Não há uma diretiva da Procuradoria-Geral da República (PGR). Há uma orientação, que corresponde à opinião unânime das estruturas hierárquicas: o Ministério Público não deve arquivar processo de abandono escolar com o argumento da tradição.
“Esta matéria tem sido objeto de preocupação por parte da PGR” e mesmo “abordada em diversas reuniões de trabalho mantidas com os magistrados”, faz saber o gabinete de Joana Marques Vidal, numa resposta por email. Isto a propósito de uma decisão do Tribunal de Fronteira, que mandou arquivar o processo referente a uma rapariga de 15 anos que frequentava o 7º ano.
“A Procuradora-Geral da República entende que são situações que genericamente podem caracterizar-se como de perigo e, como tal, devem ser ponderadas no âmbito de processo de promoção e proteção”, refere ainda. Não existe, porém, uma orientação hierárquica nacional com força vinculativa. E é por isso que não se vê o MP atuar da mesma maneira em todo o território.
Antes, o grande destino era o arquivo. Houve várias recomendações internacionais e nacionais para insistir na educação, quebrar os ciclos de pobreza. E há algumas decisões judiciais paradigmáticas. Uma do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de março de 2012, tem sido citada como exemplo.
Por essa altura, a Procuradoria Distrital de Lisboa suscitou exemplos aos seus magistrados para iniciar uma reflexão sobre o modo como o MP lida com estes casos e deu orientações para não se arquivar. E o Centro de Estudos Judiciários (CEJ) incluiu o tema nas ações de formação contínua. “Todos os anos, temos uma ação de formação sobre promoção e proteção de crianças e jovens e esse tema é recorrente”, assegura Maria Perquilhas, juíza desembargadora e docente daquela instituição que forma juízes e procuradores.
Maria Perquilhas lembra que estes casos não são lineares. Há um conflito entre dois direitos fundamentais, o direito à identidade cultural e o direito de educação/dever de cumprir a escolaridade obrigatória. E quando isso acontece é preciso decidir o que prevalece. Não bastará decidir que é a educação. Será preciso encontrar formas de garantir que a decisão é executada.
As dificuldades ficam patentes na partilha de experiências que se faz nas formações. Alguns magistrados argumentam que de nada serviria aplicar uma medida que nunca seria cumprida. A única forma de ter uma rapariga cigana a ir à escola seria, na opinião desses, retirá-la à família. E será que se justificava provocar um sofrimento dessa ordem? Seria possível educar à força? Se estivesse à guarda de uma família de acolhimento ou de uma instituição, iria à escola? Que aconteceria na primeira vez que fosse a casa? Outros partilharam soluções que encontraram.
Maria Perquilhas destaca o papel das equipas de apoio aos tribunais. Há que convencer os jovens e os pais das vantagens de cumprir a escolaridade obrigatória, nem que seja dentro de uma oferta educativa alternativa. Há que encontrar soluções na comunidade. “A rapariga diz: ‘Ai, eu até gostava de fazer um curso de cozinha.’ E há um curso de cozinha só com raparigas.”
Pode não ser fácil encontrar solução. Pode nem existir uma formação alternativa compatível com o grau de ensino. Parece-lhe que a escola tem de fazer um esforço para se “aproximar mais dos alunos, perceber as suas dificuldades, incluí-los”. E que há que valorizar o papel de mediação das associações de ciganos. Podem ajudar os jovens e os pais a vencer os seus receios e a valorizar a escola.
O Ministério da Educação limita-se a declarar que tem investido num “conjunto de medidas que visam uma escola mais inclusiva”. Lembra que tem desenvolvido – numa lógica em parceria – “estratégias locais para a inclusão e o sucesso educativo das comunidades ciganas, reconhecendo as suas culturas e modos de vida”.
Fonte: Público
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