Leonor desde cedo apresentou alguns dos sintomas típicos do autismo — como a hipersensibilidade a estímulos ou um conjunto de interesses restritos aos quais se dedicava de forma obsessiva — mas só foi diagnosticada aos 15 anos. Com manifestações mais discretas, as raparigas vivem “invisíveis” e podem levar anos a ter um diagnóstico. Este sábado assinala-se o Dia Mundial da Consciencialização do Autismo.
Aprendeu a ler e a escrever sozinha, ainda antes de entrar para a primária. Com oito ou nove anos, decorou uma enciclopédia sobre gatos de uma ponta à outra — sabia as raças, o tamanho do pêlo e os cuidados necessários para os manter — e “falava sobre aquela informação com a maior naturalidade do mundo”, recorda Leonor. “Eu absorvia aquela informação e conseguia lembrar-me de tudo porque tinha interesse naquilo. Uma criança que não tenha autismo, provavelmente não será capaz de o fazer.”
O comportamento não passou despercebido às pessoas mais próximas, mas não foi suficiente para que tivesse o seu diagnóstico de autismo ainda na infância: “O meu diagnóstico só foi oficializado quando tinha 15 anos”. Chegou a ser avaliada quando se preparava para entrar na primária, depois de um alerta da sua educadora, que achou que o avanço intelectual que tinha em relação às crianças da sua idade justificava uma ida à psicóloga. Mas, como sempre foi faladora e sociável, entrou na escola, fez amigas, e a ideia ficou esquecida. “Nós, as raparigas, costumamos ser diagnosticadas muito mais tarde, na adolescência, ou não somos de todo”, conclui, com base na sua experiência.
Actualmente, o autismo é considerado pela comunidade médica como um conjunto de perturbações — as chamadas perturbações do espectro do autismo, ainda que algumas pessoas com autismo rejeitem o termo “perturbações” por o considerarem depreciativo. As manifestações são diversas, mas mantêm a mesma base: as “dificuldades e alterações qualitativas nas relações sociais e na comunicação com os outros, que surgem a par de padrões de comportamento e interesses repetitivos, restritos e estereotipados”, explica a psicóloga Inês Leitão.
Actualmente, o autismo é considerado pela comunidade médica como um conjunto de perturbações — as chamadas perturbações do espectro do autismo, ainda que algumas pessoas com autismo rejeitem o termo “perturbações” por o considerarem depreciativo. As manifestações são diversas, mas mantêm a mesma base: as “dificuldades e alterações qualitativas nas relações sociais e na comunicação com os outros, que surgem a par de padrões de comportamento e interesses repetitivos, restritos e estereotipados”, explica a psicóloga Inês Leitão.
Desde os anos 40, quando foi descrito pela primeira vez, o que se sabe sobre o autismo evoluiu muito. Se houve uma altura em que se considerava o autismo uma doença rara, causada por uma mãe fria e distante (a tal “mãe frigorifico”), e que a solução para aquela criança era retirá-la dos pais e institucionalizá-la, hoje admite-se que não se sabe ao certo o que pode causar o autismo, mas que “as anomalias genéticas são as mais frequentes”, explica a pediatra do neurodesenvolvimento Guiomar Oliveira, do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC). Ou seja, “as crianças já nasceram com aquela anomalia genética”, quer se trate de um gene ou um pedaço de gene ou seja causado por problemas durante a gravidez, como a presença de tóxicos ou um parto prematuro.
Os dados de prevalência do início do milénio — e a prática clínica — mostram também que já não é uma doença rara. Em 2000, em Portugal continental, existia uma criança com autismo em cada mil em idade escolar, de acordo com os dados citados por Guiomar Oliveira. Os rapazes continuam a ser muito mais diagnosticados do que as raparigas: há pelo menos quatro vezes mais rapazes com autismo do que raparigas. Mas nos últimos anos começou a discutir-se a hipótese de um subdiagnóstico de autismo no sexo feminino, que se pode dever a manifestações muito subtis que passam despercebidas na infância.
Há tantas manifestações de autismo quanto há pessoas com autismo. Há quem tenha dificuldades na comunicação ou seja não-verbal; há quem fale sem parar sobre os temas que lhe interessam. Há quem não consiga ler situações sociais — identificar a ironia ou o sarcasmo ou saber o significado de determinada expressão corporal. Tal como há quem não goste do improviso: a rotina é só uma e deve ser mantida assim.
Gustavo Jesus, médico psiquiatra e director clínico do PIN-Partners in Neuroscience, explica que se fala de um espectro porque “há quadros clínicos diferentes porque no fundo são todos de autismo, mas com diferentes intensidades e diferentes tipos de sintomas” e compara o funcionamento do cérebro a uma mesa de mistura: “É como se o cérebro fosse uma mesa de mistura com muitos botões e cada botão é uma variável: a variável linguagem, comunicação, interpretação das emoções, sensibilidade aos estímulos tácteis, térmicos... Cada uma destas variáveis na mesa de mistura pode estar muito ou menos expressa. Neste sentido, quando no conjunto existe uma disfunção então diz-se que há uma perturbação do espectro do autismo, que, dependendo destas variações da mesa de mistura pode ser várias coisas diferentes tanto em intensidade como em quadro clínico”.
Para Leonor, um dos primeiros desafios foi a hipersensibilidade: “Etiquetas, por exemplo, para mim era um suplício. Eu sentia que a minha pele estava a arder. A minha avó tinha de me descoser as etiquetas da roupa pela linha, porque senão eu recusava-me a vesti-la. Ou a água nos olhos: mesmo quando era bebé, quando tomava banho e me ia água para os olhos eu berrava, chorava... Aquilo fazia-me impressão”, explica. E também as alterações na motricidade, especialmente na motricidade fina: “Eu só aprendi a atar os sapatos como deve ser no ano passado. Nunca tinha atingido a destreza manual de conseguir atar os sapatos, apesar de ser uma coisa que se aprende com seis anos.”
Continuação da notícia em Público.
Sem comentários:
Enviar um comentário