A revelação deixou a mãe em choque. Ao contrário do que lhe dissera ao longo do ano letivo, a filha, de 14 anos, tinha várias negativas e estava tapada por faltas. Reprovar era quase certo. Conhecendo o temperamento do marido, que estava numa viagem de trabalho e regressaria dali a dois dias, a mãe agiu em desespero: aproveitou o facto de frequentar o mesmo salão de beleza da diretora de turma e pediu ajuda à cabeleireira, amiga de longa data, que lhe deu a morada da sua cliente. No dia seguinte, estava a bater-lhe à porta.
"Ficou desconcertada, mas aceitou falar comigo", recorda a mãe. Cláudia nem era má aluna, apesar de o 7º ano ter sido uma desgraça para a adolescente de Viana do Castelo: tivera cinco negativas no primeiro período, quatro no segundo, e recuperara apenas uma das notas no último. "Tinha-se perdido um bocadinho, mas eu acreditava que seria pior se reprovasse. E sentia-me culpada, sabia que não tinha estado tão presente como era suposto, queria dizer isso à professora", conta a empresária e encarregada de educação (...).
Não foram mais do que cinco minutos de conversa: a docente prometeu que falaria sobre o assunto na reunião de professores e que teria em conta as capacidades da miúda, sua aluna desde o 5º ano. "Arrependi-me. Até porque de nada serviu. Se fosse hoje, não o teria feito", garante a mãe. O pior cenário confirmou-se dias depois: como Cláudia estava tremida a várias disciplinas, os professores acharam que devia repetir o ano e reprovaram-na com cinco negativas. O pai foi implacável: não a deixou ir de férias e obrigou-a a ter explicações durante todo o Verão.
Falso psiquiatra
Manuela Marques, professora de Francês e Português, já se deparou com vários pais que tentaram persuadi-la no fim do ano letivo. Alguns com o objetivo de facilitar a passagem de ano aos filhos, outros apenas por competitividade, "questionando notas". Hoje, "esses casos são raros", mas a professora chegou a receber a mãe de um rapaz do 9º ano, que a tentou convencer de que o fracasso do seu filho estava relacionado com um problema psiquiátrico. Para dar crédito à justificação, fez-se passar por médica e "disse que o filho sofria de um problema relacionado com um atraso afetivo, e que chumbar agravaria a situação". "Acabei por lhe dar o três. No ano seguinte, descobri que tinha sido enganada."
Manuela Cunha, psicóloga, diz que a "persuasão nunca terá efeitos positivos a longo prazo" e explica-se porque "os pais encaram o insucesso dos filhos como um fracasso pessoal, uma 'vergonha' social, um estigma". "Abordar um professor nesse sentido é o caminho mais fácil, é não se confrontarem com a realidade de que não investiram o suficiente enquanto pais e educadores", explica (...). Resulta de um sentimento de culpa que é comum à maioria dos pais quando os filhos reprovam - filhos que nem sempre conseguem ouvir deles muito mais do que um "já fizeste os TPC?".
Por favor, reprove-a
É por isso que a psicóloga defende que, em certos casos, reprovar pode ajudar a consolidar conhecimentos e a preparar o futuro. "Embora se trate de uma sentença imediata, pode salvar a construção de uma carreira." Essa avaliação é delicada, tendo em conta que há "dificuldades de aprendizagem que podem ser de caráter temporário, resultantes de fatores biopsicossociais, que minam o percurso escolar". O segredo passa por acompanhar em permanência os filhos. "O sucesso de um aluno é o resultado da soma entre família e escola. Esta equação é fundamental."
Também há pais que abordam os professores porque consideram que os filhos não estão preparados ou não têm a maturidade necessária para passar de ano. Sofia Cardoso, professora do 1º ciclo, viveu uma situação insólita com uma aluna do 4º ano. Aconteceu durante o terceiro período, numa escola problemática do concelho de Braga, onde deu aulas durante mais de uma década. "A aluna já tinha 14 anos, mas eu nunca a tinha ouvido falar. Recusava-se a ler em voz alta e não respondia 'presente' na chamada, apesar de tirar notas positivas nas avaliações escritas", recorda a professora (...).
Quando lhe comunicou que não a podia passar para o 5º ano sem a ouvir ler, a miúda mudou de atitude: começou a ir ao quadro e leu em voz alta "para mostrar que era capaz". O inesperado aconteceu a dias do fim do ano letivo, quando a mãe foi à escola e pediu uma reunião com professora. Ao entusiasmo da docente porque a aluna tinha finalmente começado a ler, a mãe respondeu com um ataque de choro: "Queria que ela chumbasse, mas recusava-se dizer-me porquê". A professora manteve-se firme até que, ao fim de uma hora de conversa, a mãe abriu finalmente o jogo. "Fiquei incrédula. Como a filha já tinha 14 anos, disse-me que ia perder o abono. Mas acabou por perceber que estava a prejudicar a miúda."
Artigo publicado originalmente na edição 632 da SÁBADO, de 8 de Junho de 2015.
Fonte: SÁBADO por indicação de Livresco
Sem comentários:
Enviar um comentário