Está a arrancar mais um ano letivo dentro da normalidade para o que se pode considerar como os “valores normais para esta altura do ano”: há leis novinhas em folha para implementar, as famílias protestam porque alguma coisa não funciona bem com a distribuição dos manuais, o concurso de colocação de professores concluiu-se a dois dias úteis do arranque no ano letivo, há questões por resolver quanto a equipamentos escolares (este ano são os sistemas de vigilância), os diretores queixam-se de algo que consideram importante, os professores estão zangados com o governo por causa da sua carreira e dos abusos que a envolvem há mais de uma década e há líderes sindicais a prometer “luta” sem fim até ao fim (é mesmo assim), o que só não foi norma em anos recentes quando se deu a anormalidade de esses líderes elogiarem o arranque do ano letivo.
Está, portanto, tudo “normal”, dentro daquilo que acaba por ser uma espécie de insanidade anual. Na qual colaborou o ministro da Educação que surgiu, em declarações recolhidas pela TSF a 29 de agosto, a elogiar-se por esse facto, dirigindo-se a uma audiência de “jovens” (da Escola de Verão da Comissão Europeia), afirmando que “há pouco tempo” existiram anos letivos iniciados em “outubro e em novembro”.
E eu, que não sou jovem, abismei-me perante a memória do senhor ministro pois não me recordo, pelo menos neste milénio (e mais além) de qualquer ano letivo que se tivesse iniciado por essas alturas, nem sequer o pouco saudoso ano de 2014 em que o concurso de colocação de professores, herdado de David Justino por Maria do Carmo Seabra, foi catastrófico, mas estava mais ou menos remendado ali por finais de setembro.
Aliás, o meu colega Rui Cardoso (em texto no Blog DeAr Lindo) fez uma tabela comparativa para as datas de publicitação dos concursos de mobilidade interna desde 2011 e 2013 e 2014 foram os anos mais tardios com as colocações a serem conhecidas, respetivamente, a 12 e 9 de setembro; no caso da contratação inicial as datas foram, entre 2011 e 2017, entre 25 de agosto (2017, o ano em que as regras foram “reinventadas” pela secretária de Estado Alexandra Leitão) e 12 de setembro (2014). Em nenhum dos casos, mesmo com as duas primeiras reservas de recrutamento, se entrou pelo mês de outubro. Mas o senhor ministro é velho perto dos jovens europeus, mas muito jovem para ter estudado o assunto com cuidado e algum rigor.
Infelizmente, o arranque de cada novo ano escolar transforma-se num período de desvario no “combate político”, em que se fazem afirmações disparatadas e se assumem “sucessos” incompreensíveis ou que, na melhor das hipóteses, correspondem apenas ao cumprimento do mínimo que se pode exigir a quem governa. A normalidade não deveria ser excecional, mas apenas a regra de uma rotina consolidada. Só que vivemos tempos em que o primeiro-ministro considera ser um “sucesso” o facto do maior incêndio florestal até à data (afirmações de 10 de agosto) não ter causado vítimas mortais como se, de novo, se considerasse como critério de excecionalidade o que deveria ser apenas normal.
Quando esse é o padrão de autoavaliação que os governantes estabelecem para si mesmos, percebe-se melhor que em matéria de Educação considerem que o “sucesso” se pode medir por um qualquer padrão mínimo comum. Ou que se ache “normal” a homologação das “Aprendizagens Essenciais das disciplinas dos cursos científico-humanísticos de Ciências e Tecnologias, Ciências Socioeconómicas, Línguas e Humanidades e Artes Visuais” no último dia de agosto (despacho n.º 8476-A/2018 de 31 de agosto).
O ano letivo de 2018-19 começa dentro da “normalidade”, sou obrigado a concordar, se quiser enquadrar-me com o espírito dos tempos. Porque vivemos um tempo marcado pela “velocidade”, pela “incerteza”, pela “mutação permanente” e por um “novo paradigma”, em que as “novas competências para o século XXI” obrigam à redefinição do “perfil de desempenho” dos indivíduos e ao reforço da sua adaptabilidade a um “mundo em mutação”, numa perspetiva de “inclusão”, em que é redefinida a noção de “sucesso” de acordo com a “capacitação” de cada um e não a partir de uma “parametrização” ditada por uma conceção educacional oitocentista, recusando a visão imobilista e conservadora que encara as escolas como um espaço limitado por paredes físicas e conceptuais e condicionada pela avaliação dos produtos da aprendizagem e não pela diferenciação dos processos de ensinagem.
Agora, por favor, releiam o último parágrafo de um só fôlego e tentem não sorrir tanto quanto eu ao escrevê-lo.
Paulo Guinote
Fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário