Uma mediadora de etnia cigana tem ajudado o Agrupamento de Escolas de Santo António, no Barreiro, a integrar os mais de 100 alunos daquela comunidade que ali estão inscritos. A experiência é destacada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) como um exemplo de boas práticas no desenvolvimento da educação inclusiva em Portugal.
O agrupamento do Barreiro integra o programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), dirigido a escolas localizadas em zonas carenciadas e marcadas pela exclusão social. Tem cerca de 1500 alunos de 22 nacionalidades. Na escola prevalece a “valorização da cultura de cada um, integrando as suas experiências de vida nas diversas aprendizagens desde a educação pré-escolar ao ensino secundário”, conta a sua directora Manuela Espadinha.
A mediadora de etnia cigana integra o gabinete de intervenção social e psicológica do agrupamento. “Supervisiona os pátios, ajuda no preenchimento da documentação, dinamiza actividades, desloca-se ao bairro de etnia cigana para colaborar no combate ao absentismo escolar, mediando conflitos e desenvolvendo projectos de integração dos alunos na comunidade escolar”, descreve Manuela Espadinha.
“Entre outros resultados, o absentismo decresceu e há mais raparigas de etnia cigana a permanecerem na escola até aos 18 anos”, refere a OCDE num relatório de avaliação sobre a aplicação do novo diploma de educação inclusiva, aprovado em 2018. Onde se salienta que “a existência de mediadores de etnia cigana é considerada, a nível europeu, como uma das práticas mais efectivas para reduzir o fosso entre as comunidades ciganas e as instituições públicas, como as escolas”.
O Agrupamento de Escolas de Santo António foi um dos seis visitados pela equipa de avaliação da OCDE em 2021. Foram realizados também 62 encontros com cerca de 200 estruturas educativas. Conclusão principal: apesar de a legislação sobre educação inclusiva ser “das mais abrangentes dos países da OCDE”, continuam a subsistir dificuldades na sua aplicação que estão a afectar aquela que é a sua principal “inovação” — ser dirigida a todos os estudantes e não apenas aos que apresentam necessidades educativas especiais. Frisa também que “as práticas em sala de aula variam consideravelmente no interior das próprias escolas e de escola para escola”, criando assim desigualdades.
Segundo dados do Alto Comissariado para as Migrações, o número de estudantes estrangeiros nas escolas portuguesas rondava os 68 mil em 2019/2020, representando 7% do total de alunos, enquanto a média na OCDE é de 13%. A equipa de avaliação da OCDE aponta que nas escolas aonde foi constatou a existência de “um ambiente genuinamente inclusivo”. Só que alargando o universo abrangido, Portugal apresenta outra face: a segregação dos alunos imigrantes nas escolas é “mais prevalecente” do que na maioria dos países da OCDE.
Inclusão está fora da formação inicial
E continua a faltar preparação para desenvolver a inclusão. A começar pela formação inicial de professores. Nos cursos para professores “não existem conteúdos obrigatórios com o objectivo de prepararem os novos docentes para lidar com a diversidade, equidade e inclusão”, o que leva a que estes se sintam “impreparados e incapazes de lidar com a diversidade na sala de aula”. Os professores portugueses “sentem, em particular, que não estão apoiados nem bem preparados para implementar” o novo diploma da educação inclusiva (DL n.º 54/2018).
Também no que respeita à formação contínua, Portugal é dos países da OCDE que apresenta uma das taxas mais baixas de professores com formações na área da educação inclusiva, entendida no seu sentido mais lato. Por outro lado, e apesar de o Ministério da Educação (ME) ter desenvolvido “esforços consideráveis para providenciar formação nas áreas relacionadas com a inclusão, as acções promovidas são sobretudo teóricas e não fornecem aos professores as ferramentas necessárias para lidar com as várias dimensões da diversidade estudantil”.
Em resposta ao PÚBLICO, o ME salienta que o estudo da OCDE foi feito a seu pedido. E lembra que na apresentação pública desta avaliação, ocorrida no final de Março, o então secretário de Estado e agora ministro da Educação, João Costa, “enfatizou a importância transversal do regime da educação inclusiva no sistema de educação, frisando, contudo, que este é um trabalho em curso, que exige um trabalho continuado e empenho de todos no sentido de garantir que ninguém fica para trás e que cada aluno é levado ao máximo do seu potencial.”
A investigadora da Universidade Católica, Marisa Carvalho, que tem trabalhado na área da educação inclusiva, diz que “não poderia concordar mais com algumas das conclusões do relatório da OCDE quanto à educação inclusiva em Portugal”. Defende que deve ser repensado “o desenvolvimento profissional de todos os profissionais das escolas, privilegiando modalidades de formação que facilitem a reflexão acerca dos sentimentos, preocupações e sentido de eficácia para trabalhar com e para a diversidade, bem como a partilha de práticas e aprendizagem colaborativa”.
Sublinha que, com o novo diploma, “parece haver uma compreensão mais profunda e mais ampla acerca da diversidade nas escolas (e na sociedade), bem como da necessidade da escola se organizar para garantir a participação e a aprendizagem de todos os alunos”. Mas nota também que “persiste um discurso (que se reflecte nas práticas) centrado nas impossibilidades e nas barreiras”, onde avultam as reclamações de muitos docentes quanto “às condições necessárias para uma melhor operacionalização de práticas mais inclusivas”.
Na sua avaliação, a OCDE destaca ainda que existe “falta de transparência no sistema de financiamento e na coordenação dos recursos humanos”. No que respeita aos recursos, aponta que “o desafio fundamental pode estar na capacidade de alguns municípios fornecerem meios adicionais às escolas para que promovam a inclusão”. Sendo assim, a descentralização de competências para as autarquias pode vir a criar “uma grande desigualdade nos apoios dados às escolas”.
Fonte: Público via FB
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