sábado, 29 de agosto de 2020

Professor de Educação Especial: o que faz, o que querem dele?

 A Educação Especial é um ramo da Educação destinado a responder às necessidades específicas de alunos, de acordo com as suas características, capacidades e necessidades, tendo a finalidade de cumprir o seu potencial na interação com os desafios do contexto.


Falamos de alunos com deficiência, perturbações do desenvolvimento ou outras condições intrínsecas, que se constituem como barreiras ao seu desenvolvimento, à aprendizagem dentro do currículo padrão e à sua qualidade de vida em geral.
Um docente de Educação Especial tem de saber, antes de mais, como todas crianças aprendem, como se desenvolvem, que etapas e que percursos fazem… em termos intelectuais, emocionais, sociais, físicos, numa interseção de áreas da saúde, da psicologia do desenvolvimento, da pedagogia e outras ciências sociais. Para além disso, deve dominar um conjunto de adaptações, medidas e estratégias individualizadas de ensino para os alunos com Necessidades Específicas, NE, para promover a sua aprendizagem e desenvolvimento de forma adequada, incluindo ferramentas e conhecimentos específicos em acessibilidade, tecnologia adaptada, áreas de aprendizagem específicas como língua gestual, braille, orientação e mobilidade, comunicação aumentativa, adaptação de materiais, estratégias e métodos, processos de organização comunicacional ou comportamental, de aprendizagem funcional, de promoção das interações sociais e de transição para a vida, entre outras; sabendo quando, porquê, em que contextos e a quem se aplicam.

Este conhecimento permite desenvolver um conjunto de propostas adequadas de remoção de barreiras, tendo em conta o que está em causa naquele particular e porque se seguem determinados caminhos/estratégias.

Neste processo de conhecer e promover uma melhor educação destes alunos com Necessidades Específicas, é importante conhecer ainda as condições individuais, as perturbações do desenvolvimento, transtornos e deficiências, saúde e diferentes situações intrínsecas, como causas de barreiras individuais. Sabe-se que todas estas situações individuais se manifestam no confronto com os contextos e é nessa medida que se tornam um maior ou menor problema. Por isso a escola necessita de professores treinados nesta área com um olhar abrangente das condições individuais, para proceder à análise do que se passa nos contextos de aprendizagem e da vida escolar e saber como atuar junto dos alunos e da comunidade educativa.

Não basta ter ferramentas para pensar no que fazer, é também ter o conhecimento do porque se está a fazer assim e não de outra maneira qualquer. Conhecer as condições que influenciam o desenvolvimento, permite igualmente uma melhor aferição dos apoios, medidas e recursos a afetar.

A Educação Especial complementa as restantes áreas disciplinares e é transversal a todas elas e a todos os ciclos, permitindo ainda o diálogo de diferentes áreas científicas. É esta a sua riqueza e o seu contributo base.

 Esconder terminologias cria barreiras

A Convenção dos direitos da Pessoa com Deficiência (2006), vem valorizar os direitos destas pessoas, dizendo que não basta eliminar a discriminação e promover a integração e a vida autónoma; é importante conhecer os elementos que caracterizam essa pessoa, para se poder identificar a gravidade dos seus limites e a potencialidade das suas capacidades.

No atual “A Guide for ensuring inclusion and equity in education” (UNESCO, 2017 – Education 2030), os termos Educação Especial e Necessidades Educativas Especiais fazem parte, bem como é dado destaque para a fragilidade e risco de exclusão das crianças com deficiência e a necessidade de respostas específicas (p.13). Os aspetos ligados à deficiência e às perturbações do desenvolvimento, estão desde há muito estudados, como fatores de alto risco para a exclusão.

O termo Deficiência não caracteriza a pessoa como um atributo determinista, mas sim como o resultado da interação das suas características individuais com o meio. É preciso conhecer, para incluir, desmontando os processos de exclusão. Não dar atenção ao conhecimento das características desenvolvimentais das pessoas com deficiência ou incapacidade, é apostar no desconhecimento que vai criar barreiras e tornar invisíveis as suas necessidades específicas e a consequente afetação e rentabilização de recursos específicos. A prática é moldada pelo conhecimento que se tem das situações, dos conceitos e pela utilização de uma linguagem adequada.

Por isso o Professor de Educação Especial tem de ter conhecimento das perturbações mais frequentes com que a escola vai lidar, quer pelas suas características, quer pela forma como alteram o funcionamento.  Daí a importância de conhecer diagnósticos, sintomas, comportamentos, funções cognitivas, afetivas, traços de personalidade, físicos, combinação de perturbações; bem como os aspetos que mais podem influenciar boas decisões educativas.

Não é preciso catalogar para intervir, mas é fundamental conhecer o indivíduo para intervir adequadamente, usando este conhecimento para identificar as barreiras individuais e planear o seu derrube de forma informada, sendo também atores do seu destino.

Devem ser usadas as terminologias técnicas e da saúde, internacionalmente adotadas para um diálogo claro e consequente. Não devemos ter medo das palavras quando elas são usadas para promover a igualdade. Devemos sim, centrarmo-nos nas nossas ações, porque são elas que vão dar o significado às palavras.

A Educação Especial é uma área da Educação para responder às necessidades específicas das pessoas com deficiência e/ou com dificuldades de aprendizagem. Os professores de EE devem ser detentores de saberes para responder às especificidades da deficiência e/ou dificuldades de aprendizagem. O foco não está na incapacidade, mas no saber olhá-las e dar-lhe o uso devido para promover cada aluno, nomeadamente sabendo mobilizar os recursos e as estratégias específicas.

A Inclusão como objetivo da Educação Especial


Inicialmente a Educação Especial centrou-se no indivíduo e desenvolveu-se em ambientes segregados, porque nos anos 70 e 80 em Portugal a massificação do ensino criou problemas de tal ordem, que alguns ficaram para trás. Criaram-se as instituições de educação especial, separadas do sistema educativo regular, para dar resposta às necessidades educativas dessa população. Portanto nós podemos ter uma Educação Especial, mas não inclusiva.

Portugal no final dos anos 80, subscreve documentos internacionais importantes na definição de sistemas educativos inclusivos, desenvolvendo toda uma dinâmica de desinstitucionalização e de criação de condições nas escolas regulares. E foi aqui que mais uma vez entrou em ação a Educação Especial.

DL 319/1991- Primeira lei de Educação Especial, com o objetivo de promover a integração, dos alunos com necessidades educativas especiais decorrentes de uma deficiência ou não.

Decreto-Lei nº20 de 2006 de 31 de janeiro 2006- Criado o Grupo Disciplinar no Sistema Regular de Ensino, dos Professores de Educação Especial cuja função é: “promover a existência de condições para a inclusão socio educativa de crianças e jovens, com nee de carater prolongado.”

No Dec-lei 3/2008 com os seus defeitos e potencialidades, era claro ao definir que a Educação Especial tinha como objetivo de promover a Inclusão, como seria lógico, dado o historial e o avanço neste domínio, conseguido em grande medida, pela Educação Especial ao longo de 30 anos.

A Educação Especial passa a atuar no contexto natural da escola e tem como objetivo de ação a Inclusão.



A Educação Inclusiva propõe que todos os alunos, com ou sem necessidades específicas, tenham o direito de interagir e aprender juntos nos contextos naturais de aprendizagem. É um processo contínuo de eliminação de barreiras, para uma participação plena em todas as dimensões da sociedade. Ela existe porque há excluídos da escola e do ensino, daí a necessidade de respeitar as diferenças e promover a igualdade de acesso e de direitos, através de mecanismos de equidade, porque todos somos diferentes e nem todos partimos do mesmo ponto. Só se podem desenvolver processos de equidade, quando se conhecem os diferentes pontos de partida de cada um.

A inclusão tem ainda uma dimensão social e pessoal muito importante de realização e cumprimento de um projeto de vida próprio, ao mesmo tempo que se é aceite e reconhecido pelos outros como um igual.

Sabendo que a Inclusão é um direito, conquistado pela luta pela igualdade das pessoas com deficiência ao longo de décadas, faz com que hoje não seja concebível uma Educação Especial que não seja Inclusiva.

Com a necessidade de promover a Inclusão, a função do professor de Educação Especial tornou-se mais abrangente, deixou de estar apenas centrada nas características do aluno e passou a atuar também no contexto educativo junto dos professores, das famílias, de toda a escola e da comunidade educativa. O aluno no seu contexto natural é o palco da construção dos necessários contextos inclusivos que devem ser criados nas escolas. Contextos de aprendizagem e contextos de desenvolvimento social e de inclusão em todos os aspetos da vida da escola e das relações ricas que aí se desenvolvem.

O professor de EE, para além de especialista no atendimento e planeamento para os alunos com problemáticas específicas, passa também a exercer um papel de diálogo transversal, de consultor, colaborador, formador e parceiro. A sua função, não ficou diminuída, muito pelo contrário, ficou mais rica e abrangente.

A-     Primeiramente tem de compreender os efeitos que as perturbações têm no desenvolvimento individual no confronto com o contexto e as aprendizagens atípicas e atuar com estratégias individualizadas adequadas. Dominar um conjunto de estratégias individualizadas de ensino dos alunos com NE, para promover a sua aprendizagem; criar ambientes favoráveis à aprendizagem e inclusão; promover interações positivas, avaliar e tomar decisões para cada aluno;

B-     Paralelamente pega neste conhecimento específico e leva-o para o contexto natural de educação, que é a escola e a sala de aula, trabalhando em conjunto com toda a comunidade educativa. A Inclusão na escola prepara a inclusão social e deve prever interações e apoio no desenvolvimento social e afetivo dos jovens para a sua identificação e adequado desenvolvimento físico e psicológico. A Inclusão na aprendizagem apela à formação pedagógica dos professores de EE, (daí a importância de serem docentes), que têm de dominar aspetos centrais para possibilitar a inclusão nos contextos naturais de aprendizagem, nomeadamente o apoio, a diferenciação pedagógica, a flexibilidade curricular, metodologias ativas de ensino, a autonomização dos alunos, o foco nas capacidades e nos processos, ensino colaborativo, entre outros.

A Educação Inclusiva tornou-se o objetivo da Educação Especial. Uma não pode existir sem a outra, porque uma fornece ferramentas essenciais para conhecer e atuar na diversidade e a outra dá o propósito à utilização dessas ferramentas.

É hoje claro que a função dos professores de Educação Especial é promover as condições para a Inclusão socioeducativa de crianças e jovens com NE e se hoje nos pudemos orgulhar do nosso sistema nesta área e se existem muitas escolas e professores empenhados em promover a Inclusão e qualidade de ensino para os alunos com NE, isso acontece graças à ação dos professores de Educação Especial ao longo de décadas.

O fato dos docentes de Educação Especial terem como objetivo promover a Inclusão, é uma mais-valia para o sistema e levou a que, também na sua formação, a Educação Inclusiva estivesse presente, dado que se constituiu como objetivo central do seu trabalho. É por isso de elementar justiça que isso seja reconhecido, valorizado e reforçado.

Os professores de Educação Especial passam a ter este papel fundamental abrangente em duas dimensões, quer através de um trabalho de diálogo interdisciplinar e apoio indireto à escola e pais, quer também através de intervenção direta com alunos sempre que necessário.

O foco da Educação Especial está nas capacidades não está na categorização nem nas incapacidades. Deve-se, no entanto, saber olhar para ambas, compreendê-las e procurar as respostas que facilitam a aprendizagem e a participação na sala de aula e no contexto escolar e social, para que se possa falar de Inclusão. O papel do professor de Educação Especial deverá também promover a articulação e a interseção com todos os intervenientes para adaptar estratégias, criar acessibilidades e mobilizar todos os instrumentos de flexibilização curricular para promover a inclusão. 

Não perder o equilíbrio para um lado, sob pena de diluir o indivíduo.
Nem perder o equilíbrio para outro lado, sob pena de o privar dos seus contextos naturais. 
Em ambos os casos, o resultado será a exclusão.

Todos os professores são professores de Inclusão.

Pensar que apenas pela ação da Educação Especial a escola se torna inclusiva é um erro. A simples presença dos professores de Educação Especial, mesmo que com o objetivo de promover a inclusão dos alunos com Necessidades Especiais, não torna a escola inclusiva para TODOS.
Falta cumprir a Inclusão na escola e no sistema. Todos devem partilhar o mesmo caminho de construção permanente e não apenas alguns, sob pena de não haver caminho, ou sequer destino.

A Educação Inclusiva é um valor e um desígnio transversal, que deve motivar uma reforma educacional, não apenas para alunos com dificuldades na aprendizagem, ou com necessidades específicas. Não se confina a determinado nicho, é antes um processo de toda a escola e, como tal, tem de ser visto tendo em conta a visão da própria escola e a participação dos professores e dos pais. Uma inclusão de cima para baixo, ignorando aqueles que serão os seus obreiros, não terá grandes resultados porque não vai ter em conta a Inclusão até dos próprios professores. A escola tem hoje desafios de insucesso, violência, multiculturalidade e de diversidade a diferentes níveis, que devem motivar um olhar muito mais abrangente em relação à promoção de uma Escola Inclusiva.

Para se criarem condições para que os professores possam mudar, arriscar, criar, é necessário dar-lhes autonomia e ouvi-los. Desenvolver a Inclusão na escola, não passa por, de repente, dizer que o professor de Educação Especial é de Educação Inclusiva e querer a partir daí que a Inclusão se generalize. A Educação Inclusiva é uma tarefa de todos os professores e de toda a escola. Todos os professores são professores de Inclusão.  A Educação Especial é um dos parceiros nesse percurso. Porque se assim não for, a Inclusão não se concretiza, só porque um pequeno grupo profissional assim se denomina.

Sabemos hoje que a Educação Inclusiva só se realiza num sistema de ensino diferenciado e individualizado, que responda às diferenças e isso vem trazer à baila todo um conjunto de conhecimentos pedagógicos que não devem ser apenas exclusivos da Educação Especial, mas sim transversais ao processo ensino-aprendizagem. São desafios de ordem pedagógica para uma escola melhor, que deve inclui todos.

Aqui a Educação Especial estará na primeira linha, pelo seu percurso e pela formação dos seus profissionais, mas estes, não podem estar sozinhos, têm de fazer parta de uma reforma global do sistema educativo, na área legislativa, gestão e organização escolar, pedagógica, nos processos de ensino, na avaliação, na vida social escolar e na formação inicial dos professores de todos os ramos da educação.

Em resumo, o que falta cumprir na Educação Especial?

1º - Propor sem ambiguidades, um corpo de conhecimento deste ramo da Educação e valorizá-lo como fundamental para a educação inclusiva destes alunos e para a construção da inclusão nas escolas. Reconhecer as diferentes dimensões da Educação Especial Inclusiva como um todo;

2º - Aprofundar e clarificar um Perfil Funcional adequado a estes professores, que responda às escolas e aos pais, definindo claramente o que se pretende da Educação Especial, sem olhar apenas a aspetos financeiros;

3º - Melhorar a formação dos professores de Educação Especial, tornando-a abrangente nas suas dimensões, sólida nos pressupostos científicos, uniforme em todo o país, valorizante para os professores e adequada às exigências;

4º Continuar a lutar para qualificar a educação destes alunos na escola regular, quer ao nível da aprendizagem, quer ao nível da participação social e das interações na aceitação pelo outro.

Todas estas transformações só se conseguem através de uma reforma global do sistema educativo
          na área legislativa,
          gestão e organização escolar,
          nos processos de ensino,
          na vida social escolar
          na formação inicial dos professores de todos os ramos da educação
          na cultura e nos valores
          na perceção dos próprios sobre a mudança.

Todos os ramos da Educação deverão ter como desígnio a Inclusão, a Educação Especial é apenas um deles.

É um erro pensar que se constrói uma Escola Inclusiva, eliminando áreas educacionais, em vez de as fortalecer.

Temos de ter uma Educação Especial Inclusiva, num Sistema Educativo Inclusivo, como parte de um mesmo desígnio, não permitindo que algo mude, para que todo o ensino fique na mesma.



Texto base da intervenção na Conferência On-line “Vencer a Crise”

27 a 29 de abril 2020


Jorge Humberto Nogueira

Fonte: Especial Educação

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