quarta-feira, 1 de março de 2023

A adolescência está a começar mais cedo. E a culpa é do estilo de vida

O processo precoce tem-se notado, principalmente, nas raparigas. Mas são vários os estudos que parecem não deixar dúvidas: a puberdade está adiantada. Para sermos precisos, um a dois anos de antecipação, se compararmos com o início do século XX. Nas raparigas, a puberdade é marcada pelo desenvolvimento mamário (também chamado de telarca). Nos rapazes, pelo aumento do volume dos testículos. Um capítulo a explorar mais à frente: as transformações: físicas e psicológicas.

Mas se é certo que a puberdade está a acontecer mais cedo, não há consenso quanto à explicação para o fenómeno. É multifatorial, resume Sérgio Neves. O pediatra especializado em medicina do adolescente, do Hospital dos Lusíadas, aponta a melhoria das condições de saúde como o principal motor para este adiantamento. E não são apenas os cuidados de saúde na adolescência, mas de todos os que a antecedem. Desde a maternidade, neonatal e infância. Melhores condições de saúde, a par de melhores condições de vida, como a alimentação, são fatores que podem levar a que a puberdade aconteça, agora, mais cedo. “Atingimos a potencialidade do ser humano.”

Ainda que o pediatra aponte a saúde e a alimentação melhoradas como os dois pilares que têm levado a que a puberdade aconteça cada vez mais cedo, lembra também que é uma área ainda por compreender totalmente. Primeiro, há que perceber como se dá a puberdade. O processo começa com o “acordar” do hipotálamo, explica Sérgio Neves. Uma vez maturado, o hipotálamo estimula depois a hipófise que, por sua vez, vai iniciar a produção de hormonas responsáveis pelas alterações físicas que espoletam nesta fase.

“Agora, o que leva a esse primeiro acordar do hipotálamo? Não há bem certezas.” Pensa-se que será uma complexidade de fatores, que vão desde a influência daquilo que comemos, aos medicamentos que ingerimos, até à luz solar a que estamos expostos. Ou seja, o momento de maturação do hipotálamo, que leva ao iniciar da puberdade, é influenciado por diversas variantes. “E não nos podemos esquecer que existem também diferenças neste tempo de amadurecimento entre os géneros e entre etnias”, nota o pediatra.

Berta Pinto Ferreira, médica especialista em psiquiatria da infância e adolescência, apresenta alguns dados: “A puberdade precoce era tradicionalmente definida antes dos oito anos nas raparigas e antes dos nove nos rapazes”. Agora, essas balizas temporais parecem ter-se alterado. “Alguns estudos demonstram que 15% das raparigas iniciam o desenvolvimento das mamas aos sete e, aos oito, mais de 25% passam por esse processo.” Em suma, o que, há umas décadas era definido como puberdade precoce, hoje é cada vez mais comum. Berta Pinto Ferreira remata afirmando que é estimado que a “puberdade se tenha adiantado entre um a dois anos desde o início do século XX, especialmente entre as raparigas”.

Mas, afinal, que sinais físicos definem o aparecimento da puberdade? Nas raparigas, “o primeiro evento é o desenvolvimento mamário (telarca), logo depois seguido do aparecimento dos pelos pubianos (pubarca) e axilares e, mais tarde, do primeiro período menstrual (menarca)”. A psiquiatra detalha que este último momento, a menarca, decorre, geralmente, dois a três anos após o início do processo, ou seja, com o início da telarca. Já no caso dos rapazes, “o primeiro marco puberal é o aumento do volume testicular, seguido do aumento peniano e do aparecimento de pelos pubianos e axilares”.

O fator psicológico

O aparecimento precoce da puberdade não parece constituir nenhum problema físico ou de saúde, mas o mesmo não se pode afirmar a nível psicológico. Berta Pinto Ferreira descreve a adolescência, iniciada com a puberdade, como uma “fase de luto em relação à infância, às figuras parentais e à imagem corporal”, o que leva, por vezes, “a sintomas psíquicos”, como sintomatologia depressiva, crises de ansiedade, impulsividade, conflitualidade, entre outros. E a puberdade precoce poderá agravar estes sintomas, diz a psiquiatra, principalmente por causa dos “constrangimentos na rua ou na escola devido às modificações físicas e à falta de sintonia entre o amadurecimento físico e emocional”.

O pediatra Sérgio Neves destaca o sentimento de diferença como o grande “inimigo”. Sendo a puberdade um momento de grandes alterações físicas, não só as já referidas, mas também o aparecimento de borbulhas, o aumento da altura ou do peso, entre outras, podem levar a que um maturador precoce (nome dado aos adolescentes que começam o processo de puberdade antes da idade estimada) se sinta excluído dos pares. “Um adolescente que comece a puberdade antes de todos os outros colegas pode desenvolver sentimentos de não pertença e de revolta.” Assim, ainda que amadurecer mais cedo não constitua nenhum impedimento a nível físico e de saúde, é importante estar atento aos sinais psicológicos. E às atitudes de quem rodeia estes adolescentes.

“Por parecem mais velhos a nível físico do que são realmente a nível comportamental ou psicológico, os maturadores precoces podem sofrer de demasiada exigência que não está adaptada às suas capacidades”, alerta Sérgio Neves. O pediatra fala de pais, professores ou familiares que, considerando o desenvolvimento físico do indivíduo, impõem responsabilidades que não estão de acordo com a sua idade. Também por parecem mais velhos, continua o pediatra do Hospital dos Lusíadas, “têm tendência a procurar amizades fisicamente coincidentes consigo, acabando por ter amigos dois a três anos mais velhos que, nesta idade, podem significar a introdução a comportamentos nocivos antes de estarem desenvolvidas as capacidades para lidar com a situação”.

Maturadores tardios

O problema, no entanto, não reside apenas nos maturadores precoces, mas também nos maturadores tardios. “Neste caso, ainda que o corpo pareça mais infantil, a sua capacidade cognitiva é igual à dos pares, o que faz com que se exacerbem sentimentos de vergonha e de rejeição do próprio corpo.”

A puberdade é um momento de diversas alterações físicas, emocionais e comportamentais e, dentro desta fase de tantas mudanças, ser diferente dos colegas constitui uma dificuldade acrescida. Para lidar da forma mais natural possível com a puberdade e a adolescência, mesmo que precoces ou tardias, Sérgio Neves sugere que o trabalho comece a ser feito muito antes dos primeiros sinais de crescimento. “Naquela idade das birras, dos três aos cinco anos, é importante aprender desde logo a estabelecer limites, a impor regras e, acima de tudo, a gerir emoções.” Uma criança que saiba lidar com as suas emoções, mesmo as mais exacerbadas, será um adolescente que saberá lidar também com elas, considera o pediatra.

Para ajudar na construção do que diz dever ser uma relação de confiança, mas também de diálogo e autonomia, Sérgio Neves realça a importância de manter o acompanhamento médico constante. “Até aos nove anos, altura da última vacina, há uma grande preocupação em manter as visitas constantes ao médico com os filhos, mas, a partir daí, o contacto médico passa a ser apenas numa ótica de urgência e não de acompanhamento.” Por isso, defende o pediatra, é importante os serviços de saúde primários aproveitarem as consultas médicas por diferentes razões, para conversar com o adolescente e “porque os enfermeiros e médicos conseguem sinalizar problemas que a família, muitas vezes, não consegue”.

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