sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Ler em papel ainda mantém a dianteira

Quanto ao debate sobre se o suporte de leitura — em papel ou em ecrã — afeta a compreensão do leitor, os dados são ainda insuficientes. Meta-análises recentes – com a maioria a usar computadores como dispositivos de leitura – identificaram o «efeito de inferioridade do ecrã», indicando que, quando se lê em papel, compreende-se ligeiramente melhor aquilo que se lê. E se se utilizassem tablets e outros aparelhos móveis?

Para explorar esta questão, cinco investigadores — Ladislao Salmerón, Lidia Altamura, Pablo Delgado, Anastasia Karagiorgi e Cristina Vargas — conceberam um estudo que se realizou em duas grandes etapas.

Os investigadores começaram por fazer uma revisão da literatura quer sobre a associação entre dispositivos móveis (sobretudo tablets) e a compreensão e aprendizagem, quer sobre potenciais fatores moderadores do «efeito de inferioridade do ecrã» — especificamente, características referentes ao leitor, ao texto, à atividade e ao contexto —, com base no referencial da leitura para a compreensão.

A seguir, efetuaram duas meta-análises para estudar apenas os dados empíricos sobre as diferenças na compreensão da leitura em dispositivos móveis (tablets ou e-readers) e em papel. A amostra incluiu 49 estudos, publicados ou apresentados de 2010 a 2021 — 30 com delineamento entre participantes e 19 com delineamento intraparticipantes. Ou seja, nos 30 estudos do primeiro caso, comparam-se pessoas que leem em papel com pessoas que leem em ecrã, nos 19 estudos do segundo caso, compara-se a mesma pessoa lendo num suporte e lendo noutro. Com base nos fatores identificados através da revisão narrativa (leitor, atividade, texto e contexto), recolheram-se informações relevantes passíveis de explicar a variabilidade do «efeito de inferioridade do ecrã» em dispositivos móveis.

Os resultados destas duas meta-análises mostraram, de modo consistente, um significativo efeito, embora de pequena dimensão, indicando que a compreensão do texto é ligeiramente melhor quando se lê em papel. As análises dos fatores moderadores ajudaram a esclarecer parcialmente os resultados. Registou-se, em alguns casos, um maior «efeito de inferioridade do ecrã» entre estudantes universitários (em comparação com os dos ensinos básico e secundário), dados que corroboram meta-análises anteriores, e entre os que foram avaliados individualmente (versus em grupo). Contudo, este efeito identificado para os dispositivos móveis é cerca de metade do valor encontrado em sínteses anteriores que estudaram mormente comparações entre papel e computador.

Contrariando meta-análises prévias, a ausência de influência do género de texto — expositivo versus narrativo — foi a descoberta mais inesperada, sugerindo que o esforço cognitivo dos leitores com dispositivos móveis esteja mais próximo do da leitura em papel. As duas meta-análises também mostraram que tablets e e-readers são dispositivos de leitura equivalentes na compreensão de texto, o que vai ao encontro de estudos anteriores. Já contrariamente às expectativas, a velocidade de leitura não influenciou o «efeito de inferioridade do ecrã», talvez porque os dispositivos móveis parecem ser mais adequados do que os computadores a uma compreensão de leitura aprofundada. Não obstante, há que interpretar os dados com cautela, uma vez que as pequenas amostras da maioria das investigações em análise geram preocupações de representatividade e limitam generalizações.

Assim, embora os dispositivos móveis pareçam oferecer uma experiência de leitura mais próxima dos livros em papel do que os computadores, afetam negativamente a compreensão. Daí que se discuta a necessidade de continuar a promover a leitura impressa nas escolas enquanto se desenvolvem formas eficazes de integrar dispositivos móveis no ensino desta competência.

Bibliografia

Salmerón, L., Altamura, L., Delgado, P., Karagiorgi, A., & Vargas, C. (2023). Reading comprehension on handheld devices versus on paper: A narrative review and meta-analysis of the medium effect and its moderators. Journal of Educational Psychology. https://doi.org/10.1037/edu0000830

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