quinta-feira, 23 de março de 2023

Queremos mais professores em Portugal? Um olhar sobre o modelo inglês

O tema tem ganhado especial importância, uma vez que o nosso sistema de ensino enfrenta um grave problema de falta de professores. De facto, já no início do ano lectivo 2022/2023, estimava-se que cerca de 110 mil alunos não tivessem professor a pelo menos uma disciplina.

Perante a necessidade urgente de repensar o recrutamento dos professores, vale a pena olharmos para a experiência de países com um sistema muito diferente do nosso, como é o caso de Inglaterra.

A diferença mais notória é que todas as escolas, incluindo as públicas, têm autonomia para contratar diretamente os seus professores. Contudo, o contraste entre os dois sistemas é tão gritante que, em Inglaterra, até as qualificações necessárias para se ser professor variam consoante o tipo de escola, seja ela pública, privada ou mista.

Simplificando, podemos dizer que o tipo de escola mais clássico em Inglaterra são as escolas públicas geridas pelas autarquias ou pelo Estado. Todos os professores que ensinam nestas escolas públicas são obrigados a ter uma qualificação (designada por Estatuto de Professor Qualificado, ou Qualified Teacher Status).

Contudo, há ainda outras escolas públicas, normalmente geridas por privados, com enorme autonomia de gestão: as academias (academies) ou escolas livres (free schools). Estas escolas são geridas por organizações sem fins lucrativos, e representam 39% das escolas primárias e 80% das secundárias no sistema de ensino público inglês (e o governo inglês já afirmou pretender que, até 2030, todas as escolas públicas se tornem academias e se agrupem em consórcios para criar economias de escala, chamados trusts). Este ponto é importante, e talvez até chocante para um português, porque os professores que ensinam nestas escolas — e também os das escolas cem por cento privadas — não estão sequer legalmente obrigados a ser professores qualificados. Apesar disso, como as escolas escolhem livremente os professores e estes querem destacar-se para entrar nas escolas da sua escolha, o que acontece na prática é a maioria dos professores nas academias acabar por ter essa qualificação.

Mas então como é que os professores entram para o sistema de ensino? As vias e os mecanismos são de tal forma amplos e flexíveis, que os Ingleses tratam a formação inicial como um verdadeiro «mercado» de formação inicial de professores (Initial Teacher Training market).

A primeira via possível são as licenciaturas em educação, que duram normalmente de três a quatro anos e garantem a qualificação como professor. Esta foi a via seguida por apenas 14% dos novos professores estagiários em 2020/2021.

De facto, a grande maioria dos novos professores segue antes outro caminho. Depois de concluírem um curso universitário à sua escolha, fazem uma pós-graduação ou um mestrado que os qualifica para a docência, mas estes cursos pós-graduados podem tanto ser feitos nas universidades como diretamente nas escolas. A via universitária é a mais seguida: em regra faz-se um curso de pós-graduação em Educação com a duração de um ano lectivo, com período de colocação numa escola, para obter o Certificado de Formação Pós-Graduada em Educação (PGCE — Postgraduate Certificate in Education).

Se a formação for feita diretamente na escola, os candidatos podem escolher cursos pós-graduados desenhados e implementados por grupos de escolas acreditados pelo Ministério da Educação, a chamada formação inicial de professores em escola (SCITT — School-Centred Initial Teacher Training). No entanto, uma escola individual e não agrupada também pode dar esta formação, podendo assim o candidato ser empregado por ela e receber um ordenado durante a formação.

Em qualquer caso, mesmo que um professor decida prosseguir a formação inicial na escola, a escola também pode estabelecer parceria com uma instituição de ensino superior para o Certificado de Formação Pós-Graduada em Educação. É também importante deixar nota que estão disponíveis várias bolsas e empréstimos para determinados candidatos, com montantes que, dependendo das necessidades e previsões de recrutamento, variam por disciplina. (Por exemplo, em 2022, a bolsa para futuros professores de Matemática ou Química chega aos 27 mil euros, enquanto a de Geografia ronda os 17 mil.)

Além das universidades e das escolas, o mercado da formação inicial é também muito influenciado por organizações de outra índole, que têm um papel importantíssimo. Talvez a mais marcante seja a Teach First, organização sem fins lucrativos que, desde 2003, recruta professores para o sistema de ensino. Um dos principais focos do programa era o de colocar os futuros professores em regiões mais desfavorecidas, onde habitualmente é mais difícil recrutar e manter professores nos quadros. Atualmente, a Teach First recruta cerca de 5% dos novos professores. Outros esquemas, de menor escala (como o Now Teach), procuram incentivar profissionais experientes de outros setores a mudarem de carreira e a tornarem-se professores.

De acordo com o relatório Teaching and Learning International Survey (TALIS) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), os professores ingleses são, em média, 10 anos mais novos do que os portugueses. De facto, em Inglaterra, apenas 18% dos professores tinham mais de 50 anos: um contraste brutal com a percentagem de 47% acima dos 50 anos em Portugal e a média de 34% nos países da OCDE.

O sistema de ensino português tem certamente algumas vantagens em relação ao inglês — por exemplo, a maior capacidade portuguesa de reter os professores no corpo docente. Com grande número de professores em final de carreira, e dadas as condições do mercado de trabalho, Portugal é mesmo o país da OCDE onde menos professores pensam deixar a profissão nos próximos cinco anos. Ainda assim, os dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) são inequívocos e assustadores. Portugal enfrenta um problema sério de renovação: até 2030, cerca de 39% dos professores vão atingir a idade da reforma.

A revisão do sistema de colocação de professores em Portugal terá de responder a um problema quer de curto, quer de longo prazo. Em ambos os casos, olhar para os resultados e para a evidência de outros países dá-nos sempre um caminho para as boas soluções.

Miguel Herdade

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