sexta-feira, 3 de março de 2023

Quando o assunto é a linguagem, qualidade vale mais do que quantidade

O domínio da linguagem pela criança é crucial para o seu desenvolvimento e está relacionado tanto com o sucesso académico como com a regulação das emoções. Durante este processo de aprendizagem, a interação com os pais tem um papel fundamental, sendo que a riqueza do discurso dos pais é mais importante para o desenvolvimento da linguagem dos filhos, na primeira infância, do que propriamente a quantidade, revela-se num artigo publicado na revista Child Development.

Para perceber qual a relação entre o input linguístico dos pais e o desenvolvimento da linguagem nas crianças, uma equipa coordenada pela psicóloga clínica Sheri Madigan, da Universidade de Calgary, no Canadá, produziu uma meta-análise, baseada em 52 estudos já publicados e focada em dois parâmetros: a quantidade e a qualidade do discurso. Sendo a quantidade definida pelo número de palavras e expressões dirigidas às crianças e a qualidade avaliada a partir da diversidade e da complexidade do discurso.

Na análise verificou-se que, de facto, existe uma forte relação entre a qualidade e a quantidade deste input linguístico e o desenvolvimento da linguagem nas crianças. No entanto, a qualidade do input vai tendo um impacto cada vez mais relevante, sobretudo a partir do primeiro ano de vida e até ao fim da idade pré-escolar. “Embora ambos os aspetos sejam importantes para a linguagem infantil, a investigação mostra que a qualidade do input linguístico está mais fortemente associada às capacidades verbais das crianças do que a quantidade, com o efeito da qualidade a aumentar à medida que a criança vai crescendo”, lê-se no artigo.

Se a quantidade pode ser importante no início do processo de aprendizagem da linguagem, a qualidade vai-se tornando mais relevante à medida que a criança vai sendo capaz de beneficiar de um discurso mais elaborado. Ou seja, usar expressões muito complexas pode não trazer grande benefício quando a criança está a começar a aprender a falar, mas vai-se tornando mais relevante a partir do ano de idade até aos seis.

Numa altura em que voltou a debater-se as assimetrias ao nível da linguagem entre crianças de diferentes condições socioeconómicas – um debate conhecido como o “gap de 30 milhões”, relativo à diferença de palavras a que estão expostas, até aos quatro anos, as crianças de ambientes mais favorecidos – os autores desta meta-análise sublinham que nem o nível socioeconómico da família, nem o nível educacional da mãe afetam esta relação entre o input linguístico dos pais e o desenvolvimento da linguagem. “A relação positiva entre o input linguístico e a linguagem da criança verifica-se nos mais variados grupos demográficos”, escrevem, realçando, no entanto, a relativa homogeneidade na amostra.

Também não foi encontrada qualquer diferença entre géneros – quer das crianças, quer dos pais. Há diferenças relativamente ao contexto em que as interações acontecem. Conversas mais espontâneas, naturais, têm maior impacto do que os diálogos que acontecem durante brincadeiras – que podem limitar-se, de certa forma, a um vocabulário mais relacionado com o jogo.

De sublinhar ainda que todas estas análises são de correlação, não sendo por isso possível inferir qualquer relação de causa/efeito. Dito isto, não resta qualquer dúvida relativamente ao impacto que têm as conversas entre pais e filhos para o desenvolvimento da linguagem nas crianças.

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