Em tempos difíceis de prolongada e muito intensa crise económica, financeira e social, com efeitos devastadores – em que assistimos à delapidação de patrimónios não apenas de ordem material, mas atingindo também os de ordem imaterial – é boa altura para voltar a refletir sobre a importância que se deve conceder a fatores que ajudam a promover o desenvolvimento e a colaborar na superação, com maiores ou menores dificuldades, dos obstáculos de toda a ordem que são suscitados pelas crises, por mais complexas que elas se apresentem.
A crise tem provocado uma crescente fragilização de muitas instituições, tem acentuado as desigualdades entre os mais ricos e os mais pobres e tem provocado um assustador aumento da pobreza.
No que respeita à pobreza constatamos que, nos últimos anos, a taxa de risco de nela cair no espaço da União Europeia subiu. De acordo com dados revelados em 2014 pelo Comité de Proteção Social da UE, sobre as condições de vida e de rendimento neste espaço geográfico, não se estão a fazer quaisquer avanços na prossecução dos objetivos da Europa 2020, quanto à pobreza e à exclusão social. Entre 2008 e 2012, o número de pessoas a viver em situação de pobreza ou de exclusão social aumentou em 6,7 milhões, passando o seu total, nos 28 Estados-membros, para 124,2 milhões de pessoas, ou seja perto de 1 em cada 4 europeus.
Estes números têm de nos fazer reflectir sobre o tipo de políticas e de projectos que têm sido adoptados e promovidos no combate à pobreza e à exclusão social e que não ajudam a contrariar o acentuado crescimento deste gravíssimo problema.
Ora o que se impõe é atacar a raiz dos problemas, que são de natureza diversa e muito complexos. O objetivo tem de passar a ser o de procurar erradicar as causas do sofrimento em vez de se limitar a tratar os sintomas e aliviar a tensão.
E na raiz dos problemas está, quase sempre, o baixo nível educativo das pessoas que estão em situação de pobreza e exclusão social ou em risco de nelas caírem. Não tenhamos, obviamente, a ilusão de que a educação, por si só, resolve os problemas de desenvolvimento e de combate à pobreza e exclusão social, mas é inegável que ela é um fator essencial para assegurar o sucesso das políticas que querem promover esses objetivos. Não se conhece, aliás, nenhum caso em que se tenha promovido o desenvolvimento sem níveis elevados de educação da população.
A educação é, essencialmente, o mais relevante fator para promover, sustentadamente, a igualdade social ou, usando a linguagem consagrada pela UE, aumentar a coesão social. E tem que se apostar na educação desde os primeiros anos de vida, sem nunca descurar o restante percurso educativo, sob pena de se pôr em causa o esforço empreendido no início da vida. Educar é valorizar e potenciar o desenvolvimento das pessoas e a educação acompanha-as desde o nascimento até à morte, numa lógica de aprendizagem ao longo da vida, através de atividades de educação formal, não formal e informal.
Há inúmeros estudos, sobretudo internacionais, que demonstram como o aumento dos níveis educativos das pessoas contribuem, para além do desenvolvimento económico, para importantes melhorias nos níveis de saúde, para a promoção das questões ambientais, para o aumento do emprego, para o desenvolvimento da ciência, para reduzir a dependência da segurança social ou ainda para reduzir os problemas com a justiça.
Mas os aspetos acabados de referir só são relevantes na exata medida em que se promove a educação e as suas atividades formativas, consolidando o aumento efetivo do nível educativo das pessoas e a sua formação integral e não estimulando intervenções adjacentes, não integradas e compatibilizadas com a estratégia formativa das diversas instituições educativas. Aliás, a prática educativa não é, geralmente, compatível com atividades espetaculares que condicionam negativamente a eficácia dos seus resultados. A educação é uma atividade que convive muito melhor com a sobriedade, com a estabilidade, com processos de mudança gradual e não com práticas disruptivas.
Como muito bem lembrava o Coronel Vítor Alves (valoroso “capitão de Abril” que, em circunstâncias particularmente difíceis, foi um Ministro da Educação notável), em educação reforma-se, não se fazem revoluções.
No atual quadro de desenvolvimento educativo, em que enfrentamos sérios desafios para alcançar até 2020 importantes objetivos educativos no contexto europeu, que nos permitam afastar da cauda da lista dos países deste espaço onde estamos integrados, quer quanto aos níveis de insucesso e abandono escolares, quer quanto aos níveis de frequência do ensino superior, quer quanto ao nível de diplomados, quer ainda, entre outros aspetos, pela necessidade de melhorar os resultados dos nossos jovens nos testes de comparação internacional de conhecimentos em diversas áreas científicas, não se pode afrouxar na prioridade a conceder à educação.
E perante a enorme vastidão de desafios de que se reveste a melhoria quantitativa e, sobretudo, qualitativa, da educação no nosso país, não se pode nem se deve deixar ao Estado o monopólio dessa tarefa. Ela é uma grande responsabilidade do Estado, mas tem de, necessariamente, ser partilhada por toda a sociedade e, sobretudo, por todos os protagonistas mais relevantes que têm condições e deveres para a desempenhar.
Há hoje múltiplos domínios em que a colaboração de parceiros externos pode ser ou continuar a ser altamente relevante no sentido de melhorar e modernizar os processos de aprendizagem. Longe de querer ser exaustivo, estou a lembrar-me, a título meramente exemplificativo, o desenvolvimento de novas áreas de conhecimento ou o reforço de áreas essenciais, que têm merecido menor atenção no processo educativo, como as que promovem a aquisição de competências não cognitivas, ou ainda, no quadro do ambiente digital em que vivemos, a promoção da modernização dos espaços educativos e do apoio a respostas educativas adequadas para enfrentar este desafio.
Quanto à necessária prioridade a conceder ao aumento do nível educativo da população, recordemos que também a UE, nas suas iniciativas Europa 2020 atribui prioridade assinalável ao investimento na educação, porque, para além de tudo o que já se disse, ela torna os países mais capazes de beneficiar com a globalização. Por outro lado, tem-se verificado uma crescente procura de trabalhadores com maior educação superior e uma crescente marginalização das pessoas menos qualificadas.
O passado é procurar substituir, sem sólido fundamento, o esforço e o empenhamento no processo educativo por outras iniciativas, que por mais meritórias que possam parecer, desviam a atenção dos bem mais importantes e relevantes objectivos educativos que contêm, como se referiu, as sementes do futuro.
A aposta no futuro é a aposta na educação. É uma aposta que permanentemente se renova e que contribui para o bem-estar e felicidade das pessoas e para o desenvolvimento em todos os seus domínios.
A melhor maneira de sustentar a competitividade de um país e de uma sociedade é através da educação e da formação das pessoas, porque, a longo prazo, a força e vitalidade das sociedades depende, em grande parte, da robustez das suas creches e infantários e do apoio às suas escolas e universidades. Ela é a base da criatividade e da inovação.
Como disse, promover a educação é enfrentar causas que condicionam o desenvolvimento dos países e das sociedades.
Manuel Carmelo Rosa
Jurista e ex-membro da Comissão Coordenadora do Conselho Nacional de Educação
Fonte: Público por indicação de Livresco
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