quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Que adaptações curriculares garantem mais equidade nas escolas?

Que adaptações podem ser feitas aos currículos de modo a garantir mais equidade nas escolas? Vários países e parceiros da OCDE já fazem disposições curriculares especiais para certos grupos de alunos que identificaram como vulneráveis, refere o relatório Adapting Curriculum to Bridge Equity Gaps: Towards an Inclusive Curriculum, que faz uma análise à panóplia de alterações curriculares tendo por base dados recolhidos através de um questionário sobre políticas para a educação e competências do futuro.

Desde logo, os alunos com necessidades educativas especiais têm currículos adaptados em 92% dos países. Na Austrália, os professores podem adaptar conteúdos e metodologias pedagógicas tendo em conta as capacidades e limitações dos alunos portadores de deficiências ou com dificuldades de aprendizagem.

Tendo em conta a diversidade cultural e linguística dos alunos, 72% dos países relataram que oferecem currículo especial para a aprendizagem de línguas a falantes não nativos ou imigrantes. Na Finlândia, os alunos de famílias multilingues (de origem estrangeira) têm aulas opcionais na sua língua materna. O México implantou escolas de múltiplos níveis de ensino para os filhos de trabalhadores agrícolas migrantes. A Coreia e o Japão estão em situação inversa, ou seja, apoiam os alunos que retornam ao país do exterior.

Outro ponto a considerar nas experiências curriculares dos alunos são as diferenças individuais. 42% dos países incluem disposições para alunos superdotados e 31% para alunos em risco de abandono escolar precoce. A Hungria desenvolve esforços para identificar potenciais desistências e manter esses alunos na escola. O Japão apoia alunos que faltam às aulas com frequência.

Os antecedentes familiares são outro fator: 28% atendem às desvantagens socioeconómicas e 14% às desvantagens geográficas. Na Irlanda, o Plano de Ação para a Educação Inclusiva prioriza as necessidades das crianças e jovens de comunidades desfavorecidas, dos 3 aos 18 anos. Em Hong Kong (China) existe um fundo especial que subsidia a participação de estudantes carenciados em atividades de aprendizagem ao longo da vida.

A maioria dos países inclui explicitamente referências a políticas de inclusão e antidiscriminação nos seus currículos (91%). Em Portugal, os professores podem fazer as adaptações curriculares necessárias aos alunos com necessidades específicas no quadro da lei da educação inclusiva.

Em 85% dos países da OCDE, pelo menos uma parte do currículo é centralizada a nível nacional. Isto para garantir um núcleo comum que proporcionará oportunidades iguais de aprendizagem a todos os alunos. Além do currículo básico, muitas vezes é concedida flexibilidade a escolas e professores para adaptar os conteúdos curriculares, métodos pedagógicos e avaliação ao contexto local e às necessidades dos alunos.

O currículo nacional no Japão, por exemplo, visa fornecer aos alunos um nível uniforme de educação seja qual for a região em que vivam. Mas, ao mesmo tempo, reconhece as diferentes necessidades, interesses e dificuldades de aprendizagem dos alunos. Na Argentina, os currículos aprovados ao nível federal identificam os conteúdos-chave a que todos os alunos devem ter acesso desde o jardim de infância até o ensino secundário.

61% dos países permitem flexibilidade local no conteúdo curricular, metodologias pedagógicas e avaliação. Na prática, isto possibilita que os alunos possam, excecionalmente, receber instrução num nível de escolaridade inferior ou mesmo serem dispensados de uma matéria pelo diretor da escola, com o acordo dos pais (Dinamarca). Também estão incluídas nestas disposições medidas excecionais aplicadas a alunos com necessidades educativas especiais, falantes não nativos ou com dificuldades de comportamento (Estónia).

Em Portugal, a autonomia das escolas permite uma gestão flexível do currículo, espaços e horários de aprendizagem, de forma que os métodos, tempos, instrumentos e atividades possam responder às singularidades de cada aluno.

Apenas 27% dos países dão formação específica a professores para garantir acesso igual a oportunidades de aprendizagem. Na Irlanda, várias diretrizes foram preparadas para ajudar os professores a garantir a qualidade dos currículos dirigidos a alunos com problemas de aprendizagem e necessidades educativas especiais. Na Nova Zelândia, os professores recebem apoio e orientação (não obrigatórios) com foco em áreas específicas, como a educação especial e de superdotados.

Além das adaptações curriculares, alguns países tentam remover as barreiras à aprendizagem fornecendo manuais gratuitos. A digitalização pode melhorar o acesso a livros didáticos e outros materiais de aprendizagem, mas o seu custo pode permanecer elevado para algumas famílias.

A maioria dos países disponibiliza manuais gratuitos para todos os alunos ou apenas para um grupo-alvo de alunos: de escolas públicas ou desfavorecidos. Destes, 62% dos países fornecem manuais a todos os alunos e 26% apenas a alunos de escolas públicas, enquanto 26% os fornecem apenas a alunos desfavorecidos. A entrega gratuita de manuais a todos os alunos, muitas vezes cobre explicitamente todos os níveis do ensino básico ou obrigatório, como acontece na República Checa, Finlândia, Hungria, Coreia e Portugal.

Promessa tecnológica

“As promessas de um currículo digital são atrativas”, reconhecem os autores do relatório Adapting Curriculum to Bridge Equity Gaps: Towards an Inclusive Curriculum. “Como a tecnologia permite uma maior adaptação e integração de conteúdos, materiais e atividades, pode ajudar os alunos a ter motivação para aprender, progredir no seu próprio ritmo e continuar a aprender além da sala de aula - a qualquer hora, em qualquer lugar.”

Os países, diz a OCDE, têm feito um esforço considerável para integrar as tecnologias nas salas de aula. Na Dinamarca, é obrigatório o uso de dicionários digitais para as línguas dinamarquesa e estrangeiras, o uso do GPS para educação física e recursos digitais e bancos de dados para ciências.

Na Finlândia, as tecnologias da informação e da comunicação (TIC) são usadas em diferentes níveis de implementação do currículo e diferentes disciplinas, inclusive para apoiar métodos de avaliação e cooperação com os pais. Na Escócia (Reino Unido) fazem-se adaptações na avaliação, como permitir o uso de computador com software de leitura de texto, com o objetivo de remover barreiras aos alunos, por exemplo, quando têm dificuldade em ler as perguntas no questionário de um exame externo.

Existe uma variedade de ferramentas de tecnologia assistida disponíveis atualmente (por exemplo, sintetizador de voz, aplicações de reconhecimento de voz, leitores de ecrã, etc.). Nova Zelândia, Portugal e Escócia (Reino Unido) relatam o uso destas ferramentas para apoiar os alunos com necessidades educativas especiais.

As tecnologias digitais oferecem oportunidades para fortalecer os canais de comunicação entre escolas e pais, facilitando o envolvimento dos pais na educação dos filhos. Ontário (Canadá) está a desenvolver um currículo digital interativo e uma plataforma de recursos que ajudará não apenas os educadores, mas também os pais e os alunos a aceder ao currículo e a recursos de aprendizagem em modo “amigo do utilizador” através de dispositivos móveis.

Nem sempre existem orientações para os professores para a utilização das tecnologias como auxiliares no ensino. Na Escócia (Reino Unido), a decisão de usar as ferramentas digitais na sala de aula cabe ao professor, não havendo referência específica para o uso de tecnologia no currículo.

Muitos países, contudo, introduziram novos conteúdos digitais ou relacionados com as TIC no currículo. Apoiar os alunos a adquirir o conhecimento técnico necessário para poderem usar as tecnologias digitais não é a única preocupação das escolas: garantir que os alunos possam usar a tecnologia em segurança também se tornou uma prioridade. Colúmbia Britânica (Canadá), Finlândia, Irlanda, Quebeque (Canadá) e Costa Rica reportam a inclusão de conteúdo curricular sobre uso seguro e responsável das tecnologias.

Literacia digital não chega

Mas “a literacia digital por si só não é suficiente para que os currículos digitais sejam usados de forma eficaz”, escreve a OCDE. “Além das competências digitais, alunos e professores precisam de outras competências, como a autorregulação e resolução de problemas para usar de modo eficaz um currículo digital.

O Vietname, por exemplo, oferece manuais em versões eletrónicas e impressas. No entanto, a maioria dos professores e alunos usa apenas livros impressos. Isto porque se o currículo digital dá acesso a uma variedade de fontes de informação, também tem as suas limitações: requer dispositivos modernos e alunos e professores com competências em TIC para os usar.

Os currículos digitais promovem a autoaprendizagem ou facilitam a aprendizagem à distância, as diferenças no apoio dos pais e/ou familiaridade com ferramentas digitais. Mas podem também aumentar as lacunas de aprendizagem, tal como observaram os peritos da OCDE na Coreia e Nova Zelândia. Na maioria dos países, o envolvimento dos pais na educação dos filhos está relacionado com o estatuto socioeconómico da família, algo que contribui para as disparidades entre os desempenhos das crianças de origens favorecidas e desfavorecidas, “disparidades essas observadas em todo o mundo”, confirma a OCDE.

As diferenças nos contextos de aprendizagem em casa tornaram-se particularmente evidentes no período de encerramento das escolas durante a crise da covid-19, quando muitos países passaram para o ensino totalmente digital.

Na Coreia, 75% dos alunos têm acesso a computadores em casa e 96,5% das famílias têm acesso à Internet. A maioria dos pais coreanos tem telemóveis e/ou iPads. Portanto, “o acesso em si não foi uma questão importante ao nível da equidade”, lê-se no relatório. “O problema está no fosso educacional entre pais da classe média e pais da classe trabalhadora, por estes últimos não terem tempo para apoiar a aprendizagem dos filhos em casa.”

Reduzir a exclusão digital

Os países que participaram no Future of Education Skills 2030 adotaram uma série de abordagens diferentes para reduzir a exclusão digital: melhorar infraestruturas, adaptar ou criar ferramentas digitais, conectar plataformas de avaliação dos alunos e formar professores.

Para aumentar as oportunidades de os alunos participarem em aprendizagens flexíveis, 71% dos países estão a adotar ou a desenvolver ferramentas digitais, como ambientes virtuais de aprendizagem ou plataformas integradas de ensino e aprendizagem. Na Estónia, os materiais digitais ou de e-learning incluem e-textbooks, e-workbooks, vídeos educativos e e-tests. Num ambiente da web interativo, e-Koolikott [e-mochila], os alunos podem aceder materiais de estudo digitais e os professores podem criar coleções de e-materiais. Os materiais são dirigidos ao pré-escolar, ensino básico, secundário geral e profissional e de acesso livre.

Vários países também fazem conexões entre as plataformas online de aprendizagem e a avaliação dos alunos (58%). Conduzem avaliações padronizadas baseadas em computador, fornecendo ferramentas de autoavaliação ou permitindo o acesso do professor a dados longitudinais de desempenho dos alunos. Na Escócia (Reino Unido), a plataforma Glow permite a criação de e-portfólios onde os alunos podem rever desempenhos e acompanhar os seus progressos.

Na Nova Zelândia, o governo financiou duas ferramentas digitais para permitir a professores e alunos a construção de um currículo partilhado e a monitorização do progresso da aprendizagem.

Em vários casos (55%), os países apostam na formação profissional dos professores em serviços de apoio ou incentivo à aprendizagem entre pares através comunidades de prática. Hungria, Holanda, Escócia (Reino Unido) e Índia oferecem (ou planeiam oferecer) este tipo de formação docente. Portugal desenvolve um Programa de Digitalização de Escolas a nível nacional onde o desenvolvimento profissional figura de forma proeminente.

No entanto, alguns países ainda se debatem com problemas relacionados com o acesso igualitário a dispositivos e à Internet, constatam os peritos da OCDE, “seja por falta de acesso nas escolas ou por falta de pessoal docente bem preparado”. 45% estão a fazer mudanças em infraestruturas básicas de TIC, garantindo, por exemplo, a conectividade mínima das escolas à Internet. Nova Zelândia, Polónia, Escócia (Reino Unido), Hong Kong (China) e Índia estão a investir em Internet estável ou em conexões Wi-Fi nas escolas. A Argentina e a Federação Russa estão a propor medidas especialmente dirigidas às populações vulneráveis, como populações de estudantes em hospitais, prisões ou em áreas rurais e remotas.

Fonte: EDULOG

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