domingo, 24 de maio de 2015

As famílias e a doença mental

O jornal PÚBLICO de 16 de maio dá-nos conta de uma entrevista com Joaquina Castelão, a presidente da FamiliarMente — Federação Portuguesa das Associações das Famílias de Pessoas com Experiência de Doença Mental, que acaba de ser constituída.

Nesse relato, Joaquina Castelão fala da sua experiência pessoal de acompanhamento de um familiar e revela as vicissitudes dessa ajuda, que outros familiares por certo confirmam. Diz-nos: “Há a pessoa que tem o problema e a família que tem de o resolver.”

A FamiliarMente integra 11 associações de todo o país e pretende “a implementação plena dos cuidados continuados integrados de saúde mental” que, infelizmente, continua a faltar. É por essa razão que muitos doentes não continuam o seu tratamento, muitas vezes iniciado de forma correcta nos serviços de internamento onde, no entanto, continuam a faltar recursos humanos e a escassear as diversidades de tratamentos que se sabe serem eficazes. Joaquina Castelão defende um maior contacto entre os familiares e os técnicos e uma abordagem psicoeducativa que ligue os familiares à equipa de tratamento, o que não existe em muitos casos.

A experiência das famílias com um membro com perturbação mental grave, de natureza crónica, tem sido descrita nos últimos anos como uma sobrecarga ou um fardo (family burden). Em várias doenças mentais graves, como por exemplo na esquizofrenia e na doença bipolar, a família é um auxiliar decisivo no tratamento, porque os doentes não têm autonomia nem qualquer discernimento sobre a necessidade de terapêutica. Torna-se assim crucial reconhecer as capacidades de cada família para essa tarefa de cuidar e potenciar a sua capacidade de resposta.

O fardo familiar pode ser objetivo ou subjetivo e ambos são muito importantes. No primeiro caso, existem tarefas necessárias ao tratamento da doença mental do familiar em causa, como o acompanhamento às consultas, a ligação aos serviços de reabilitação, a procura de eventuais apoios financeiros e a gestão de cuidados no dia-a-dia do doente. Por exemplo, no caso da esquizofrenia e da doença bipolar, a paragem da medicação pode precipitar uma crise que leve ao internamento, pelo que a vigilância familiar tem de ser constante sem, todavia, levar a momentos de crítica e hostilidade, por sua vez motivo de agravamento da perturbação. O fardo subjetivo diz respeito ao conjunto de sentimentos que a família vivencia a partir do momento em que reconhece que o seu familiar sofre de uma doença mental crónica, tomando consciência de que o seu comportamento desajustado não é passageiro ou apenas resultado de uma crise existencial transitória. Em muitos casos, a tomada de consciência da família provoca sentimentos de culpa, porque os familiares do doente sentem que não fizeram tudo o que está ao seu alcance para evitar a perturbação. Noutras situações, há como que um processo de luto, porque a família compreende que muitos sonhos e expectativas face ao seu familiar podem ser interrompidos (ou mesmo cessar) pela cronicidade e gravidade da doença. Esta situação pode levar a um progressivo isolamento do agregado familiar.

É também importante que os técnicos tenham mais conhecimento da importância do trabalho com as famílias, porque muitos deles continuam a trabalhar numa óptica muito individual, esquecendo como o envolvimento e ajuda à família devem constituir um objetivo fundamental da intervenção terapêutica.

Daniel Sampaio

Fonte: Público

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