terça-feira, 6 de setembro de 2016

Quando professores e alunos aprendem a comunicar, as coisas mudam na sala de aula

Em casa, Vera Caldeira, 14 anos, não era como nas aulas, onde preferencialmente não abria a boca. “Ela não era calada, mas agora até fala demais, impõe-se mais”, ironiza a mãe. Mas a novidade maior é que Vera também mudou nas aulas. “Até já peço para falar”, revela.

Vera e a mãe estão sentadas numa sala no Parque das Nações, em Lisboa, onde também se encontram vários dos 32 alunos e professores que, no último ano letivo, estiveram envolvidos num projeto que tinha em vista a melhoria das suas competências de comunicação. Juntaram-se para relatar esta experiência (...).

“Todos falam, mas poucos comunicam. É o que temos constatado nas empresas e agora também nas salas de aulas”, resume Sara Batalha, uma antiga jornalista que dirige a MTW Portugal, uma filial de uma empresa norte-americana vocacionada para o treino de executivos, mas que nos últimos meses se aventurou por outras paragens, trabalhando com professores e alunos de duas escolas da região de Lisboa.

Anabela Brito, professora de Português e Francês do 3.º ciclo e ensino secundário, no agrupamento de escolas de Vialonga, foi uma das que participaram na formação providenciada por Sara Batalha. É docente há 32 anos. Dá conta de que, no ano letivo passado, foi de novo diretora de uma turma muito difícil. Por se encontrar num meio carenciado, o agrupamento de Vialonga faz parte das mais de 100 escolas do país classificadas como Território Educativo de Intervenção Prioritária (TEIP). “Percebi que tinha de mudar os métodos de trabalho em sala de aula, mas não sabia como e este projeto deu-me as ferramentas necessárias para no fazer”, diz.

E o que mudou então nas aulas desta professora? “Ao perceber melhor como eram os meus alunos, optei com mais frequência por um trabalho colaborativo entre eles, organizando grupos e propondo-lhes um guião, que tinha como trabalho final a elaboração de um caderno de poesia e a realização de um sarau para os pais”, descreve Anabela Brito. E assegura: “Resultou!”

Mas antes, acrescenta, mudou também a sua forma de comunicar com os alunos, o que passou inicialmente por perceber quais eram as suas características dominantes e também as dos jovens que tinha à frente. “Às vezes há pequenas coisas em sala de aula que se tornam um grande obstáculo porque não sabemos qual o tipo de pessoa que um aluno é”, comenta.

Águia ou pomba?

Na base do projeto desenvolvido pela MTW, em parceria com a Direção-Geral de Educação, está o chamado método DISC desenvolvido pelo psicólogo norte-americano William Marston, que identificou quatro padrões básicos de comportamento, que influenciam a forma como se reage a situações e o modo como se comunica. São eles a dominância, a influência, a estabilidade e a conscienciosidade, traços que um outro norte-americano, o empresário Merrick Rosenberg, associou a quatro pássaros – águia, papagaio, pomba e mocho. No projeto Inspirar, motivar e levar à ação, proposto pela empresa de Sara Batalha, a primeira etapa passa por descobrir com quem se é mais parecido, tendo em conta as características de cada um, sendo que em cada pessoa podem coexistir vários traços de perfis diferentes. E depois tentar ver os outros segundo este mesmo padrão.

Os professores tiveram uma formação de 32 horas. As sessões para os alunos perfizeram 18 horas. (...) o Ministério da Educação (ME) revelou que está interessado a passar a uma “segunda fase de experimentação” deste projeto, “envolvendo mais professores, no sentido de pilotar um processo de formação de formadores em algumas escolas”.

Segundo o ME, para os participantes da primeira fase, professores e alunos, “a experiência foi tida como muito enriquecedora e formativa”. O alargamento do projeto, acrescenta, pode "vir a contribuir para mitigar lacunas deixadas pela formação inicial, no que respeita à área da comunicação”. 

Não basta dizer: muda

Andreia Balhico, 14 anos, aluna do agrupamento de Vialonga, descreve um dos vários jogos que integraram as atividades propostas na formação. “Havia uma primeira ronda onde nos tínhamos de apresentar como sendo muito negativos, na vez seguinte passámos para o oposto, e ficámos muito positivos, e a concluir tentámos uma posição de equilíbrio. A moral desta história é que não devemos ter uma característica que se sobreponha a todas as outras”, conta. “Ajudou a adaptar-me aos outros, para que não haja má comunicação, a expor melhor as minhas ideias nas aulas e a explicar onde sinto mais dificuldades.”

“Um professor pode saber muito mas se não sabe comunicar isso não lhe vale nada”, constata Sandra Pinheiro, docente de Matemática do 3.º ciclo no Colégio Cesário Verde. É professora há 15 anos e diz que esta formação a levou a mudar o tipo de aulas e o relacionamento que tem com os alunos. Como? “Passei a ter consciência de que tinha de trabalhar de forma diferente com cada grupo, tendo em conta as suas características principais. Por exemplo, há os que precisam de começar quase logo com trabalhos práticos, porque a meio de uma exposição oral mais longa desligam, e também os que pelo contrário esperam mais pormenores."

Também percebeu porque é que os seus incentivos para que Vera Caldeira fosse mais ativa nas aulas caíam em saco roto: “Não basta dizer, como eu fazia, que tinha de ser mais extrovertida." Vera concorda para explicar depois: “Mudei porque primeiro percebi que o podia fazer, depois porque a Sara nunca desistiu de mim e também porque eu própria queria mudar."

Fonte: Público por indicação de Livresco

1 comentário:

Zé Morgado disse...

Confesso que quando vi este título no Público, “Quando professores e alunos aprendem a comunicar, as coisas mudam na sala de aula”, fiquei algures entre o curioso e o perplexo.
A leitura da notícia deixou-me ainda mais, nem sei como dizer, talvez “enduvidado”, isto é, cheio de dúvidas.
(...)
http://atentainquietude.blogspot.pt/2016/09/da-comunicacao-em-sala-de-aula.html