. “Na minha ideia ele ia recuperar. Era uma criança tão bonita e perfeitinha.” Mas não. O médico foi claro: David tinha um atraso psicomotor, comportamento de autismo e epilepsia. E eles ali, especados, perdidos no consultório. Eram os anos 1970. Pouco se conhecia. Ainda assim, pela primeira vez, houve serenidade. “A solução milagrosa que eu procurava não existia, e isso assustou-me. Mas pelo menos sabia o que tinha o meu filho e ia procurar formas de o ajudar.”

A guerra colonial acabou por trazer, definitivamente, a família para o Porto, de onde Ana Maria é natural. Com a medicação da criança quase a terminar, os pais procuraram um pediatra e maneira de trabalhar as capacidades do David. A eles juntou-se uma professora de ensino especial e mais tarde uma neurologista. Bateu à porta do ex-Centro de Saúde Mental Infantil e Juvenil do Porto. Bateu à porta da APPCDM (Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental), em Gaia. “Já reparámos que a senhora não quer arranjar um sítio para depositar o seu filho, quer mesmo ajudá-lo”, disseram-lhe ao fim de uns tempos. A persistência foi tal que todos se mexeram. Certa vez, o telefone de casa tocou: “Temos boas notícias. Sabia que existe uma associação de autismo aqui em Portugal, em Lisboa?” No dia seguinte, Ana Maria fez-se ao caminho. Sentiu-se acolhida e identificada. Havia mais como ela, como o seu filho. A associação de pais que encontrou deu-lhe força para criar um núcleo idêntico a Norte. “Regressei ao Porto entusiasmada com o projeto.” Pôs um anúncio no “Jornal de Notícias”, divulgou o quanto pôde e uns meses depois estava a fundar as bases da APPDA-Norte. “Foi a melhor coisa que nos aconteceu. Porque a nossa preocupação era o futuro do David quando nós faltássemos. Muito embora ele tenha uma irmã, de quem sempre foi próximo, eu pensava que a minha filha não podia ser prejudicada pelo problema do irmão, que tinha direito ao percurso dela. E o David e o seu autismo severo exigiam uma presença constante.”

A união entre pais, irmã, tios e avós foi fundamental. Quando a criança começou a frequentar a instituição, criada em 1982, estava na adolescência, na puberdade, não tardou a manifestar comportamentos próprios da sexualidade. “Foi muito mau. Ainda bem que tivemos a ajuda dos técnicos que aqui trabalhavam.” A teoria e formação dos pedopsiquiatras, dos psicólogos, das educadoras e terapeutas, aliados à experiência das famílias, revelou-se o cocktail certo para os resultados de sucesso que têm obtido ao longo dos anos. “Ainda hoje, esses são os moldes de trabalho que aqui funcionam. Apoiamos o utente. E apoiamos a família. Porque, se o utente está bem, a família está bem.”

O caso do sorridente David contrasta com o de Fátima Martinho, que este mês assassinou o filho autista, Eduardo José, de 17 anos, afogando-o num poço da aldeia de Cabanelas, em Mirandela. A mãe solteira justificou o crime com o “desespero”, pelo facto de ter vivido um autêntico inferno durante os meses de confinamento obrigatório. Alegou que o menor se tornara violento e até que protagonizava episódios de autossatisfação sexual à sua frente. Tudo junto foi demais para uma só pessoa. Os olhos de Ana Maria Gonçalves enchem-se de lágrimas. “Ninguém merece ter uma morte assim. Mas compreendi o desespero e a dor dessa mãe. Compreendia perfeitamente. Estava sozinha, abandonada.” A fundadora da APPDA-Norte, conhecedora dos trâmites e protocolos a que estes casos obedecem, garante haver nesta história “muita coisa que falhou”, o que a deixa zangada. “Se neste momento estou aqui, e se vou estando mais ou menos equilibrada, é porque tenho muito apoio. Se preciso da psiquiatra, ela ouve-me. Se preciso de um psicólogo, tenho. Se não fosse a associação não ia aguentar.” Os punhos cerram-se de dor. “Tenho uma tristeza profunda de ter um filho assim, que está no meu coração, mas cujo problema é grave e exige muito de nós. Se tenho bocadinhos em que estou bem e relaxo é por saber que ele está acompanhado por técnicos excecionais.” E porque a instituição que criou não só ajudou o David como salvou outras crianças e pais de um desespero sem fim. “Para mim estes seres merecem o maior respeito e carinho. Mas não é fácil a família ter disponibilidade física e psíquica se estiver sozinha.”

Atualmente, as 100 vagas na APPDA-Norte estão esgotadas. “Precisamos de crescer, arranjar outro terreno para criar mais residências, a Câmara de Gaia tem ajudado muito, bem como os nossos mecenas.” Porém, há uma enorme lista de espera para as várias valências que mantém a funcionar. Atualmente, a instituição oferece como serviços o Centro de Estudos de Apoio à Criança e à Família (CEACF), o Centro de Atividades Ocupacionais (CAO) e o Lar Residencial, todos comparticipados pelo Estado; e o Centro Local de Intervenção no Desenvolvimento (CliD) e os Grupos para Autonomia e Socialização em Contexto (GASC), onde o Estado não intervém.

O dia do choque

Luís Filipe Silva, 52 anos, vice-presidente da APPDA-Norte, é pai de Ricardo, de nove. Ana Maria chamou-o para a direção, por começar a sentir-se “velhota”. “É preciso sangue novo.” Luís Filipe conhece a associação desde que o seu pequeno tem quatro anos. Começou no CliD, “valência que nos é muito cara e que funciona com grande sacrifício, sem qualquer tipo de ajuda.” Uma espécie de antecâmara do CEACF, cujas vagas estão limitadas pelos apoios estatais. “Não podíamos mandar embora estas crianças na fase em que as famílias mais precisam de orientação.” Agora, o menino está no GASC. O pai paga 180 euros mensais por uma frequência bissemanal. “Um custo muito abaixo do que os privados costumam pedir. E os valores não chegam para pagar as despesas que a associação tem com os técnicos.” Contudo, acabar com este serviço não é hipótese. “Se os pais saem daqui não sabem para onde ir.”

Luís Filipe conhece a sensação. Aliás, ainda a sente. “A minha companheira e eu continuamos desorientados com a notícia de ter um filho autista.”Aconteceu quando o Ricardo tinha dois anos. O menino manifestava características que não encaixavam com as das crianças da sua idade. “Ensinei-lhe os números de 1 a 9 e, de repente, ele sabia o resto. Apanhava palavras durante o dia e à noite soletrava-as. Aprendeu a ler sozinho.” Ao mesmo tempo, mostrava disfuncionalidades básicas que não consegue suprir. Conhece a linguagem, obedece aos comandos, percebe tudo, “só que depois não usa essas capacidades de uma forma social, não consegue construir uma frase”. Nota-se em coisas simples. Todos os dias a mesma pergunta. “Como correu a escola, Ricardo, o que fizeste hoje?” Normalmente, não há resposta. “A gente não entende se ele não consegue assimilar o que perguntamos ou se não consegue fazer uso da memória recente.”

O desafio é permanente. A paciência testada ao limite. O pai recorda bem o dia do choque. Teletransporta-se para o consultório. A pedopsiquiatra de um lado da mesa, os pais do outro. O Ricardo atrás uns metros, a brincar. “A médica ao fim de cinco minutos estava a dizer que o meu filho era autista. Eu nem estava a perceber muito bem como era possível. Foi um misto de emoções. Primeiro, um susto muito grande. Depois alguma esperança de que o diagnóstico fosse básico, apressado.” Não foi. A partir daí, os pais leram, procuraram informação, sorveram tudo o que havia sobre a Perturbação do Espectro do Autismo, caracterizada por dificuldades de interação social e de comunicação verbal e não-verbal, e comportamentos de repetição. Manifestações que variam conforme o grau de gravidade, o nível de desenvolvimento da criança e a sua idade. Prepararam-se para o cenário mais negro. A integração precoce, o acompanhamento na fase inicial e o tentar que a criança adquira capacidades que a ajudem no futuro revelaram-se os objetivos. Desde que Ricardo está na associação, os pais notam francas evoluções. “Antes, tinha crises muito más, durante a noite chorava e ninguém sabia porquê e não havia forma de o sossegar. Uma das coisas que aprendi aqui foram técnicas para que ele se controlasse.” Não só os episódios começaram a acontecer com menos frequência como passaram a ser menos intensos e duradouros. Outro aspeto recompensador de estar a ser acompanhado e estimulado por uma equipa multidisciplinar é a evolução afetiva. Ricardo, como os outros autistas, fugia de beijos e abraços. “Neste momento, quando chego a casa, basta chamar por ele que tenho direito a um beijo. É uma coisa fantástica. Está mais afável, é mais fácil pegar nele ao colo.”

Ainda assim, aquilo que Luís Filipe ouve constantemente é que “quando estes meninos chegam à idade de não conseguirem continuar na escola são fechados em casa e atrofiam completamente.” E põe-se a pensar: “Eu fui pai aos 43 anos, quando este menino tiver 20 eu tenho sessenta e tal. Como será o futuro desta criança?”.

Ana Maria Gonçalves realça a importância da inclusão escolar que se conseguiu nas últimas décadas. Na época em que o seu “menino” era realmente uma criança, “nem sequer era aceite no jardim infantil, mesmo se fosse particular”. Ainda chegou a frequentá-lo durante um ano, mas depois não o quiseram lá mais. “Houve famílias a queixarem-se. O David emitia sons e as crianças imitavam. Os pais pensavam que aquilo era transmissível, como uma doença.” Por sentir na pele a segregação, eleva tudo o que hoje o ensino tem em prática. Todavia, considera ser ainda insuficiente. “Às vezes há pais que se iludem, porque o filho vai estando na escola, mas depois dos 18 anos temos situações dramáticas a baterem-nos à porta. E as respostas de instituições não chegam. Além de serem mal apoiadas.”

Nuno Lobo Antunes, neuropediatra que acompanha crianças e jovens, de Norte a Sul do país, com perturbações do desenvolvimento e comportamento, a maioria com espectro de autismo, hiperatividade ou défice cognitivo, foca um ponto crítico. Ter um filho autista é “um encargo muito pesado em termos financeiros, com médicos, com terapeutas, com escolas, com medicamentos e todos os tipos de tratamentos”. O Estado fornece algumas respostas, “mas as equipas estão bastante fragilizadas, porque têm muitas crianças ou porque lhes faltam técnicos”. Uma lacuna bastante agravada no Interior do país. “Portanto, os pais privam-se de muito para arranjarem terapias no privado.” Como se impede um pai de fazer todos os sacrifícios pelo seu filho? Luís Filipe Silva diz que a preocupação com o futuro é premente. “É preciso fazer tudo para os capacitar, para serem o mais autónomos possível. Para se desenrascarem se, de um momento para o outro, lhes falharmos. Mas a nossa sociedade não tem abertura suficiente, nem maturidade, para captar estes meninos para o mundo do trabalho.”

Aprender muito, sofrer muito

À partida, Luís, 29 anos, não terá problemas em arranjar um emprego. Foi-lhe diagnosticada síndrome de Asperger, uma perturbação do desenvolvimento que se exterioriza em dificuldades significativas nos relacionamentos sociais e na comunicação não verbal, a par de interesses e padrões de comportamento restritos e repetitivos, condição de menor gravidade por apresentar inteligência e linguagem relativamente normais. Adalberto Moreira, o pai, tem quase 65 anos. “O Luís licenciou-se em Engenharia Eletrotécnica, está a terminar o mestrado na área das energias. Vamos lá ver .” Luís, filho único, foi a grande prenda da vida dos pais. “Aprendemos muito com ele e sofremos muito também.”

Em março deste ano, o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças, uma agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, atualizou os dados. A prevalência de pessoas com espectro autista aumentou. Em 2004 era de uma pessoa em 166. Em 2012 passou para uma em 88.Em 2018, uma em 59. E agora é de uma em 54. Nuno Lobo Antunes refere que o número sobe devido ao aumento de diagnósticos e à sensibilidade para o problema, sem cura, que afeta quatro vezes mais os homens do que as mulheres. Na deteção, que por vezes acontece só na idade adulta, os profissionais deparam-se com a inexistência de um marcador biólogico que permita estabelecer o diagnóstico, sobretudo nas formas mais ligeiras de autismo. O problema coloca-se menos em autismos severos, em que as classificações internacionais obedecem a critérios mais claros.

No caso do Luís, o que deu o alerta foi a ausência da fala e a dificuldade em socializar. Quando o pediatra falou em autismo o sangue de Adalberto Moreira gelou. “Aquilo que sabíamos do assunto vinha das imagens, que passavam na televisão, de autistas profundos.” Aos poucos percebeu que o caso não iria ser tão grave. “Foi sempre uma criança muito calma e dava-nos surpresas quase diárias.” Por exemplo, passou quase instantaneamente de não dizer uma palavra para começar a ler, a escrever e falar de forma correta. Ao fim de um mês na 1.ª classe, a professora chamou os pais. “O Luís devia saltar para o 3.º ano.” Não deixaram, queriam que aprendesse a lidar com os pares. “Ele nunca gostou muito do convívio com as crianças da idade dele, preferia sempre os adultos.”

Esse lado intelectual, que os filmes e as séries tanto romanceiam, anda muitas vezes de mãos dadas com um desespero sem fim. “Nunca pensámos totalmente que isto ia correr bem. O Luís era uma criança diferente. É um adulto diferente, tem reações que uma pessoa normal não tem.” Não é fácil para este pai identificar apenas um momento crítico. “O desespero é diário.” Com reações que não entendem, que exasperam. “Por exemplo, ele é incapaz de estar numa sala onde tenha uma televisão apagada. Lá em casa ou a televisão está a dar qualquer coisa ou somos obrigados a cobrir os monitores se estiverem desligados. Não sei porquê, ninguém me explica.” São pequenas coisas que, todas juntas, ao fim de alguns anos, rebentam com a paciência. “Tive muitas noites sem dormir. Com vontade de sair de casa e fazer tudo e mais alguma coisa.” A sorte, garante Adalberto, foi o Luís “ter uma mãe excecional” que a dada altura “optou por viver essencialmente para o filho, ao ponto de nos termos separado. Eu não estava a fazer nada ali.” Essa foi, de resto, “uma das consequências de toda a violência deste processo”. Continuam amigos, mas cada um em sua casa. “Não se culpa o filho, de maneira nenhuma. O Luís nasceu assim, não escolheu ser assim. A intensidade e o desgaste é que podem romper com as outras relações. Eu imagino o que será para outros pais que têm filhos com características mais acentuadas e violentas.”

A taxa de divórcio entre casais com crianças autistas é cinco vezes superior ao resto população, frisa Nuno Lobo Antunes. E por norma o grande encargo cai nas costas das mães. Quando isso acontece, e se tomarmos como exemplo os EUA, cerca de 60% dos homens não pagam a pensão de alimentos. “O que tenho assistido é que cá, muitas mães, de alguma maneira preferem não litigar e assumirem por inteiro as responsabilidades desde que os pais não exerçam pressões.” Isto no tempo em que são jovens e têm trabalho, aguenta-se. “Se ficam desempregadas e o homem desaparece ou emigra, ou declara menos do que verdadeiramente recebe, é um problema. E não é assim tão raro.” O autismo vivido por um casal é difícil, não ter com quem dividir o fardo pode ser insuportável. “Algumas vidas são de verdadeiro inferno porque ninguém fica com as crianças, é uma vida de completa clausura.” Quando os miúdos não dormem, ou dormem mal, “os pais ficam exaustos, cortam com a vida social”. No caso das mulheres que se dedicam por completo aos filhos autistas, Nuno Lobo Antunes constata que “dificilmente arranjam novos companheiros”. E explica: “Não é fácil arranjar um homem que esteja disposto a partilhar essa existência difícil”. Portanto, “até do ponto de vista das relações afetivas e eróticas a vida fica gravemente comprometida”. A alegria de viver desaparece. “Todas dirão que amam o filho profundamente, mas o preço que pagam por isso é muito grande, é de desgaste tremendo.”

O médico recorda a arrepiante história de Mirandela, em que Fátima carregou solitária a cruz que lhe brotou do ventre. Em exílio sentimental total, depois do pai de Eduardo José, Hermenegildo, nunca ter cumprido o acordo de 200 euros mensais e nunca ter aparecido, nem no funeral do jovem. O mesmo pai ausente que agora manifesta intenção de pedir indemnização monetária pelo homicídio. “Deitar um filho ao poço é violento, ninguém pode aceitar. Dito isto, para quem conhece estes casos, o que surpreende é a capacidade de resistência e não o inverso. Esta mãe deve ser julgada pelos seus atos.” Contudo, diz Lobo Antunes sem teatralidade, “existe uma parte de mim que a perdoa. É humanamente compreensível um ato de desespero deste nível”.

terça-feira, 28 de julho de 2020

Handbook para práticas universais de ensino e de aprendizagem


Partilho o documento Handbook para práticas universais de ensino e de aprendizagem. Da introdução consta o seguinte enquadramento.

Os profissionais da educação estão bem cientes de a necessidade de envolver todos os participantes nos seus próprio processo de aprendizagem como uma forma de fazer este conhecimento significativo para os estudantes.

No entanto, esta aspiração não é, por vezes inteiramente realizado quando se interage com os alunos com Necessidades Educativas Especiais (SEN). Em alguns casos, e devido à falta de experiência prévia com as necessidades destes alunos em particular, os profissionais da educação expressaram a necessidade de conceptualizações claras e assistência na criação de material educativo que pode não só ser utilizado pelos alunos do ensino geral, mas também por aqueles que têm estas necessidades especiais.

Este manual é um companheiro dos dois outros manuais (língua inglesa e tecnológica) que também estão disponíveis gratuitamente no website do projecto (En-abilities.eu). O objectivo deste manual educacional é ajudar todos os envolvidos no processo de criação de cursos sociais e educacionais para alunos com Necessidades Educativas Especiais (SEN) a acomodar o seu ensino e resultados a estes potenciais alunos.

Neste manual, mostraremos que as necessidades e razões pelas quais os estudantes com necessidades educativas especiais querem para aprender inglês são os mesmos que nos outros populações. Há várias maneiras de se poder criar um curso a partir do zero para satisfazer estes necessidades. Incluiremos exemplos específicos de problemas que se podem encontrar ao criar cursos de aprendizagem adequados a todo o potencial alunos. Os fundamentos psicológicos e educacionais do processo de aprendizagem serão apresentada e a necessidade de incluir o universal são sublinhados conceitos de concepção desde o início de qualquer curso socioeducativo. Possível alojamentos que podem beneficiar todos os estudantes são também mencionados, fazendo este manual não só uma introdução teórica, mas também uma guia prático de intervenção na criação do Virtual Ambientes de aprendizagem que servem a todos os estudantes independentemente do seu estado.

As equipas académicas e profissionais de todos os parceiros envolvidos nas En-Abilities: Habilitar a educação inclusiva através da tecnologia Projecto co-financiado pelo Programa Erasmus + da União Europeia criaram este manual. Esta produção não teria sido possível sem a ajuda e assistência das instituições parceiras (Universidade de Burgos, Sociedad Española de Asistencia Sociosanitaria, inovações Prometeo de Espanha; FASPER, Universidade de Belgrado, Sérvia; Universidade de Aveiro, Portugal; Universidade da Cidade de Dublin, Irlanda e a Dunarea de Jos, Universidade de Galati da Roménia). No entanto, as contribuições dos profissionais da educação, e dos alunos com NEE que participaram nos testes e na implementação deste curso foram ainda mais importantes. Sem a ajuda de instituições, organizações, profissionais das TIC e da educação, e especialmente todos os participantes como nos têm ajudado a desenvolver o projecto, teria sido impossível escreva este manual para completar o nosso projecto. Muito obrigado pelo vosso apoio e ajuda!

Traduzido com a versão gratuita do tradutor - www.DeepL.com/Translator


Traduzido com a versão gratuita do tradutor - www.DeepL.com/Translator

Pais de alunos com necessidades específicas preocupados com regresso

Numa ação promovida pela Federação Nacional de Professores (Fenprof), em colaboração com a Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes (CNOD) e a Associação Portuguesa de Deficientes, cerca de 20 pessoas juntaram-se à porta do Ministério da Educação para denunciar a falta de condições necessárias para apoiar estes alunos no próximo ano letivo.

Mafalda Santos, mãe de uma criança com autismo, considerou que as orientações emitidas pela tutela são insuficientes e, se não forem revistas, não transmitem aos pais a confiança necessária para o regresso às escolas.

Entre as principais dificuldades, Mafalda Santos referiu a falta de recursos e de profissionais para assegurar o acompanhamento personalizado dos alunos, o elevado número de alunos por sala de aula.

Também Susana Oliveira, mãe de um jovem com epilepsia, admitiu estar apreensiva com o regresso em setembro.

“É muito importante voltarem para a escola, mas em condições. E a segurança, neste momento, é um bocadinho escassa”, lamentou Susana Oliveira, considerando que as orientações do ministério transmitem falta de conhecimento sobre as dificuldades destes alunos.

Segundo as duas mães, a falta de recursos é um problema antigo no ensino inclusivo, mas no contexto atual da pandemia da covid-19, e depois de mais de três meses a serem acompanhados à distância, a situação destes alunos torna-se mais urgente.

Durante o protesto, as preocupações das famílias foram acompanhadas pelos representantes dos professores e para o secretário-geral da Fenprof as crianças com necessidades educativas especiais foram as mais prejudicadas pelo ensino à distância e são também aquelas que precisam de um maior reforço de condições no regresso, em setembro.

“Se as condições que as escolas têm para dar resposta à generalidade dos alunos já são deficientes, então quando falamos em alunos com necessidades educativas especiais que têm de ter respostas acrescidas e condições de segurança sanitária reforçadas, nós percebemos que isso não está a acontecer”, sublinhou Mário Nogueira.

Desde que foram conhecidas as orientações do Ministério da Educação para o próximo ano letivo, a Fenprof tem sido uma voz crítica, denunciando o que considera serem condições de segurança precárias.

No caso concreto dos alunos com necessidades educativas especiais, o dirigente sindical refere, por exemplo, a necessidade de outro tipo de equipamentos de proteção individual, de contratar mais docentes e mais assistentes operacionais e de reduzir o número de alunos por turma. 

“Esses alunos terão de regressar ao ensino presencial, o que é necessário para que eles regressem é um reforço efetivo de recursos”, afirmou Mário Nogueira, considerando que, neste caso, as próprias escolas são quem melhor conhece as necessidades em cada caso.

Este ano, Mafalda Santos optou por retirar a filha do ensino regular e inscrevê-la numa escola direcionada para o ensino especial. “Vão ser cinco alunos por sala, com dois professores e dois auxiliares”, comentou, comparado com a realidade das escolas públicas.

Fonte: Visão

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Concurso internacional de fotografia "A inclusão na diversidade"

Portugal é hoje uma sociedade com pessoas de diversas origens mas o aumento do racismo e da xenofobia, a par do crescimento dos movimentos de extrema-direita são uma ameaça à diversidade e ao diálogo intercultural no seio da sociedade portuguesa, na Europa e no resto do mundo.

O European Social Survey aponta que Portugal é o país europeu que mais acredita que há raças ou grupos étnicos que nasceram menos inteligentes e trabalhadores. Esta ideia de racismo biológico é defendida por 52,9% da população portuguesa. Além disso, no último eurobarómetro sobre o tema, 67% dos portugueses inquiridos consideram que a discriminação com base na origem étnica está enraizada na sociedade.

Apesar de todos os antecedentes desfavoráveis as comunidades ciganas têm conseguido preservar os costumes, as crenças e as instituições comuns que fazem parte da sua cultura, mas as desigualdades e a discriminação de que são alvo são visíveis em todos os indicadores, desde a procura de emprego até à educação, passando pela habitação e acesso a cuidados de saúde.

“A equipa da Plural&Singular e do Núcleo de Inclusão não pode, simplesmente, assistir à apropriação discriminatória da informação para continuar a alimentar estereótipos negativos e não fazer nada. É nesse sentido que se pretende aproveitar a visibilidade do concurso de fotografia para alertar para estas questões. Esta já é a ‘missão’ desta iniciativa, mas em cada ano queremos reforçar sempre mais essa intenção de defesa da igualdade de direitos e de oportunidades e da promoção da paz”, refere a organização do concurso.

O concurso internacional de fotografia “A inclusão na diversidade” promove a equidade e a igualdade de oportunidades e, sete anos depois do lançamento desta iniciativa, a revista digital Plural&Singular, gerida pelo Núcleo de Inclusão, Comunicação e Media, decidiu convidar Maria Gil para júri com o intuito de chamar a atenção para a interseção entre dois eixos de opressão: a etnia e o género.

“Foram seis edições a dirigir convites a pessoas para integrarem o painel de jurados sempre ligadas às questões da inclusão na deficiência. O ano passado já focámos um pouco as questões de género na deficiência, mas este ano era imperativo ajudar a desconstruir os estereótipos e preconceitos negativos que muitas pessoas, algumas até assumindo-os publicamente, manifestam em relação às comunidades ciganas. A Maria Gil é um dos rostos desse ativismo e nada melhor do que nos juntarmos a quem melhor conhece as opressões existentes”, explica a organização em relação à escolha da jurada em 2020.

Maria Gil é mulher e cigana – tendo em consideração a conotação negativa da palavra prefere usar o termo roma. Vive no Porto, é mãe de quatro filhos, atriz e ativista dos direitos humanos.

Enquanto ativista tem participado em palestras, debates, sessões de esclarecimento e ações de sensibilização na luta pela dignidade dos portugueses ciganos mas também participa em ações de solidariedade em prol da comunidade em geral.

Maria Gil responsabiliza, em parte, os media e os jornalistas por serem “perpetuadores da injustiça e desigualdade” de que as comunidades ciganas são alvo, mas por outro lado considera que o teatro que tem vindo a fazer é uma “excelente ferramenta para dar voz à invisibilidade”, mas também entende que a fotografia tem o poder de ajudar a desconstruir os estereótipos e preconceitos negativos existentes.

“Fazemos parte da sociedade, somos portugueses ciganos com características específicas. O que me interessa a mim é que a comunidade geral comece a dar ouvidos às nossas reivindicações, principalmente, enquanto mulheres portuguesas ciganas”, conclui.

A ativista vai juntar o olhar “amador” na avaliação das fotografias, como vem sendo habitual, ao olhar técnico dos dois especialistas que completam o trio de jurados: Sónia Silva, em representação do Centro Português de Fotografia, nomeada presidente do júri, e o fotojornalista do jornal Público, Paulo Pimenta.

De resto, tudo permanece igual. O Centro Português de Fotografia (CPF), continua a ser o parceiro principal desta iniciativa e o local que acolhe a exposição dos vencedores.
Este concurso de fotografia, em 2020, continua à procura da "inclusão na diversidade" e desafia tanto fotógrafos amadores como profissionais a participar, se quiseram também com exemplares de exclusão, apontando o dedo à discriminação que ainda teima em existir quer nas questões que digam respeito à deficiência, como também ao género, à orientação sexual, religião, raça e etnia, idade, enfim qualquer questão que dê lugar a atos discriminatórios associados às ‘diferenças’.

Outros dos propósitos desta iniciativa é assinalar o aniversário da Plural&Singular e o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, ambos comemorados a 3 de dezembro.
A Plural&Singular volta a lançar um repto a todas as entidades e instituições para participarem e darem a conhecer os projetos que poderão estar por trás das imagens que candidatam. Mais do que ganhar, o objetivo é contribuir para o registo da Inclusão na Diversidade, participando…

Embora esteja patente no regulamento, nota para o facto das fotografias serem avaliadas com base nos seguintes critérios: adequação ao tema do concurso; originalidade; criatividade; composição e podem concorrer todos os fotógrafos, amadores e profissionais, crianças e adolescentes, jovens, adultos e idosos, a título individual ou em representação de alguma entidade.

Em 2014, naquela que foi a edição de arranque do “A Inclusão na Diversidade” estiveram a concurso 61 fotografias, tendo o CPF registado a visita de 3.802 pessoas à exposição que resultou desta iniciativa. Em 2015 estiveram 85 fotografias a concurso e a exposição recebeu 5684 visitas. Na 3.ª edição do concurso de fotografia “A inclusão na diversidade”, em 2016, a participação superou as expetativas da organização: contabilizaram-se 144 imagens candidatas, um número que ultrapassa as duas edições anteriores e 3.901 pessoas visitaram a exposição do CPF. Na edição de 2017 o concurso recebeu 107 fotografias, metade das candidaturas eram internacionais e a exposição no CPF recebeu 6.542 visitantes. Em 2018 o concurso recebeu 149 fotografias, o artigo de lançamento desta edição do concurso teve 16460 visualizações e a exposição no CPF recebeu X visitantes. O ano passado contabilizaram-se uma centena de fotografias e X visitar à exposição patente no CPF.

Por último, sublinhar que os vencedores do concurso são anunciados publicamente com o lançamento da 25.ª edição da revista digital Plural&Singular durante a manhã do dia 3 de dezembro e numa cerimónia a realizar na parte da tarde no Centro Português de Fotografia, no Porto.

O concurso internacional de fotografia “A inclusão na diversidade” está de volta para celebrar a inclusão, a equidade e a igualdade de direitos e oportunidades numa sociedade caracterizada pela diversidade. Participe! As candidaturas podem ser entregues por correio ou por email até 15 de outubro.
Mais informações através do email geral@pluralesingular.pt ou pelo telefone 913077505

DOCUMENTOS DISPONÍVEIS PARA DESCARREGAR:







domingo, 26 de julho de 2020

Nestas escolas "as aulas não são uma seca" e os alunos definem o que aprender

Atravessa-se um simples portão metálico e a melancolia do bairro social da Bela Vista, em Setúbal, dá lugar a um pátio fervilhante de crianças e adolescentes, enfeitado com estátuas de borboletas feitas pelos alunos de Artes a partir da chapa de velhos automóveis. No interior da escola do 2.º, 3.º ciclo e secundário Ordem de Santiago não há parede onde não estejam penduradas outras obras de arte. Nem painel onde não se vejam cartazes anunciando uma miríade de clubes das diversas áreas disciplinares, eventos culturais e desportivos.

Um professor acaba de desenhar a cara estilizada de Fernando Pessoa, a caneta de feltro, numa das paredes de vidro da biblioteca. "É para promover a iniciativa de poesia", explica. "Todos os dias acontece alguma coisa diferente. Isto não é uma escola", sentencia o diretor, Pedro Florêncio, "é um centro cultural onde se dá aulas".

A flexibilidade curricular implementada pelo Ministério da Educação, que permite gerir livremente 25% da carga curricular, foi para esta escola sobretudo "um instrumento que veio dar suporte e enquadramento" à aplicação de uma filosofia que já existia, e que passa por dar mundo - ou cidadania, para usar o termo educativo - a quem dificilmente o teria por outras vias.

Avaliação com "carácter formativo"

Não se trata de prescindir de transmitir conteúdos dos programas, esclarece o diretor, antes fazê-lo através de uma linguagem adaptada aos estudantes, com a qual estes se reconheçam. "Quando digo que é um centro cultural, é porque muitas vezes olhamos para a escola e não a concebemos como um centro educativo, mas como um espaço onde os alunos estão bem e aprendem. Temos muitas atividades, convidamos muitas pessoas para cá virem falar, muitas vezes os alunos passam mais tempo fora da sala de aula do que lá dentro", ​​​​​​​explica.

"Diariamente, temos turmas a terem aulas de Matemática, por exemplo, num auditório de pedra que temos fora da escola, com aprendizagens num contexto diferente, em que os conteúdos são aplicados a coisas que eles conhecem." A avaliação, defende, "tem um carácter formativo", e é esse que a escola privilegia também na altura de classificar, preferindo a avaliação contínua e os trabalhos em grupo, por exemplo, aos testes escritos. Se tentassem replicar métodos mais tradicionais, garante, "não teríamos hipóteses".

No 1.º ciclo, Vera Macedo, uma professora, dinamizou um projeto chamado Entre Serras, feito em parceria com escolas de Monchique, em que os alunos apresentaram a serra da Arrábida, ficando a saber mais sobre a serra algarvia. Ana Paula Gonçalves, coordenadora do 1.º ciclo, conta que, ao verem imagens da Arrábida, alguns estudantes da Bela Vista perguntaram "em que país ficava aquele sítio tão bonito". Nunca lá tinham ido. "Nem sabiam que existia." A partir daquele exemplo, os alunos não só ficaram a saber mais sobre a própria terra como foram convocados a adquirir conhecimentos, de História, Matemática, Geografia, que de outra forma dificilmente lhes despertariam interesse.

Encontrar respostas num palco

Enquanto assistimos a um exercício de movimento poético livre de uma turma do 11.º ano da coordenadora do curso profissional de Artes do Palco, Ana Estevães, num dos átrios interiores da escola, reparamos numa adolescente, aparentando uns 15 anos, que também observa a apresentação. À sua frente tem um carrinho, com o seu bebé. É uma súbita chamada à realidade do bairro.

Todos os anos há "dois ou três casos" destes no agrupamento. E a forma que a escola encontrou de confrontar a situação foi conceber um conjunto de sketches, para os alunos de Teatro apresentarem aos colegas, onde eram feitas afirmações assumidamente ridículas como: "Da primeira vez nunca se engravida." Depois, a plateia foi desafiada a comentar aquilo a que se tinha assistido. E, como seria de prever, acabou a confrontar-se com a falta de conhecimento, e a desejar saber mais.

Ana Estevães orgulha-se de poder dizer que praticamente todos os que terminaram o curso de Artes do Espetáculo "estão a trabalhar em companhias de teatro". Mas orgulha-se mais do percurso que fizeram. Antes, conta, eram "alunos com muito baixa autoestima, falta de assiduidade, comportamentos muito irregulares, desajustados. Vê-los a terminar este caminho de três anos, a duração do curso, é deslumbrante para quem os viu crescer desta maneira. O teatro é também crescimento interior".

"Escolas que são mais dos brancos"

Sandro, aluno do 11.º ano, será um deles. Emigrou para Londres há dois anos, passou por situações difíceis em termos pessoais, mas, assim que voltou ao país, pediu à professora para regressar ao curso. Conseguiu. "Não voltei só para acabar o 12.º ano. Voltei porque gosto do curso, gosto da escola, gosto da professora. Eu ao início tinha muitos problemas de dicção, de voz. A professora Ana ajudou-me. Mas não só. No Alemão também senti muito apoio das minhas professoras. Aqui estou satisfeito", resume.

"Aqui temos diferentes etnias. Ciganos, a etnia africana e os brancos. Há outras escolas que são mais dos brancos. Aqui envolvemo-nos todos e isso é muito bom", diz Micaela, da mesma turma. "Os professores ajudam-nos muito. Há outras escolas, em que andei, onde os professores são muito rigorosos. Aqui, como sabem que alguns têm dificuldades, e também temos alunos com necessidades especiais nesta escola, eles ajudam-nos muito."

O desporto escolar é outro dos motores da escola. Em cima da secretária, Pedro Florêncio tem pousado o troféu de mérito de Desporto Escolar dado ao agrupamento, pelo terceiro consecutivo. É mais uma distinção. E já se vão habituando. Mas convém ter sempre presente o ponto de partida. Quando chegou à escola, em 2009, nas reuniões com diretores de outros agrupamentos, "ninguém" lhe perguntava pelos resultados escolares. A escola estava sempre "entre as três piores do país" nos rankings. Já não está.

"Quando um aluno reprova, tem tendência a tornar-se um líder pela negativa"

Apostar em abordagens pedagógicas diferentes não é uma fórmula reservada a escolas de contextos mais difíceis. A uma dezena de quilómetros, mas a uma grande distância em termos de nível económico e, sobretudo, de habilitações literárias das famílias, a Escola Básica 2, 3 de Azeitão, cujo projeto educativo tem por base a educação para a cidadania, tem uma filosofia própria, em que favorece a colaboração, o trabalho por temas e o respeito pelas ideias - ouvidas através de assembleias de alunos - pelos diferentes ritmos dos estudantes.

"Desde 2015-16, só temos retenções em final de ciclo, nos 4.º, 6.º e 9.º anos", ilustra a diretora, Clara Félix. "Cada aluno tem o seu ritmo e, se não consegue agora, pode vir a consegui-lo mais à frente. Não quer dizer que o aluno possa ter quatro, cinco negativas e passa", esclarece. "Significa que quando o aluno tem dificuldades tentamos superá-las com ele."

Esta abordagem, explica, não ajuda apenas os estudantes em dificuldades, mas a escola como um todo. "Quando um aluno se sente retratado como um aluno que reprova, deixa de acreditar e de investir na escola e, como é mais velho do que os colegas, tem tendência a tornar-se um líder pela negativa."

Numa sala com as mesas dispostas em "U", a professora Sofia Milheiro, de Português, conduz mais uma Oficina do Saber para a turma do 8.º F. A ajudá-la está Carla Santos, professora de Matemática. Todas as turmas passam parte do seu tempo letivo nestas atividades, em que os alunos são desafiados a trabalhar em torno de um tema, definindo o próprio rumo do seu trabalho.

O tema de todo o agrupamento, para este ano letivo, é "a volta ao mundo". E aquela turma em concreto decidiu estudar "o nosso lugar no mundo". Para a "aula", as professoras levaram cinco histórias verídicas, a primeira delas sobre os desafios enfrentados por Ismat, uma rapariga de 14 anos do Bangladesh, para ter acesso aos mesmos direitos que lhes são garantidos a eles.

Organizados em pequenos grupos, os alunos são desafiados a pôr-se na pele da rapariga, quase da mesma idade, e a procurar soluções para os desafios que esta enfrenta. Rapidamente começam os debates, com as professoras a deslocarem-se de grupo em grupo. Alguns temas evoluem para projetos principais das turmas que, no final do ano, são apresentados a toda a escola.

"Aquilo que estamos a fazer é reinventar uma sala de aula", diz Sofia Malheiro, defendendo que aquelas aulas exigem mais esforço - e não menos - quer por parte dos professores, nomeadamente na planificação, quer dos alunos. "É tornar os alunos mais responsáveis, mais autónomos, mais motivados", diz. "Nós queremos ter os nossos alunos motivados e tentamos através destas salas de oficina, em que são eles que nos dizem em que querem trabalhar - orientados, naturalmente, porque temos o perfil do aluno e as aprendizagens de cada disciplina."

"São novas formas de aprender, não são tão secantes"

Na oficina, conta, cruzam-se competências de Português, como a leitura, com a Matemática e as Ciências, "nomeadamente o tema da sustentabilidade, que estão a estudar, em "aspetos como a poluição, as alterações climáticas o uso da água". Os estudantes aprovam a fórmula.

"Os professores explicam muito bem a matéria, são simpáticos. Mas é claro que é necessário ter regras na sala de aula", explica Débora. "Às vezes quebramos as regras e os professores chateiam-se." "É normal", é um stôr", completa Dinis. "Mas nesta escola os professores tratam-nos a todos da mesma forma, não têm uns de que gostam mais e menos. E ando a gostar mais destas aulas de grupo, porque são mais desenvolvidas. São coisas mais interessantes e novas formas de aprender. Não são tão secantes."

Clara Félix conta que, entre as famílias, houve quem estranhasse as abordagens da escola, que incluem a quase ausência de testes para efeitos de atribuição das notas finais de período. Mas o facto de o agrupamento ter bons resultados quando os alunos são chamados a fazer avaliações externas ajudou a convencer os mais céticos. A flexibilidade curricular, à qual a escola aderiu logo no ano passado, foi também "uma ajuda" para enquadrar algumas práticas. Mas estas já estavam enraizadas há bastante tempo. "O nosso projeto-piloto é de 2005 e é muito influenciado pela ideia da escola para o século XXI de Jacques Delors."

Fonte: DN

sábado, 25 de julho de 2020

Abandono escolar em Portugal continua a recuar mas ainda está acima da média europeia

Em 2019, a média do abandono precoce da educação e formação (em percentagem da população com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos) entre os 27 Estados-membros da União Europeia foi de 10,2%, numa descida de 0,9 pontos percentuais face à última leitura realizada em 2014, segundo os dados do Eurostat, divulgados esta terça-feira.

A análise do gabinete de estatística da UE, no âmbito do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 4) ‘Educação de qualidade’, mostra que em Portugal, em 2020, esta percentagem, é de 10,6%, sendo de destacar que tem, desde 2014, percorrido uma trajetória descendente. Em 2014, esta percentagem era de 17,4%.

Em Portugal, em 2020, em matéria de formação de adultos (dos 25 aos 64 anos) a média europeia é de 10,5%; em termos de ensino superior 36,2% terminam a sua formação e ainda que 80,3% da população com ensino superior conseguiu entrar para o mercado de trabalho.

Ainda sobre os 27, os números mostram que em matéria de formação de adultos (dos 25 aos 64 anos) a média europeia é de 10,8%; que em termos de ensino superior 40,3% terminam a sua formação e ainda que 80,9% da população com ensino superior conseguiu entrar para o mercado de trabalho.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 4) ‘Educação de qualidade’ procura garantir o acesso a uma educação eqüitativa e de qualidade em todas as etapas da vida. Além das qualificações formais, o ODS 4 também visa aumentar o número de jovens e adultos com habilidades relevantes para emprego, empregos decentes e empreendedorismo.

Numa economia cada vez mais globalizada e baseada no conhecimento, a União Europeia precisa de uma força de trabalho qualificada e qualificada para competir em termos de produtividade, qualidade e inovação. A educação também reforça nosso desenvolvimento pessoal.

Fonte: Executive Digest por indicação de Livresco

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Bastonário dos psicólogos prevê que 2020 seja um ano pior a nível de saúde mental no trabalho

O bastonário dos Psicólogos acredita que a pandemia de Covid-19 vai fazer de 2020 um ano pior em termos de problemas de saúde mental no trabalho, que em 2019 custou 3,2 mil milhões de euros às empresas portuguesas.

“Os custos de 2020 podem ser piores, mas é muito cedo para fazermos afirmações conclusivas. O que podemos saber é que, na generalidade dos casos, as más práticas não tendem a ficar melhores por causa do teletrabalho. Até porque, na maior parte dos casos, não é teletrabalho, estamos a falar de trabalho à distância com dificuldade de conciliação com a vida pessoal e familiar”, previu Francisco Miranda Rodrigues, em declarações à Lusa.

O psicólogo justificou esta opinião dizendo que o teletrabalho “não foi pensado e planeado”, nem houve “formação e estratégia” que permitisse “pensar numa organização de trabalho diferente”.

As previsões foram feitas no seguimento do lançamento do relatório da Ordem dos Psicólogos Portugueses, publicado hoje, acerca do “custo do stress e dos problemas de saúde psicológica no trabalho, em Portugal”, com base em vários estudos, e que além do custo de 3,2 mil milhões de euros às empresas portuguesas, estimou que por cada euro investido em planos de intervenção haja “um retorno de nove euros”.

Ainda sobre os possíveis números de 2020, o psicólogo sublinhou que é preciso “ter cautela nas conclusões”, porque há poucos dados disponíveis, mas referiu que “por muito que haja pessoas que tenham beneficiado do trabalho à distância e aumentaram a produtividade, também terão existido outras em que a produtividade caiu e as contas são difíceis de saber”.

“Diria que, por regra, uma má prática que exista em termos de liderança não passa a ser boa porque passa a haver trabalho à distancia. As contas sobre os diferentes impactos são difíceis de fazer e os dados preliminares não apontam, e eu não apostaria nisso, em que isto [pandemia] tenha ajudado a melhorar as condições e o bem-estar das pessoas no trabalho”, afirmou.

Miranda Rodrigues sublinhou que “é imperativo” que as empresas portuguesas apostem na saúde psicológica, já que o recurso vital do país são as pessoas e no qual deve ser apostado “através de uma boa educação, formação e desenvolvimento”, já que algumas competências mais procuradas hoje em dia passam pelo “trabalho de equipa e comunicação e gestão emocional”.

“Logo, um país em que o principal recurso são as pessoas deve apostar muto mais neste desenvolvimento e na prevenção para que as pessoas estejam em condições para desempenhar funções. E prevenção porque significa reduzir os impactos negativos e custos. Num país que não é rico, isso torna-se ainda mais determinante. Uma das questões essenciais é que queremos criar mais riqueza, mas desperdiçamos mais riqueza por não termos um investimento numa cultura de prevenção e desenvolvimento das pessoas [ao nível da saúde mental]”, sublinhou.

O bastonário destacou ainda a diferença no perfil dos portugueses quando foi necessária uma “reação adaptativa improvisada face a uma mensagem simples” – a de ficar em casa durante o confinamento –, mas muito mais difícil quando exigiu “planeamento e mensagens complexas, implicando gestão de risco, criando mais dificuldades, devido aos recursos e competências que as pessoas não têm”, neste caso referindo-se à baixa literacia no que toca à saúde mental.

“Saúde mental não é igual a doença mental. O que estamos a falar aqui é mais abrangente e não estamos a falar só do impacto na saúde, mas quando se fala na prevenção estamos a falar de trabalhar com pessoas que estão bem, mas que, estando perfeitamente bem, se desenvolverem melhor as competências de trabalho em equipa, capacidade de autorregulação e gestão emocional, vão estar mais preparadas para não sofrerem perturbações em situações de crise e maior ‘stress’”, explicou.

Tendo em conta a crise que estamos a atravessar, a situação fica ainda mais agravada devido às alterações nas dinâmicas laborais, ou seja, o país devia “apostar em tudo o que possa ajudar na adaptação, reduzir sofrimentos e custos e aumentar a eficiência das organizações”, uma dimensão que, ligada ao comportamento das pessoas, “é crítica”.

“Não podemos passar o tempo a dizer que o que é importante são as pessoas e que os comportamentos são essenciais para o desempenho dos negócios e depois não apostar neles. Continua-se a não olhar para as pessoas e para o que é a qualidade de tomada de decisão, isto continua a ficar escondido. É necessário uma intervenção a este nível que garanta, de forma igual, que toda a gente [empresas] tenha de cumprir um mínimo”, defendeu.

Segundo Miranda Rodrigues, é necessário um “trabalho a prazo”, que o “poder político tem dificuldade em assumir”, porque “não consegue demonstrar o retorno disso no ciclo político normal”, e não um “trabalho de resultados imediatos”, porque o problema não vai ser resolvido “com comprimidos e medidas que parecem bem na fotografia”.

“O país está a pagar – e temos exemplos muito presentes na comunicação social – estar a olhar sempre para isto no imediato e há exemplos atrás de exemplos. Temos de passar ao olhar de forma mais planeada, preparar o futuro e pensar na próxima geração com o altruísmo necessário, com o que muitas vezes é chamado de uma visão mais estadista por parte de quem decide e lidera o pais”, finalizou.

Fonte: Jornal Económico por indicação de Livresco

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Alunos até ao 6.º ano, com deficiência ou em risco são os que mais precisam de estar na escola

Os alunos mais novos, com mais carências, portadores de deficiência ou em risco de maus-tratos são os que a covid-19 confirmou que mais precisam de uma escola presencial, indicou o secretário de Estado Adjunto e da Educação, nesta quarta-feira, durante a sessão de abertura do 5.º Encontro dos Professores do Ensino Português no Estrangeiro.

João Costa insistiu que para estes “grupos específicos de alunos a escola não pode deixar de ser presencial porque, por vezes, não há família por trás para apoiar”. Esta foi uma das várias lições do confinamento imposto pela luta contra a covid-19, frisou. E que estão agora espelhadas nas orientações para o regresso às aulas divulgadas no início de Julho. 

Nestas orientações define-se que os “alunos até ao final do 2.º ciclo [5.º e 6.º ano de escolaridade] e aqueles a quem não seja possível assegurar o acompanhamento pelos professores quando se encontrem em regime não presencial” terão prioridade na “frequência das aulas presenciais”. Também se precisa que, mesmo nos casos que seja necessário passar a uma regime misto (aulas na escola e à distância) ou não presencial, as actividades no âmbito destas modalidades de ensino serão “efectuadas na própria escola para os alunos: beneficiários da acção social escolar identificados pela escola; em risco ou perigo sinalizados pelas comissões de protecção de crianças e jovens; para os quais a escola considere ineficaz a aplicação dos regimes misto e não presencial.”

“O ensino presencial deve ser a regra para todos, mas ainda mais para estes alunos”, sublinhou também o ministro da Educação durante uma audição na comissão parlamentar da Educação esta terça-feira. Esta presença em ambiente escolar deverá ser garantida “sempre que as condições sanitárias o permitam, mas estes alunos serão os últimos a não estar na escola”, ressalvo Tiago Brandão Rodrigues. 

Nesta quarta-feira, João Costa destacou que além do papel da escola e da educação enquanto factor crucial para levar conhecimento às crianças, jovens e adultos, a pandemia fez sobressair a sua “função social”. E recordou que a escola é, “muitas vezes, um primeiro filtro para detectar situações de solidão, negligência, maus-tratos ou o espaço onde se come a única refeição do dia”.

Distanciamento físico

“Termos uma escola à distância é uma escola que compromete todas estas funções”, referiu. O secretário de Estado admitiu que o próximo ano lectivo será “provavelmente mais difícil do que este”. "É um ano normal num contexto de anormalidade, é um ano em que se aprende, mas também é um ano que se aprende recuperando, é um ano em que estamos a lidar com a escola sede de conhecimento, mas também escola sede de bem-estar”, considerou. E alertou ainda que “uma das facturas desta pandemia é a instabilidade emocional, a factura na saúde mental”.

Durante a audição na comissão parlamentar, Tiago Brandão Rodrigues desvalorizou a questão do distanciamento físico entre alunos e professores, lembrando que as escolas vão funcionar com circuitos separados e “bolhas” de alunos. 

De acordo com as orientações da Direcção-Geral da Saúde enviadas às escolas, deve ser garantido “sempre que possível” um afastamento de um metro. Alguns deputados lembraram o alerta deixado pelos directores escolares segundo os quais há estabelecimentos de ensino onde será impossível cumprir esse metro de distância. O ministro anunciou que serão distribuídas máscaras e outros equipamentos de protecção individual às escolas para o regresso às aulas em Setembro, cujo uso será obrigatório.

“O Ministério da Educação vai providenciar essas máscaras e outros equipamentos de protecção individual para que [as escolas] estejam mais bem preparadas”, assegurou Tiago Brandão Rodrigues.

Fonte: Público