Nas últimas décadas, a educação portuguesa progrediu de forma notável se observarmos uma diversidade de referentes internacionais que acompanham o desempenho dos sistemas educativos. Indicadores como as taxas reais de escolarização, de desistência e abandono e de conclusão de cada um dos ciclos de escolaridade têm evoluído significativamente nos últimos anos e nunca foram tão favoráveis; o número de alunos que concluem os seus percursos escolares sem qualquer retenção é o maior de sempre (cerca de 90% no 3º ciclo e de 70% no ensino secundário); e os resultados dos alunos portugueses em provas internacionais, como é o caso do PISA, estão acima da média dos países da OCDE.
Porém, para resolvermos os problemas que ainda persistem, como as desigualdades ao nível das aprendizagens (que afetam sobretudo alunos provenientes de meios social, cultural e economicamente vulneráveis, em particular, alunos estrangeiros), temos de trabalhar para melhorar as práticas pedagógicas. Isto significa que, apesar da evolução francamente positiva, há ainda uma diversidade de desafios que têm de ser enfrentados nos próximos anos. Na verdade, é importante compreender em que medida as práticas pedagógicas e as aprendizagens realizadas são consistentes com o currículo atualmente em vigor. Consequentemente, é necessário mobilizar os diferentes intervenientes (políticos, dirigentes da administração, docentes, lideranças das escolas, investigadores, instituições de formação e do ensino superior) para a relevância do Currículo e da Pedagogia na melhoria da qualidade da educação.
Como projeto de inteligência e de conhecimento, o Currículo é um referente de qualidade que tem de ser estudado e compreendido. A Pedagogia é incontornável, pois está no cerne de todas as ações que os professores desenvolvem para que os alunos aprendam com compreensão. Refira-se que a Pedagogia não é, nem pode ser nunca, confundida com burocracia. É, na verdade, uma ampla disciplina que mobiliza, integra e utiliza domínios do conhecimento como a filosofia, a psicologia, a história, a arte e a política. Convoca, igualmente, os conteúdos das disciplinas que é necessário aprender e modos de os ensinar. Nestes termos, a Pedagogia relaciona-se com o ensino e com os conhecimentos que lhe estão subjacentes para permitirem orientar e fundamentar as ações e as decisões dos professores.
O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO) é um documento curricular que define os conhecimentos, as capacidades e as atitudes que todos os alunos deverão aprender e desenvolver para que, no final da escolaridade obrigatória, possam ser competentes em áreas tais como o Pensamento Crítico e o Pensamento Criativo, o Raciocínio e a Resolução de Problemas, o Saber Científico, Técnico e Tecnológico e o Desenvolvimento Pessoal e Autonomia. Estas são competências há muito reclamadas pela sociedade em geral, desde o chamado mundo do trabalho até às instituições do ensino superior (note-se que é neste âmbito que os alunos têm evidenciado desempenhos modestos ou mesmo fracos, quer nas provas nacionais, quer nas internacionais). No documento propõe-se ainda que os alunos desenvolvam uma cultura científica, tecnológica, artística e humana que lhes permita pensar de forma integrada e crítica sobre uma diversidade de fenómenos. Nestas condições, o currículo português, incluindo o Decreto-Lei n.º 54/2018 (Educação Inclusiva) e o Decreto-Lei n.º 55/2018 (Currículo e Avaliação das Aprendizagens), nunca foi tão explícito e formalmente exigente, quer quanto às aprendizagens a desenvolver pelos alunos, quer quanto aos modos de o materializar nas escolas e nas salas de aula, quer ainda quanto aos desafios da inclusão de todos e de cada um dos alunos. Acresce que também nunca foi tão exigente no que concerne à qualidade da formação a que os professores devem ter acesso – outro crucial desafio…
Nestes termos, é necessário ter em boa conta que os conhecimentos curricular e pedagógico permitem criar condições para que todos os alunos aprendam e para resolver a questão fundamental da qualidade do ensino. E, desse modo, construir um sistema mais genuinamente democrático e inclusivo. Trata-se de um duro e difícil combate cultural, social e político, que exige novas e inovadoras formas de estar e de pensar a educação e respetivas políticas públicas. Exige igualmente que os professores desenvolvam sólidas identidades profissionais, conceções do ensino como profissão e como arte. Um ensino de qualidade exige ainda que os docentes se assumam como intelectuais e pedagogos, homens e mulheres cultos e muito qualificados, das ciências, das artes, das tecnologias e das humanidades, capazes de formularem juízos sobre as suas práticas e capazes de agir sobre elas, para que a qualidade da educação seja consistente com os desígnios do currículo atual e com as exigências da sociedade.
Domingos Fernandes
Fonte: Observador
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