Posso não mudar todas as mentalidades, mas se conseguir mudar uma ou duas já causa efeito". Nuno de Carvalho Mata é utilizador de cadeira de rodas e "dá visibilidade à causa" da falta de acessibilidade que se faz sentir pelos caminhos de Portugal, através das redes sociais.
Recentemente, enquanto passeava pela Baixa de Lisboa, Nuno viu-se numa situação de impotência: não conseguia entrar em praticamente nenhuma loja. Assim, partilhou a história com os seus seguidores, tendo em vista alertar as autarquias e levá-las a tomar uma decisão face às dificuldades de muitos cidadãos com mobilidade reduzida.
Em conversa (...), Nuno Mata explica que "Lisboa não é uma cidade muito acessível. Dá para andar de cadeira de rodas na rua apenas nas partes mais planas". Porém, "o maior problema é o acesso aos estabelecimentos, tais como lojas, restaurantes e cafés... a maior parte não cumpre as leis de acessibilidade", revela.
No entanto, esta não é uma adversidade específica da cidade de Lisboa, mas sim "um problema transversal no nosso país", aponta.
Nuno alerta que "todos somos potenciais deficientes e podemos ter um acidente que nos muda a vida". Assim, é necessário que a sociedade tenha mais consciência e empatia pelas pessoas com dificuldades motoras. "Além disso, somos um país com uma população bastante envelhecida, onde muitos têm dificuldade em aceder a certos sítios", diz.
Resolver estes problemas é urgente e, segundo Nuno Mata, para se criarem soluções "tem que se começar na base". "As escolas de arquitetura e engenharia têm de acordar para este problema", admite. "Semanalmente abrem estabelecimentos novos em Lisboa... muitos fizeram obras e continuam sem as condições de acessibilidade. Tanto no Terreiro do Paço como na Baixa-Chiado, fazem-se constantemente obras e as lojas continuam na mesma", frisa.
Assim, considera que "as Câmaras Municipais deviam dar incentivos fiscais para os estabelecimentos se adaptarem". Contudo, isto não chega: "Os responsáveis deviam receber realmente as pessoas com necessidades e perceber o que está a correr mal. Deviam vir ao terreno e entender quais são as necessidades das pessoas com mobilidade reduzida. Por mais pequenas que sejam as atitudes, os pormenores fazem uma grande diferença".
As dificuldades das pessoas com mobilidade reduzida são diárias e um ato tão simples como visitar uma loja ou restaurante pode tornar-se um pesadelo. "Em 70% dos casos uma simples rampa resolvia o problema. Para a maior parte das pessoas, cinco centímetros não é nada, mas para alguém como eu isso pode ser um obstáculo ou um muro", sublinha.
Através da Associação Nuno Mata, pretende alertar para situações do quotidiano em que se evidenciem os (muitos) problemas das pessoas com dificuldades motoras. E mais recentemente, nas redes sociais, tem sido motivo de conversa, com os seus testemunhos que surpreendem os mais distraídos.
Outra associação, a Salvador, tem como missão auxiliar pessoas com mobilidade reduzida. Entre os vários pedidos de ajuda diários, Joana Gorgueira, gestora de projeto na área das acessibilidades da associação, conta que "hoje em dia ainda não existe uma rua completamente acessível em Portugal".
"É impossível sair à rua sem encontrar um obstáculo. Por muito que uma pessoa com deficiência planeie o seu percurso, haverá sempre dificuldades... quer seja uma passadeira mal rebaixada ou a falta de acesso ao interior dos estabelecimentos", informa.
Tendo em conta as dificuldades que se sentem na cidade de Lisboa, Joana acredita que "sendo a capital, deveria dar o exemplo neste tipo de situações". Logo, "tem que existir um bom plano de acessibilidades com áreas específicas de execução. Isto é, temos que pensar as cidades para toda a gente e planeá-las bem. Além disso, uma fiscalização ativa, e não só por consequência de uma reclamação, tem de existir. Tanto em espaços públicos como também em estabelecimentos privados, é essencial acontecer uma mudança".
Mais importante do que isto, "tem que haver uma mudança de mentalidades da sociedade em geral. As pessoas têm que começar a pensar: se tiver a possibilidade de tornar um espaço acessível, mesmo que a lei não o obrigue, porque não pensar nesse cenário?".
Joana e Nuno destacam ainda as dificuldades sentidas pelas pessoas de acessibilidade reduzida na calçada portuguesa e alertam para testemunhos de discriminação em transportes públicos - nomeadamente em autocarros e comboios e nos TVDE. "Parece estranho uma pessoa ser discriminada desta maneira, mas ainda acontece", reconhece Joana.
Apesar de terem sido feitos esforços nos últimos anos para melhorar a acessibilidade, todos concordam que duas coisas são certas: "ainda existe um longo percurso a ser feito" e "Portugal não é um país inclusivo para as pessoas com mobilidade reduzida".
Fonte: DN
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