Há alunos com necessidades educativas especiais que transitam de ciclo sem diagnóstico e o devido acompanhamento. Intervenção com sucesso pode assim ficar comprometida.
Uma professora do Ensino Secundário confessava que tinha um aluno com dislexia, sem qualquer indicação anterior referente a esse problema. O assunto conduziu a um debate acerca dos diagnósticos que são feitos tardiamente e sobre a falta de recursos para estudantes mais velhos e com necessidades educativas especiais. A lei entretanto sofreu alterações e a comunidade educativa não quer fechar os olhos a uma realidade que tem as suas especificidades.
Graça Oliveira, coordenadora de educação especial num agrupamento escolar, adianta que ainda hoje é bastante comum confundirem-se dificuldades de aprendizagem e necessidades educativas especiais. Não se compreendem as diferenças, torna-se difícil estabelecer fronteiras. Um aluno com necessidades educativas especiais tem de passar por uma avaliação pedagógica e por outras etapas que envolvem o olhar atento de vários técnicos. A responsável lembra, por outro lado, que o decreto-lei da educação especial sofreu mudanças que, sublinha, "vieram a filtrar muito mais os casos" que seguem para esse tipo de ensino. "Reduziu ainda mais os casos elegíveis para a educação especial", concretiza. E exemplifica: "Os casos de dislexia e hiperactividade só são elegíveis para a educação especial quando são mesmo muito graves".
Mesmo assim, não se compreende a chegada de um aluno com dislexia ao Secundário sem o respectivo diagnóstico, depois de ter passado por vários professores e níveis de ensino. "Até porque os casos de dislexia já estão muito divulgados." No entanto, convém lembrar que há vários "graus deste tipo de problema". Há uns mais detectáveis do que outros. Graça Oliveira refere ainda que "há rótulos que, de todo, se pretendem evitar para permitir a inclusão plena no ensino regular".
"Quando o aluno tem outros tipos de dificuldades, a escola tem de lhe arranjar outras ajudas, que não a educação especial, para colmatar esses problemas e para que avance no seu percurso educativo", sustenta a coordenadora. E os alunos têm condições especiais, consoante as suas dificuldades, nomeadamente mais tempo para realizar uma prova. Seja como for, as dificuldades devem estar previstas no programa educativo individual de cada estudante.
"Os professores não estão preparados para proceder a esse tipo de diagnóstico de necessidades educativas especiais", afirma a psicóloga Paula Monteiro, que acompanha pais na resolução de variadas problemáticas. E, por vezes, há situações que se confundem e os problemas são atribuídos à falta de estudo, à falta de organização dos estudantes. E como não há uma devida preparação, há casos que transitam de ciclo sem o devido acompanhamento e crianças que ficam com a auto-estima fragilizada. Segundo Paula Monteiro, as intervenções com sucesso podem mesmo ficar comprometidas.
Em seu entender, os pais deviam estar mais informados e, por consequência, em alerta sobre as questões das necessidades educativas especiais. E, além disso, deveria bater-se à porta dos psicólogos quando fosse detectado um problema. Sempre que a situação o justificasse. "A própria organização mental dos rapazes e das raparigas é diferente. A maioria dos professores são mulheres que explicam mais em texto do que em esquemas". As meninas percebem melhor quando as explicações são dadas em texto e os meninos em esquemas.
O modelo de abordagem da criança, o seu desenvolvimento e dimensão escolar do decreto-lei referente à educação especial são mais complexos do que à primeira vista possa parecer. E exige uma leitura em várias dimensões, que não apenas a escolar e a educativa. Catarina Agante, psicóloga do serviço de Psicologia e Orientação do Agrupamento de Miragaia, ficou satisfeita quando verificou que o conceito de deficiência quase desapareceu por completo desse documento, sendo substituído pelas várias dimensões de funcionalidade do ser humano. "Essa leitura pareceu-me muito próxima da forma como a criança deverá ser vista em contexto escolar, pois a soma das partes é sempre diferente do somatório das mesmas."
A vertente médica e os instrumentos de classificação entraram em campo e os técnicos que fazem a intervenção têm de estar preparados. No entanto, Catarina Agante considera que há aspectos que não tiveram a devida atenção. "Parece-me que neste evoluir da aplicação de um novo modelo, começamos a verificar que há realmente situações que não foram consideradas de forma adequada." As perturbações específicas de aprendizagem da leitura estão, em seu entender, nessa lista.
Na sua opinião, essa é apenas uma das situações que ficaram esquecidas pela linha de avaliação imposta. "E que obriga a que haja afectação de mais do que uma das áreas de funcionalidade da criança e ou adolescente." Uma afectação que terá de ser grave para que possa preencher os critérios de elegibilidade. "Assim sendo, a dislexia, afectando essencialmente e de forma mais evidente a capacidade de escrita, à luz desta grelha não será considerada", repara. "Não pela falta de instrumentos de avaliação, de recursos humanos, técnicos ou outros, apenas porque a grelha de leitura é fina e define critérios de integração e exclusão", acrescenta.
Catarina Agante defende que cada caso deve ser tratado na sua essência, sem modelos comparativos, porque, na sua visão, "o desenvolvimento não é comparável - apenas teremos de ter referências sistemáticas a questões normativas". Apesar de tudo, não é comum detectar dislexia já depois do 3.º ciclo. "O Ensino Secundário é mais um dos graus de ensino em que esta nova grelha deixou algumas situações excluídas, que deverão ser reportadas aos técnicos para que, com rigor, haja a aplicação de instrumentos de adequação pedagógica que contemplem processos e programas educativos", refere.
Sara R. Oliveira
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