sexta-feira, 26 de agosto de 2022

MentoRoma, onde as crianças ciganas "também têm direito a sonhar"

De longos cabelos escuros, Tati, como gosta de ser chamada, chega com o irmão Carlos.

Os dois, de 10 e 8 anos, são os únicos a comparecer na última sessão de Agosto do projecto MentoRoma, da Cruz Vermelha na Amadora. Destinado às crianças e jovens dos 8 aos 19 anos de famílias da comunidade cigana, que recebem o Rendimento Social de Inserção, o MentoRoma promove encontros com mentores, que possam inspirar e responder às dúvidas dos mais novos. A ideia partiu da assistente social Vera Nobre, que confessa alguma tristeza, porque "muitos não têm qualquer ambição a nível profissional. Sentimos a necessidade de estimular esse sonho, (para) perceberem, através destes testemunhos, que tudo é possível. Basta quererem e por serem da comunidade cigana, não estão excluídos deste mundo, também têm direito a sonhar".

A dar os primeiros passos, o projecto tem enfrentado algumas dificuldades. Das 30 crianças e jovens convidados, muitos têm faltado às sessões, por desinteresse ou dificuldade na deslocação. Entre os que aparecem, "são muito envergonhados", descreve João Eduardo Tavares, um dos coordenadores do MentoRoma, que nota "muito absentismo. Temos situações habitacionais precárias, sem condições para o estudo. Não sabem o que é estudar, gostar de estudar, e o nosso objectivo é criar essas condições e plantar uma semente dentro deles, para que surja essa vontade".
Tati garante que gosta de "ler, escrever, estudar e desenhar". A menina cigana, de 10 anos, sonha ser cantora, bailarina ou artista. "Vou fazer até ao 12.º ano", mas admite, "nem sei como é a universidade". O irmão Carlos não esconde a perplexidade, "o que é isso?", pergunta quando ouve a palavra universidade. O menino, de 8 anos, sonha ser polícia, mas em alternativa, escolhe a profissão de pastor, porque a mãe não o quer na polícia e "tenho de obedecer", afirma conformado.

"A maior parte dos nossos jovens não conclui o 9.º ano", lamenta João Eduardo Tavares, mas com uma duração de 10 anos, o projecto MentoRoma sonha que ao longo deste tempo, "algum jovem consiga ingressar na universidade".

Nas primeiras sessões, já foram detectados alguns problemas: um jovem a necessitar de terapia da fala e outro, de 15 anos, que não sabe ler nem escrever, apesar de se encontrar no 8.º ano de escolaridade. "Ficámos abismados, como é que é possível? Como é que se passa invisível?", questiona João Eduardo, garantindo que já foi encontrada uma solução para ajudar o jovem a aprender as primeiras letras.

Para tentar ultrapassar a barreira das deslocações, em Dezembro, o projecto Mentor Roma irá ao encontro da comunidade cigana, na Brandoa, no concelho da Amadora, com duas sessões interactivas. No próximo ano, as actividades vão ainda envolver os pais das crianças e jovens da comunidade cigana. Para dar asas ao sonho.

Fonte: TSF

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