Com o processo de Bolonha a formação de professores mudou radicalmente. Atualmente, é feita através da frequência de um curso de mestrado em Ensino, que devia durar dois anos, já com tese/relatório de estágio, mas, como veremos a seguir, na prática, isso não acontece.
Para frequentar o curso de mestrado em Ensino, com a duração de dois anos, os candidatos devem ter uma licenciatura e créditos suficientes na especialidade do mestrado (por exemplo, no caso da Biologia e Geologia, para além de uma licenciatura, têm de ter créditos suficientes em Biologia e Geologia). Para aceder ao mestrado, têm ainda de se submeter a uma prova escrita e oral de Português e obter aprovação.
Ingressados no primeiro ano do curso de mestrado em Ensino, os alunos têm aulas, que decorrem, sobretudo, na universidade. Na nossa opinião, o maior problema desta nova modalidade de formação de professores está no quinto ano (2.º ano de mestrado), que inclui o estágio. No passado, os alunos estavam praticamente imersos no ambiente escolar. Neste momento, isso não acontece.
No quinto ano, ano de estágio, sobretudo no primeiro semestre, os alunos têm uma sobrecarga de aulas, na universidade, restando-lhes pouco tempo para se dedicarem à preparação das aulas que irão lecionar no segundo semestre, quando estiverem na escola, sendo de realçar que, mesmo no semestre de estágio, os alunos estão na escola apenas a tempo parcial.
No quinto ano, os alunos apresentam-se na escola, com o intuito de irem conhecendo o ambiente escolar e as turmas do orientador, mas, como o mestrado exige que sejam formados numa componente de investigação, começa o maior problema. Os alunos devem fazer um pré-projeto de investigação que têm de entregar ao supervisor da universidade, até ao dia 31 de outubro do ano letivo em que iniciam o estágio. O pré-projeto é sobre avaliação de uma intervenção pedagógica que irão desenvolver ao longo do segundo semestre.
Mas a questão é: como é que alunos, sem qualquer formação sobre investigação educacional, podem fazer este projeto, num tão curto espaço de tempo? Já preparar as aulas (neste caso a intervenção) é difícil, dada a quantidade de UC que têm na Universidade no ano de estágio, quanto mais desenvolver instrumentos e métodos para a avaliar?
Daqui resulta que os alunos acabam por se focar muito nesta componente investigativa e menos nas tarefas de preparação das aulas, tais como: estudar as matérias, fazer planos de aula, avaliar, etc.
Como já foi dito, no primeiro semestre do segundo ano de mestrado, a par da elaboração deste pré-projeto, os alunos têm muitas aulas na universidade, chegando ao semestre em que vão lecionar com muitos trabalhos do primeiro semestre das várias Unidades Curriculares ainda para elaborar, o que faz com que, por vezes, se perca o foco na tarefa fundamental do estágio e do estagiário que é a implementação da intervenção e a sua avaliação.
Atualmente, o processo de avaliação do estagiário é muito mais complexo do que era antes de Bolonha. No final do segundo semestre, os estagiários têm de entregar dois documentos: um portfólio com as atividades pedagógicas desenvolvidas, reflexões sobre as aulas, entre outros, ou seja, um documento semelhante ao dossier de estágio que era entregue no modelo de estágio integrado, embora mais completo; e o Relatório de Estágio, o projeto de investigação que aborda a implementação e avaliação de uma intervenção pedagógica desenvolvida ao longo do segundo semestre, que deverá ser entregue até 31 de outubro (após a conclusão do estágio na escola, em junho), tendo de esperar que seja marcado um júri, constituído por quatro elementos, a data de defesa e defender a tese/relatório, o que arrasta muito o processo.
Tudo isto, além de complicar muito o processo de formação, sem ganhos apreciáveis e com perdas (desfoque no essencial, que é a preparação e lecionação das aulas), faz com que a formação de professores, que devia ser de 5 anos (3 de licenciatura e 2 de mestrado), leve, em muitos casos, mais meio ano, ou mesmo, um ano, ou seja, será, na prática, um curso de seis ou mais anos. Muitos (demasiados) alunos ficam, após terminar o estágio, a fazer o relatório, o que é desgastante para o estagiário e para o orientador.
Para um país que precisa de professores, isto é de uma grande incoerência. Este relatório pode atrasar a formação de professores um semestre, um ano, ou mais. Muitos alunos, que são trabalhadores estudantes, muitas vezes, optam por desistir e dedicar-se a dar apoio em centros de explicações, ou a outras atividades, ou mesmo profissões.
Soluções? Simplificar sem perder qualidade. Menos aulas no primeiro semestre do quinto ano e mais contacto com a prática. Os alunos deviam ter uma turma na qual lecionem autonomamente, embora com uma supervisão próxima e competente.
É urgente a simplificação dos relatórios de estágio que deve começar pela redução do número de páginas do modelo. Este documento devia ser a descrição de um ou mais métodos de ensino em que a intervenção foi fundamentada e uma reflexão sobre os resultados da mesma. A entrega e a defesa do relatório deviam ser feitas em junho ou julho. Atualmente, como a grande maioria dos estagiários não tem tempo de elaborar o relatório de estágio no final do ano de estágio, a entrega e a defesa do mesmo arrastam-se no tempo. Acontece que depois a defesa do relatório é feita, em grande parte dos casos, quase isoladamente, apenas com a presença do júri, do candidato e pouco mais. Ora, a defesa pode e deve ser um momento formativo de qualidade. Seria enriquecedor fechar o ano com a defesa das teses, num ou dois dias dedicadas para o efeito, sendo a assistência obrigatória. Atualmente, é um momento formativo desperdiçado.
Até este momento, neste artigo, discutiram-se os problemas relacionados com o estágio e com os estagiários. Mas há também questões que envolvem os orientadores, da escola e da universidade. Aos primeiros não é dado tempo para se dedicarem aos estagiários. Aos segundos, os da universidade, o tempo de acompanhamento e orientação é reduzido, sendo que, no primeiro semestre do quinto ano, nem é contabilizado na carga horária, e, no segundo semestre, o tempo é, em muitos casos, insuficiente para a orientação de tantos estagiários. Para finalizar, convém referir que, no final do quinto ano e até à entrega e defesa do relatório, o supervisor da universidade não tem qualquer serviço relacionado com a orientação do relatório incluído na sua carga horária. Anteriormente, a orientação era entendida como um trabalho académico, no entanto, com Bolonha, o número de alunos a fazer tese/relatório é muitíssimo mais elevado e, por isso, é preciso contabilizar o tempo dedicado a estas orientações.
Em suma, é importante repensar continuamente o modelo de formação dos professores para simplificar sem, no entanto, perder qualidade, aumentando o contacto dos estagiários com a escola, o seu futuro local de trabalho, e tornando a avaliação uma experiência formativa mais enriquecedora.
Fonte: Público por indicação de Livresco
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