O início do ano letivo é um momento muitas vezes vivido com turbulência. Da ansiedade pelo desconhecido, aos problemas com as condições das escolas ou até a inexistência deste ou daquele professor no arranque das aulas. Felizmente, olhando os últimos 30 anos, muito melhorou nas condições do nosso sistema de ensino, pese embora alguns retrocessos pontuais e dificuldades acrescidas às quais o contexto dos últimos anos ainda nos expõe.
“É por isso que se mandam as crianças à Escola: não tanto para que aprendam alguma coisa, mas para que se habituem a estar calmas e sentadas e a cumprir escrupulosamente o que se lhes ordena, de modo que depois não pensem mesmo que têm de pôr em prática as suas ideias”, disse outrora Kant. Esta é uma “provocação” atual. A Escola continua a ter uma evolução lenta face à velocidade das mudanças sociais, mesmo atendendo ao enorme esforço que, por vezes, é colocado na tentativa dessa transformação. Continua a ser uma Escola com dificuldade em responder aos principais desafios e, não raras vezes, agarrada a conceções ainda do século passado. Continua a ser uma Escola com desafios e dificuldades enormes em termos da flexibilidade, estímulo à cooperação e ao relacionamento interpessoal, criatividade e inclusão.
Os objetivos para o desenvolvimento sustentável das Nações Unidas estabeleceram metas para uma educação de qualidade. Felizmente, no panorama global, Portugal aparece bem posicionado face aos mesmos, mercê de uma recuperação histórica na Educação nas últimas décadas. As recentes medidas legislativas que, assentes na experiência de várias escolas em projetos-piloto, levam uma abertura e estímulo a uma maior flexibilidade curricular e a uma educação mais inclusiva tenderão, caso na prática funcionem, a diminuir alguns dos pontos fracos que ainda conhecemos no nosso sistema promovendo mais adaptação aos contextos, mais prevenção do insucesso e abandono escolar e, essencialmente, mais oportunidades para todos.
A Escola pode contribuir decisivamente para reduzir o alargamento do fosso entre ricos e pobres. Ainda que em Portugal a desigualdade esteja a reduzir nos últimos anos, todos sabemos que ela persiste e que o problema da mobilidade social, mesmo com as tímidas melhorias, é ainda um problema português que nos afasta da Europa. Importa assim continuar e reforçar os esforços na educação dos portugueses, inicial e ao longo da vida, como parte de uma agenda para a prevenção e desenvolvimento das pessoas para a coesão social, competitividade e desenvolvimento sustentável.
Nesta data e neste contexto, tendo em conta os desafios sociais presentes mas também os obstáculos e adversidades que a sua situação laboral comporta, quero dar uma palavra especial para os psicólogos e psicólogas. Para aqueles que ainda trazem consigo a história dos serviços de psicologia e orientação, para aqueles que nunca conheceram a estabilidade profissional de há 20 anos para cá e para os que mais recentemente investiram neste fundamental contributo para o país, ajudando a melhorar o nosso sistema educativo e os seus indicadores. Estes profissionais, por vezes tão pouco visíveis e valorizados, são fulcrais para cumprimentos das politicas e dos objetivos traçados em contexto educativo e por isso devem poder aceder a outras condições para a realização do seu trabalho. Urge que assim seja.
Termino dirigindo-me especialmente aos alunos, aos que gostam da escola e aos que “não a podem ver”, aos que vibram com os amigos que reencontram e aos que receiam o desconhecido ou o isolamento e não aceitação, aos que estão focados em aprender e aos que têm pesadelos com as dificuldades e obstáculos que antecipam, a todos convém lembrar – e convém que quem tem responsabilidades sobre eles os lembrem – que o futuro é vosso, depende das vossas acções, da vossa perseverança e vontade de conquista e de mudança do mundo e que hoje somos o que somos e chegámos aqui porque ontem outros como vós sonharam e lutaram pelo melhor para todos.
Francisco Miranda Rodrigues
Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses
Fonte: Público
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