quarta-feira, 8 de março de 2023

A 'palmada educativa' é coisa do passado: respeito, carinho, autonomia e liberdade são pilares para os novos pais

Em dezembro um estudo português apontava que três em cada dez pais considerava aceitável usar castigos corporais nos filhos, apesar de quase todos serem contra esse método. Estes corretivos fazem parte de um estilo de educação que no final do século passado, provavelmente, ainda era considerado aceitável, no entanto hoje são cada vez mais os pais que se tentam afastar desses métodos, que têm um impacto negativo das crianças. Agora a ordem é conversar, em vez de punir.

De acordo com o estudo "Será que uma palmada resolve", do Instituto de Apoio à Criança (IAC), realizado com base em inquéritos a 1.943 pessoas, 30% dos pais consideram aceitável usar castigos corporais em crianças, sobretudo quando desobedecem aos pais, são "malcriadas" ou não cumprem com as regras da família.

A psicóloga e presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia da Educação da Ordem dos Psicólogos (OP), Marisa Carvalho, relembra que “a investigação tem contribuído para refletir sobre o que eram as práticas educativas até hoje e as práticas mais adequadas”. Assim, “aspetos como os castigos, corporais ou outros, sabe-se que têm um impacto negativo no desenvolvimento das crianças”.

Segundo a especialista, ao aplicarmos uma palmada, por exemplo, como método de resolução do problema, é isso mesmo que estamos a ensinar às crianças, a resolver problemas com pancadaria, “algo que não queremos que as crianças façam, não queremos que elas sejam violentas umas com as outras” e não queremos que aceitem este tipo de comportamentos no futuro.

Para o pedagogo José Neves, “é muito discutível se a palmada é educativa ou não”. Na sua ótica deve ser substituída por palavras. “Se explicarmos às crianças o porquê de estarmos zangados com alguma atitude delas, eu julgo que a palavra pode substituir a palmada.”

NOVA GERAÇÃO DE PAIS ESTÁ MAIS ALERTA

Nas redes sociais multiplicam-se os perfis de parentalidade positiva, dando mais informação aos novos pais - ainda que as redes sociais estejam sempre sujeitas à ‘bolha’ criada pelo algoritmo. Mas há, cada vez mais, uma mudança na forma de educar as crianças, também derivado de mudanças na sociedade.

“Há uma atitude de maior compreensão e deixou de existir a punição. Há um entendimento de que a criança não é o adulto que queremos que seja, mas sim que adquiriu o direito próprio de ser criança e tem a fase de crescimento cuja importância é compreendida pelos pais”, explica ao Expresso o pedagogo e educador José Pacheco.

E é neste novo modelo que se incluem os pais com o quem o Expresso contactou. Nádia Sepúlveda, médica e mãe de um menino com apenas 16 meses já sabe que não é assim que pretende educar o seu filho. “O próprio adulto tem um trabalho interior para fazer de perceber porque determinadas coisas irritam e entender o desenvolvimento do bebé. Muitas coisas que podemos achar que é o bebé a desafiar-nos ou a ser mal educado, são na verdade fases importantes de desenvolvimento da sua personalidade e base social”, explica.

Contudo, apesar de querer manter sempre o equilíbrio entre ser mãe e companheira do seu filho, já aconteceu levantar a voz. “Depois imediatamente peguei nele, pedi desculpa e disse ‘a mamã não deve falar assim contigo, ninguém deve falar assim contigo’, apesar dele só ter 16 meses devo explicar, mesmo que ele não saiba as palavras, sente pelo menos o tom de voz”, conta.

Mas é como explica a psicóloga Marisa, “os pais são pessoas e é normal que em alguns momentos estejam mais cansados e menos tolerantes, não há pais perfeitos e por isso às vezes fazemos coisas que não deveríamos fazer e que nos arrependemos”. Quando tal acontece é importante que o adulto peça desculpa, como fez Nádia, pois assim está-se a ensinar à criança “a humildade, a tolerância e que todos temos fragilidades”.

ACABAR COM PADRÕES ANTIGOS

O caso de David pode ser, eventualmente, o de muitos pais da nova geração. David Martins e Ana Veiga são pais de um menino de três anos e desde cedo ambos concordaram com o estilo de educação que queriam passar. Se Ana queria replicar o modelo com que foi educada, David queria quebrar padrões pois, como lembrou, recebeu uma educação mais ríspida.

Como explica Ana, as palmadas “têm um efeito de penso rápido, mas na realidade não se traduzem numa mudança de comportamento” e apesar de haver dias mais difíceis que outros, regra geral tentam sempre usar o diálogo.

“A minha ideia sempre foi educar de uma forma mais calma, de questionar, de dar opções”, diz David acrescentando que, quando o seu filho está irritado a primeira coisa que faz “é dar um abraço, perguntar o que se passa”. “Na nossa altura se acontecesse era logo uma chapadinha”, lembra. “Ou mesmo as frases desnecessárias de ‘és um feio’, quando se está com birra”, acrescenta Ana.

Mas nem todas as tentativas de diálogo correm como esperado. Ana relembra um episódio numa superfície comercial, que foi tudo ao lado. “Ele fez uma birra enorme porque queria um brinquedo. Eu expliquei que não podia ser, que não temos dinheiro para tudo, pois é importante para outras coisas como comida, para ele perceber. Foi uma birra tão grande… e ele já não é leve, já tem alguma força, a única opção que tive foi avançar. Peguei nele, parecia que o estavam a matar, chorava e chorava, toda a gente a olhar parecia que me estavam a crucificar. Fui fazendo as compras e deixei-o chorar e disse ‘quando te acalmares já conversamos’. Passei 15 minutos com toda a gente a olhar para mim, mas não reclamei, não gritei e depois parou”.

Todo este episódio leva-nos à questão do que achariam as outras pessoas, mas isso pouco importa a Ana pois, na sua opinião, “temos de ensinar a criança a autorregular-se”.

Na ótica do pedagogo José Neves, Ana teve a atitude correta pois, “a criança também tem de ouvir a palavra não”. “Quando um não é dito num momento oportuno e é explicado por que razão o não acontece, isso levará a criança a crescer através desse diálogo”, indica.

MIMO A MAIS?

“Não há educação sem empatia”, diz José Neves. Se muitos caracterizam o novo tipo de educação como excesso de mimo, para os especialistas é preciso definir e ser claro que haver carinho e respeito é diferente do que uma educação sem limites.

“Educar sem o castigo físico não significa a inexistência de regras. O modo como ajudamos as crianças a interiorizar os limites e as regras é que tem de ser feita com mais paciência”, explica Marisa Carvalho. Para a psicóloga, “é preciso que as pessoas entendam que uma coisa é a existência de limites, outra é modo como os ensinamos”. Uma educação pelo diálogo “não significa abdicar dos limites, não significa que a criança vai fazer tudo o que quer”.

Portanto, não há ‘mimo’ a mais, desde que haja limites. E cada vez mais os pais tentam encontrar um equilíbrio entre o papel que têm como pais e um papel de companheirismo, como caracteriza Nádia Sepúlveda. “Quero que o meu filho saiba que pode contar comigo”, conta.

“Nós não negamos colo ou conforto”, notou Ana que, aliás, refere que “muitas vezes, quando fazem algo disparatado é porque precisam de atenção, de um abraço”.

QUAIS AS MELHORES PRÁTICAS?

Apesar de todas as práticas indicarem que o diálogo é a melhor prática, isso não significa que não haja consequências, na sequência de um mau comportamento por parte da criança. “As consequências podem ser muito diversas, mas há castigos que não devem ser praticados, como ir para o quarto com tudo apagado ou bater”, indica a psicóloga. O mais importante é que as consequências sejam “adequadas à idade pois as crianças têm de compreender”.

Assim, de modo geral, o ideal é “sempre que possível conversar com a criança de forma clara, adequada à idade” e sem gritos, diz Marisa Carvalho. E José Neves explica: “O grito assusta e intimida e uma educação com medo não é uma educação que seja humanista, não pode existir essa forma bruta de provocar o susto”.

É importante que o pai ou cuidador se coloque “fisicamente ao nível da criança” e que haja “negociação, diálogo, limites e regras, ser claro relativamente à consequência de determinada ação”, reflete a especialista. As regras continuam a desempenhar um papel crucial e são, aliás, uma forma de “reduzir substancialmente as birras e alguns comportamentos menos adequados porque por vezes esta falta de rotinas leva a algum cansaço, mais sono e algumas birras resultam da correria do dia a dia”. No entanto, nunca é demais lembrar que “as crianças são crianças e nem sempre vão querer seguir as regras”.

“Os estudos que têm sido feitos revelam que se colocarmos a criança do nosso lado, levando a compreender, o sucesso da sua integração e desenvolvimento pessoal será mais elevado. Essa aproximação torna as coisas mais fáceis e permite que a criança ganhe confiança nela própria e é aí que ela aceita a educação como algo natural e não como aquilo que é imposto para os fins dos adultos serem atingidos”, considera o pedagogo.

Mas um filho não vem com um guião ou um manual de instruções e Marisa Carvalho reconhece que “ser pai e mãe neste modelo é mais desafiante, pois é preciso mais paciência”. Contudo, como sublinha a mãe Nádia, “nenhum pai faz determinada opção a pensar que é péssimo para o seu filho, mas às vezes o que pensam que é o melhor pode não ser”, daí ser necessário haver mais informação e que esta chegue às novas gerações.

AS MUDANÇAS CHEGAM TAMBÉM À MESA

Mas não é só nas consequências e no modo como nos relacionamos com as crianças que as coisas mudaram. As diferenças chegaram também na puericultura e ainda na hora da refeição. Há um novo modelo de alimentação, denominado baby led weaning - que em português significa a introdução da alimentação complementar guiada pelo bebé.

De acordo com a média Nádia Sepúlveda - que utiliza este método com o seu filho - diz que é um modelo que tem como base “o respeito e o bebé escolher o que come e a quantidade”. Mas tal pode acontecer alternando por exemplo com o método tradicional - alimentação do bebé à colher, com sopas e papas.

“Quero passar a ideia de que podemos alimentar o bebé à colher de forma respeitadora, quando o bebé está pronto, respeitando os sinais de saciedade”, afirma. Até porque, “às vezes os bebés querem ser alimentados pois estão mais preguiçosos, mais doentinhos, às vezes doem os dentes e gostam mais de ser alimentados à colher”.

“Os bebés são seres humanos e muitas vezes na tentativa de alimentar, achamos que o bebé deve ter aquele rumo e tropeçamos um bocadinho na liberdade dos nossos filhos, como obrigar a comer mais uma colher”, declara. Ainda assim, no geral, considera que “a nova geração tenta ser mais respeitadora”.

Ana e David tentaram usar este modelo com o seu filho, mas acabaram por ir para o método tradicional “sempre mantendo alguma exploração dos alimentos”.

Além do mais, hoje em dia, “o que vai para a mesa vai para todos”, diz Ana. E David considera que têm “muita sorte” pois “desde pequeno que come bem”. “Nenhum de nós comia bem com a idade dele. Ele gosta de fruta e nunca incentivamos os doces”, conta. Contudo, pode provar, como relata a mãe, e acaba muitas vezes por “não ligar nenhuma”.

Apesar de todos estes avanços - na sociedade, na educação e na parentalidade - “a moda antiga ainda está presente”, conta David, referindo os comentários que ouve muitas vezes quando está no parque com o filho. E Nádia reconhece que, especialmente nas redes, pode haver uma ‘bolha’, portanto pode ainda haver pais que não acedam a esta informação e que ainda repliquem modelos mais ríspidos de educação, tal como foram educados.

Fonte: Expresso por indicação de Livresco

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