domingo, 9 de setembro de 2018

As viagens não têm de parar porque a escola recomeçou

É oficial. As aulas já recomeçaram ou estão prestes a recomeçar, as rotinas matinais começam a reinstalar-se com mais ou menos estrondo e os sentimentos das crianças e dos pais costumam oscilar, numa manifesta bipolaridade, entre o “ufa!, ainda bem que já começaram porque as férias dos pais não duram dois meses e meio” e o “que pena, agora é que as viagens estão baratas e nós conseguíamos ir os quatro fazer aquela viagem que andamos sempre a adiar para conhecer a Islândia”. Para as famílias que gostam de viajar e andar a conhecer territórios e realidades mais ou menos distantes, o arranque do ano lectivo não tem de ser uma frustração.

Não há pai nenhum que não considere que aprender é importante, mas há alguns que acreditam que a escolaridade, mesmo sendo obrigatória, não tem necessariamente de ser rígida. É possível os miúdos progredirem na escola enquanto andam a viajar com os pais.

Uma das primeiras notícias que vou dar à diretora de turma da escola da minha filha mais velha, que vai este ano para o sexto ano, é que vai faltar logo na semana seguinte ao arranque da escola. O mais novo ainda está na infantil — e lá na escola já estão habituados, porque há seis anos a mais velha faltou à escola durante um ano. Agora a ambição é bastante mais curta. As promoções de voos para a Islândia aconteceram mesmo e conseguimos comprar voos para quatro pessoas pelo preço de uma. Pode não parecer a postura mais canónica, e acredito que não é atitude que se possa ter em qualquer altura do ano — até porque isso pode prejudicar os miúdos e trazer-lhes ansiedades, por causa de testes e trabalhos (às vezes dou por mim a pensar como é incrível que aos dez e onze anos de idade o peso da responsabilidade os limite na alegre e importante missão de serem crianças).

Mas a meu favor levarei os argumentos de que nas primeiras semanas de escola a matéria lecionada será facilmente recuperável. E que nas aulas de História, Geografia e Ciências lhes será mais fácil compreender as teorias dos vulcões e dos geisers, do aquecimento global e dos impactos das alterações climáticas. Não há melhor maneira de os educar para a preservação da natureza do que mostrá-la e senti-la.

Três crianças num barco

Famílias há que fazem das viagens um modo de vida, e os tripulantes do veleiro El Caracol bem podem dizê-lo. Catarina Freitas, ex-engenheira do ambiente, e o marido Jorge, ex-consultor, viveram em Macau entre 2011 e 2014. Foi aí que começaram a sonhar com uma viagem de aventura, enquanto trabalhavam e poupavam dinheiro para a travessia. Saíram de Cascais com os três filhos menores (Gonçalo, Lia e Rodrigo) em março de 2015, apanharam um voo para Santa Lucia, nas Caraíbas, onde Jorge tinha acabado de comprar o barco, semanas antes, e ainda não regressaram a casa. E não têm grandes planos para o fazer. “Viemos explorar o nosso planeta da forma que nos pareceu mais adequada e em família. Planeamos um ano de cada vez e depois logo se vê o que acontece. Foi a forma que encontrámos para não ter pressões”, explicou Catarina Freitas.

Mas, e a escola dos miúdos? “Estão há três anos em ensino doméstico. “Ainda em Portugal, e antes de virmos para o barco, optámos por transferir as crianças para esta modalidade para nos irmos adaptando. Sabíamos que os primeiros tempos iriam ser delicados... mudar de país, mudar de ‘casa’, mudar de estilo de vida, mudar de método de ensino, iam ser muitos ‘mudares’”, admite Catarina. Nas malas levaram os livros escolares correspondentes a cada ano de ensino. Já a bordo, o ritual da escola sempre começou de manhã, depois do pequeno-almoço. “Dois pais para três filhos pareceu-nos uma boa média, tendo em conta que na escola é um professor para vinte e tal alunos”, brinca Catarina, no post do blogue Entretanto a Bordo, onde a família vai contando as suas aventuras.

Atualmente as crianças estão inscritas na escola Clonlara, que já funciona em Portugal, e que é reconhecida pelos seus currículos alternativos, que permitem às crianças seguir as suas curiosidades e desenvolver os seus pontos fortes, ao mesmo tempo que exploram o mundo e o experienciam enquanto espaço de aprendizagem. “A avaliação é feita em conjunto com um tutor com base em reuniões via Skype/Whatsapp e relatórios semestrais enviados por nós”, explica Catarina, dizendo que tudo tem corrido bem.

Desde que adoptaram este estilo de vida, a família de Catarina Freitas só veio a Portugal uma vez, no verão de 2016. O Gonçalo e a Lia tiveram algumas dificuldades no início, “felizmente em alturas diferentes”. “A Lia foi a primeira a acusar saudades passados dois meses de viagem. Dizia que o barco era giro mas que já era tempo de voltar para Portugal e que afinal só queria voltar ao barco nas férias. O Gonçalo foi mais tarde e mais profundo, mas acabou por passar.”

Gonçalo, o mais velho, regressou a Portugal para fazer o 12º ano. Os mais novos vão continuar perto dos pais, que para já têm como objetivo chegar à Micronésia, com paragem nas Fiji, Tuvalu, Kiribati e ilhas Marshall. “Depois de terminada a época dos ciclones a ideia é voltar a descer para o hemisfério Sul e conhecer as ilhas Vanuatu e Nova Caledónia. Mas até lá ainda falta e muita coisa pode acontecer”, admite Catarina. Um mar de cada vez. Planeada inicialmente para três anos, afinal a aventura vai continuar. Sem grandes planos. Nós, por cá, vamos viajar durante dez dias. Depois temos de voltar a levar as crianças à escola. Outra vez.

Fonte: Público

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