"Tenho uma aluna autista na minha direção de turma que deveria ter apoio em sala de aula de um docente de Educação Especial, mas só teve uma aula com esse apoio desde o início do ano. A menina precisa muito desse apoio e o prejuízo para a sua aprendizagem é incalculável. A aluna já teve esse apoio no ano letivo passado e apresentou uma grande evolução. Este ano, regrediu substancialmente."
O relato é feito ao DN por uma professora de 2º ciclo que não quis identificar-se por temer represálias. A docente afirma tratar-se de uma situação recorrente nas escolas e que se prende com a falta de professores de Educação Especial, bem como técnicos especializados. Uma escassez de especialistas que é confirmada por Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP). "O Ensino Especial é o parente pobre da Educação", sublinha. O responsável lamenta fazer "o mesmo pedido de reforço de recursos humanos", todos os anos, ao Ministério da Educação, mas sem sucesso. "Todos os anos dizemos isto, que precisamos de mais professores de Ensino Especial e de técnicos especializados, como terapeutas. Muitas vezes, são as autarquias que ajudam, mas é obrigação da tutela. É necessário maior investimento nesta área", explica.
Filinto Lima adianta ainda que os apoios aos alunos são feitos, muitas vezes, por professores do ensino regular, uma forma de fazer "omeletes sem ovos". Diz, por isso, ser necessário "aumentar a qualidade a nível da Educação Especial", até porque "há cada vez mais alunos sinalizados". "Não posso dizer que estes alunos estão abandonados, mas podemos aumentar a qualidade do atendimento com mais recursos", defende. Para o diretor da ANDAEP, o problema agrava-se, pois "trata-se de alunos que foram fortemente prejudicados na pandemia". Não avançando com dados concretos, Filinto Lima afirma haver "um número considerável de alunos sem os apoios necessários".
Considerável é, também", "o número de docentes e técnicos em falta nas escolas". "Se falar com dez diretores, os dez vão dizer que precisam de recursos humanos. Mais professores e mais técnicos especializados, como terapeutas e psicólogos. O problema pode ainda agravar-se por termos cada vez mais alunos sinalizados para Educação Especial", conclui.
Os alunos que mais sofrem
Paulo Guinote, professor de História do 2º ciclo, acredita ser a falta de técnicos especializados o problema mais grave no âmbito da Educação Especial. "Precisamos de terapeutas para situações como a terapia da fala ou terapias de ordem emocional, e somos obrigados a trabalhar com os meios que temos e com o "jeito" que as pessoas têm, porque não temos técnicos suficientes. Temos um psicólogo para mais de 1500 alunos na maior parte das escolas do país e não temos mediadores para dar apoios às famílias", sublinha.
O docente explica que, mesmo quando os alunos têm apoio em contexto de sala de aula, esse apoio não tem continuidade no exterior. "O maior problema é que muitas famílias não têm meios para ir a clínicas privadas para fazer terapias. Tenho alunos com consultas de pedopsiquiatria de seis em seis meses. As terapias acarretam despesas que muitas famílias não conseguem suportar e, em sala de aula, há muito trabalho a fazer e que não é viável quando temos mais 20 e tal alunos em sala", explica.
Para Paulo Guinote, são os alunos com necessidade de acompanhamento de proximidade os que mais sofrem. "Alunos com dislexia grave, autismo, problemas de visão ou audição, por exemplo, precisam de terapias que não passam apenas por adaptações curriculares. Precisam de um apoio extra e não há recursos humanos disponíveis", sustenta. Alerta para as soluções de recurso que as escolas empregam, face à escassez de técnicos. "Miúdos com Síndrome de Asperger ou autistas precisam de acompanhamento de proximidade e, muitas vezes, isso é feito por auxiliares de ação educativa", conclui.
Quase 80 mil precisam de ajuda
Segundo o relatório mais recente sobre a "realidade do Apoio à Aprendizagem e à Inclusão", da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), publicado em junho de 2022, existiam, em 2021, 78 268 crianças inscritas na Educação Pré-Escolar e alunos matriculados nos ensinos Básico ou Secundário para os quais foram mobilizadas medidas seletivas e/ou adicionais de apoio à aprendizagem e à inclusão, no âmbito dos respetivos Relatórios Técnico-Pedagógicos (RTP).
Desses, 95% integram medidas seletivas de suporte à aprendizagem e à inclusão, como a antecipação e reforço das aprendizagens, apoio psicopedagógico e adaptações curriculares não-significativas. Há ainda 21% de alunos com necessidade de medidas adicionais, que passam pelo apoio para o desenvolvimento de autonomia pessoal e social e adaptações curriculares significativas (o que pode implicar todo um currículo escolar diferenciado). Estes alunos sinalizados passam cerca de 60% do tempo de aulas integrados nas suas turmas.
O mesmo relatório refere que, de entre os 78 268 Relatórios Técnico-Pedagógicos, foi identificada a necessidade de intervenção de 56 866 apoios especializados, realçando a importância dos apoios de Psicologia (39,2% dos relatórios), Terapia da Fala (34,7%) e Terapia Ocupacional (13,8%).
Ainda segundo a DGEEC, no ano letivo 2020/2021, 7122 docentes desempenhavam funções específicas de apoio à aprendizagem e à inclusão. No que se refere aos técnicos especializados eram, no mesmo ano letivo, 634 psicólogos, 366 terapeutas da fala, 137 terapeutas ocupacionais, 91 intérpretes de língua gestual e 61 fisioterapeutas. Números que, segundo dirigentes escolares e docentes, ficam muito aquém das necessidades.
Fonte: DN por indicação de Livresco
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