sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Aprender com telemóveis e tablets: Cinco ideias da investigação psicológica para um resultado eficaz

A aprendizagem com dispositivos móveis refere-se, em geral, ao uso de aparelhos electrónicos pessoais (incluindo telefones e tablets) para a aprendizagem em múltiplos contextos e em interacção com os media, professores, pares, peritos ou a comunidade global.1,2 Esta interacção pode ser realizada presencialmente, ou online de forma síncrona ou assíncrona. A investigação científica procura compreender o papel dos dispositivos móveis no processo de aprendizagem e de que modo os factores humanos e de contexto influenciam esse processo.1,3,4,5 Numa altura em que se tornou premente garantir o ensino a distância e que nem sempre os alunos dispõem de um computador para estudar, mais importa compreender os efeitos da aprendizagem móvel, cuja diversidade e versatilidade pode minimizar os constrangimentos materiais que uma parte dos alunos enfrenta. 

Os estudos neste domínio têm incidido maioritariamente na análise da experiência individual no uso das tecnologias, centrando-se em aspectos como a satisfação dos utilizadores ou a usabilidade das ferramentas. Em contrapartida, a exploração dos efeitos cognitivos e educacionais do uso das tecnologias tem sido escassa, sobretudo fora da sala de aula.7 Neste sentido, o conhecimento acumulado pelas teorias psicológicas da aprendizagem torna-se ainda mais importante para a abordagem integrada desta questão, e permite avançar com um conjunto de propostas para potenciar a aprendizagem com dispositivos móveis.1,2

Como promover a aprendizagem com dispositivos móveis?

1) Assegurar o conhecimento e a formação dos alunos para utilizarem os recursos tecnológicos 

Apesar de progressivamente generalizada, a utilização de dispositivos móveis por crianças e adolescentes é dominada por finalidades lúdicas e sociais, em detrimento de finalidades educativas.9 Neste particular, a investigação aponta para a necessidade de verificar a capacidade dos alunos para a utilização produtiva dos recursos tecnológicos (aplicações, plataformas, programas), devendo o professor oferecer apoio específico para o efeito, sempre que necessário.1 Este aspecto é especialmente importante tendo em conta que eventuais dificuldades na utilização das ferramentas acarretam, por si só, uma sobrecarga cognitiva (i.e., um esforço mental acrescido) que prejudica a aprendizagem.8

2) Clarificar expectativas e fomentar a auto-eficácia

Alguns estudos destacam a necessidade de aferir as expectativas dos alunos face à aprendizagem com dispositivos móveis, já que, ao contrário do que por vezes se pensa, os estudantes tendem a preferir ambientes de aprendizagem predominantemente passivos, que remetem para tarefas de baixo envolvimento e autonomia. Por oposição, a aprendizagem em condições de maior autonomia e esforço cognitivo é normalmente acompanhada de uma percepção de insegurança. Importa, por isso, fornecer aos alunos informação inicial sobre as potencialidades e os efeitos esperados do uso dos dispositivos móveis, bem como verificar as respectivas percepções ao longo do tempo. Medidas como estas previnem a diminuição das expectativas de auto-eficácia dos alunos e o possível prejuízo da aprendizagem.6

3) Monitorizar a qualidade da aprendizagem

A avaliação da eficácia da aprendizagem com dispositivos móveis não pode restringir-se à monitorização dos aspectos comportamentais, como a conclusão de tarefas ou o tempo de permanência online. Estas informações não constituem indicadores fiáveis de aprendizagem, uma vez que não garantem o envolvimento e investimento cognitivo nas tarefas escolares.5 Além disso, a investigação aponta para uma tendência de desconhecimento por parte dos alunos de estratégias de estudo autónomo eficazes e para uma utilização inadequada de estratégias comprovadamente eficazes.10 Aliando este aspecto à novidade e escassez da investigação educacional dos dispositivos móveis, é necessário acompanhar o recurso a esta metodologia com medidas objectivas de aferição da qualidade e profundidade da aprendizagem.2,5 Exercícios e estratégias baseados na prática da recuperação, que incentivam os alunos a recuperar e avaliar o conhecimento adquirido, constituem um exemplo disso. Este processo, não só promove a realização académica, como informa o(a) professor(a) sobre os efeitos e eficácia das práticas instrucionais adoptadas.2,5

4) Promover o uso de estratégias de aprendizagem eficazes

A qualidade da aprendizagem está significativamente dependente do tipo de estratégias cognitivas seguidas pelos alunos. Neste sentido, o desenho de actividades e recursos de aprendizagem com dispositivos móveis beneficiará da integração de estratégias com comprovada eficácia na promoção da aprendizagem. A título de exemplo, um estudo4 recente com alunos do ensino secundário, que testou os efeitos de uma aplicação educacional para apoiar a aprendizagem da Língua Inglesa, evidenciou os benefícios da incorporação da prática da recuperação no desenho das tarefas de aprendizagem. Trata-se de uma estratégia do domínio da Psicologia Cognitiva que assenta na consolidação da aprendizagem através do treino de recordação do material aprendido, e que se mostra eficaz em múltiplos conteúdos e níveis de escolaridade.

O desenho generativo constitui outra das estratégias cognitivas que pode contribuir para a aquisição e transferência de conhecimentos através da produção de desenhos a partir da leitura de um texto (narrativo ou científico). A adopção desta estratégia tem-se mostrado útil para promover a conceptualização de conhecimentos abstractos em disciplinas como as ciências naturais.11 Num estudo recente12, com 74 alunos dos 5.º e 6.º anos de escolaridade, os princípios do desenho generativo foram incorporados na concepção de uma aplicação para a aprendizagem de matemática com o apoio de dispositivos móveis (no caso, tablets). Os alunos foram aleatoriamente divididos entre um grupo experimental (que aprendeu com apoio da aplicação no tablet) e um grupo de controlo (que aprendeu com apoio de exercícios manuscritos) para a aprendizagem de simetrias, ângulos, áreas e perímetros, tendo sido posteriormente testados. Os resultados da aprendizagem foram globalmente positivos e não evidenciaram diferenças significativas entre os grupos. O que este e outros estudos indicam, até ao momento, é que a aprendizagem com dispositivos móveis pode complementar ou mimetizar algumas das actividades desenvolvidas em sala de aula e que as estratégias cognitivas de aplicação generalizada assumem um papel determinante nos resultados educativos.  

5) Monitorizar e promover as competências metacognitivas

Um último aspecto, central na utilização de dispositivos móveis, refere-se ao papel das capacidades metacognitivas, e em particular à auto-regulação da aprendizagem. A utilização educacional de um dispositivo que serve simultaneamente múltiplos propósitos, frequentemente lúdicos, acarreta desafios acrescidos aos já habitualmente colocados pela utilização da internet. 

É hoje reconhecido, e problematizado, o risco de distracção e de análise superficial da informação durante a utilização das tecnologias digitais.1,4,13 Por este motivo, o recurso a dispositivos móveis deverá ser acompanhado pela promoção de capacidades de auto-regulação. Estas podem ser apoiadas pelas funções e características dos próprios dispositivos e aplicações (que podem incluir ajudas à auto-monitorização comportamental e cognitiva face à tarefa) e/ou monitorizadas e apoiadas pelos/as professores. Em qualquer caso, é possível aferir e promover a adesão a objectivos educacionais individuais e a permanência nas tarefas de aprendizagem

Entre outras estratégias, destacam-se:

a promoção da planificação, organização e monitorização da própria aprendizagem (o que pode incluir a realização de registos de progresso, ou a identificação de fontes de distracção e de estratégias comportamentais de resposta à distractibilidade);

a regulação socialmente partilhada, que implica tornar públicos objectivos de aprendizagem e colaborar mutuamente para o alcance dos objectivos individuais e grupais (no caso, de um grupo de colegas ou turma); e, ainda,

a monitorização e informação (feedback) pelo professor da qualidade da interacção do aluno com os conteúdos de aprendizagem online e do desempenho nas actividades propostas. 

Todos estes processos de acompanhamento e informação ao aluno (e à turma) contribuem para a auto-regulação, na medida em que permitem avaliar o progresso pessoal, identificar lacunas, analisar e reflectir acerca dos padrões individuais de actuação e decidir, de forma apoiada, sobre as estratégias a adoptar para uma aprendizagem bem-sucedida.1,14

Em síntese, a investigação disponível ainda não é suficiente para permitir generalizações quanto aos benefícios, limitações e (des)vantagens da aprendizagem com dispositivos móveis. Acresce que a maioria da investigação foca-se na utilização destes dispositivos em sala de aula ou em complemento a ela, sendo ainda mais raros os estudos sobre os efeitos desta metodologia na aprendizagem a distância.4,5,7,12 Neste sentido, o recurso às teorias e princípios psicológicos, com demonstrada validade educativa, constitui um complemento essencial à utilização dos dispositivos móveis. Isto porque, independentemente dos meios, a eficácia pedagógica beneficia da aplicação de estratégias que fomentem a auto-regulação e a eficiência da aprendizagem.1,2,4,5  


CÉLIA OLIVEIRA

Referências

Referência principal

1 Bernacki, M. L., Crompton, H., & Greene, J. A., «Towards convergence of mobile and psychological theories of learning», Contemporary Educational Psychology, 60, 2020.

Referências complementares

2 Bernacki, M. L., Greene, J.A., & Crompton, H., «Mobile technology, learning, and achievement: Advances in understanding and measuring the role of mobile technology in education», Contemporary Educational Psychology, 60, 2020, 101827.

3 Cowen, P., & Butler, R., «Using activity theory to problematize the role of the teacher during mobile learning», SAGE Open, 2013, pp. 1–13.

4 Epp, C. D., & Phirangee, K., «Exploring mobile tool integration: Design activities carefully or students may not learn», Contemporary Educational Psychology, 59, 2019.

5 Mayer, R. E., «Where Is the Learning in Mobile Technologies for Learning?», Contemporary Educational Psychology, 2020, pp. 101824.

6 Deslauriers, L., McCarty, S., Miller, K., Callaghan, & Kestin, G., «Measuring actual learning versus feeling of learning in response to being actively engaged in the classroom», Proceedings of the National Academy of Sciences, 116(39), 2019, pp. 19251–19257.

7 Crompton, H., Burke, D., Gregory, K. H., «The use of mobile learning in PK-12 education: A systematic review», Computers & Education, 110, 2017, pp. 51-63.

8 Chu, H. C., «Potential negative effects of mobile learning on students' learning achievement and cognitive load – A format assessment perspective», Journal of Educational Technology & Society, 17(1), 2014, pp. 332-344.

9 Chassiakos, Y. L. R., Radesky, J., Christakis, D., Moreno, M. A., & Cross, C., «Children and adolescents and digital media», Pediatrics, 138(5), 2016, e20162593.

10 Miyatsu, T., Nguyen, K., e McDaniel, M. A, «Five popular study strategies: their pitfalls and optimal implementations», Perspectives on Psychological Science, 13(3), 2018, pp. 390-407.

11 Schmeck, A., Mayer, R. E., Opfermann, M., Pfeiffer, V. & Leutner, D., «Drawing pictures during learning from scientific text: testing the generative drawing effect and the prognostic drawing effect», Contemporary Educational Psychology, 39 (4), 2014, pp. 275-286.

12 Fabian, K., & Topping, K. J., «Putting “mobile” into mathematics: Results of a randomised controlled trial», Contemporary Educational Psychology, 59, 2019, 101783.

13 Delgado, P., Vargas, C., Ackerman, R., e Salmerón, L., «Don’t throw away your printed books: a meta-analysis on the effects of reading media on reading comprehension», Educational Research Review, 25, 2018, pp. 23-38.

14 Vanderhoven E., Schellens T., Valcke M., «Changing Unsafe Behaviour on Social Network Sites. Collaborative Learning vs. Individual Reflection», In: Walrave M., Ponnet K., Vanderhoven E., Haers J., Segaert B. (eds), Youth 2.0: Social Media and Adolescence, Springer, Cham, 2016, pp. 211-226.

Fonte: Iniciativa Educação

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