Há um par de semanas foi noticiado que os professores do Ensino Superior se queixam da imaturidade crescente dos jovens e, coisa inaudita, da interferência dos pais na vida académica dos filhos, com interpelações aos docentes e às instituições. Algo nunca visto! É preciso acautelar que nos referimos a tendências no seio de uma população estudantil muito heterogénea. Não são, porém, tendências surpreendentes para os educadores de infância e professores dos ensinos Básico e Secundário, que há várias décadas vêm observando, através da sua relação quotidiana com os encarregados de educação, as crianças e os alunos, alterações importantes na vida das comunidades e das famílias com que trabalham.
A brincadeira livre e o convívio na rua e na comunidade desapareceram das vivências das crianças e dos jovens, que têm hoje existências hiper-reguladas pelos adultos. Com isto foi-se perdendo a exposição ao risco, o confronto com as adversidades, a cultura de negociação com o outro, a capacidade de adaptação, a confiança para ultrapassar desafios, entre outros aspetos que são fundamentais numa educação dos mais novos, que os torne jovens adultos autónomos, confiantes e expeditos na resolução dos seus próprios problemas. Junta-se a esta mudança social a penetração maciça das tecnologias digitais na vida quotidiana. Não obstante os seus enormes benefícios, a verdade é que sem a adequada supervisão, tendem a promover o isolamento, a alienação e o sedentarismo, com todos os seus malefícios.
Para este cenário têm contribuído - e os docentes sabem-no bem - as próprias famílias que, em vez de promoverem o distanciamento e abrirem espaços de autonomia, tendem cada vez mais a cercar os filhos numa cultura de hiper-regulação, que sufoca o desenvolvimento das crianças e dos jovens. A preocupação de tudo proporcionar, de tirar todos os obstáculos da frente, a insegurança e o medo de que algo aconteça, promovem, sobretudo nos novos pais escolarizados das classes médias, uma cultura de superproteção adulta que, a prazo, mais não fará do que criar jovens adultos imaturos, inseguros, dependentes e egoístas.
Estas tendências - que agora chegaram ao Ensino Superior - são mais preocupantes do que à primeira vista possa parecer, porque, ao fim e ao cabo, relacionam-se, muito para além do indivíduo, com a construção da nossa vida em comunidade, da nossa vida nas instituições, enfim, com a construção sociocultural do nosso modo de vida democrático. Vários académicos, de entre os quais se tem destacado a voz do professor Carlos Neto, têm alertado para a urgência de inverter este caminho.
As soluções são naturalmente complexas. Mas, mais uma vez, da mesma maneira que foram os primeiros a verificar estas mudanças no terreno e as suas consequências, os educadores e professores podem dar um importante contributo para intervertê-las, através das parcerias escola-família-comunidade. Ao fazê-lo estarão também a criar as condições políticas para uma discussão urgente: a de uma nova visão de conciliação entre a família e o trabalho, que crie as bases para uma nova cultura de transição entre a escola, a família e a comunidade.
Pedro Patacho
Fonte: DN por indicação de Livresco
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