De uma pandemia para uma guerra. Depois do desafio do ensino à distância, a chegada de alunos refugiados ucranianos obriga as escolas portuguesas a procurarem novas soluções. “Não estaríamos preparados para uma grande avalanche — que não é o caso — de cidadãos ucranianos, mas unimos esforços e estamos a dar uma resposta à altura do acontecimento”, avalia Filinto Lima, da Associação Nacional Directores de Escolas Públicas. Já são 2383 alunos de origem ucraniana inscritos nas escolas portuguesas — 2251 nas escolas públicas e 132 no sector privado. Mas o que é que encontram quando chegam a uma escola em Portugal?
Em quatro semanas, o número de alunos refugiados de origem ucraniana aumentou: se a 16 de Março eram 300, neste momento, existem pelo menos 2383 alunos ucranianos matriculados no sistema português, de acordo com os dados a que o PÚBLICO teve acesso nesta quinta-feira.
Estão matriculados 2251 alunos de origem ucraniana no Portal das Matrículas, segundo os dados fornecidos pelo Ministério da Educação. A maioria destes alunos está matriculada no 1.º ciclo (cerca de 887 alunos, do 1.º ao 4.º ano), seguindo-se o 3.º ciclo (415 estudantes do 7.º ao 9.º ano) e 2.º ciclo (335 estudantes dos 5.º e 6.º anos). Os restantes dividem-se entre o pré-escolar e o ensino secundário. Ainda de acordo com a mesma fonte, os concelhos com mais alunos são Lisboa (143), Portimão, (137) e Cascais (88).
Já nas escolas do ensino privado, foram recebidos 132 alunos, distribuídos por 35 estabelecimentos de ensino. O maior número está no 1.º Ciclo (43 alunos), mas também no pré-escolar (32 alunos).
Os alunos inscritos nestes estabelecimentos estão isentos de pagamentos. Da parte da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular, a sua presidente Susana Batista informa que têm 180 vagas para acolher crianças ucranianas em creches e jardins-de-infância. “Há estabelecimentos que conseguem disponibilizar vagas gratuitamente até as famílias conseguirem arranjar trabalho. Outros poderão cobrar apenas alimentação, outros precisam de algum co-financiamento para suportar despesas mínimas”, especifica.
Professores de línguas e alunos ucranianos ajudam a ensinar português
Para estes alunos, que começaram a chegar desde o início da invasão russa à Ucrânia, no fim de Fevereiro, a primeira dificuldade é a língua. De acordo com o Ministério da Educação, foram integrados imediatamente no sistema de ensino português, com as equivalências de habilitações simplificadas. O próximo passo é fazer a “integração progressiva no currículo português e reforço da aprendizagem da língua portuguesa” junto destes alunos que chegam.
Um despacho, publicado a 16 de Fevereiro (ainda antes do início da guerra na Ucrânia), previa algumas medidas a serem aplicadas na integração de alunos estrangeiros que não falem a língua: aulas de Português Língua Não Materna, frequência de actividades lectivas “que a escola considere adequadas às suas especificidades, garantindo a sua vinculação a um grupo/ turma” (decididas caso a caso, por cada escola, em função do perfil dos alunos e dos docentes “nomeadamente ao nível do domínio de línguas estrangeiras”) ou o acesso a actividades como clubes ou desporto escolar para promover a integração e a familiarização com os espaços da escola. Estas recomendações foram também vertidas nos guias de integração dos alunos refugiados de origem ucraniana que já foram publicados desde o início do conflito.
Na prática, explica Filinto Lima, isto traduz-se em “receber estes alunos com aulas de português língua não materna” e fazer com que “esses alunos possam frequentar outro tipo de disciplinas práticas como Educação Física, TIC (Tecnologias da Informação e da Comunicação), expressões, artes visuais… Aí pode não ser necessária a língua e o processo de socialização está assegurado”, afirma.
As aulas de português como língua não materna estão a ser garantidas “de acordo com os recursos humanos de que as escolas dispõem”, diz o dirigente associativo. Da parte do Ministério da Educação, fica a garantia de que a resposta a estes alunos passa pela “constituição de equipas multidisciplinares de acordo com os recursos existentes, com a missão de propor e de desenvolver estratégias adequadas às situações concretas”.
Para além dos professores de Português Língua Não Materna que já existem nas escolas, recorre-se às ferramentas de tradução do Google, de acordo com Filinto Lima ou ao conhecimento que alguns jovens já têm de inglês – com os professores de inglês a poderem ajudar a ensinar português. Conta-se, também, com a ajuda dos próprios alunos: “Nas escolas já temos alunos ucranianos que dominam o português e esses alunos, se for necessário, poderão interagir com o professor de língua não materna e com os concidadãos nestas aulas”.
Paralelamente, o ministro da Educação, João Costa, anunciou que vários professores (“alguns já aposentados”) se ofereceram para ajudar na integração destes alunos. Por enquanto, não se sabe em que números se ofereceram estes professores e ainda está a ser estudada uma forma de os integrar no sistema.
Com os alunos distribuídos em várias escolas por todo o país, até agora, estas soluções estão a dar resposta, de acordo com Filinto Lima, que também não descarta a possibilidade de serem necessários mais recursos humanos no futuro. “Até aqui, o Ministério tanto quanto sei, tem colaborado com as escolas que precisam de um acréscimo ou reforço”, diz. “O que os professores querem é que nos seja dada autonomia. Muitas vezes, o Ministério preocupa-se muito em legislar tudo até ao mais ínfimo pormenor. Não é necessário legislar tudo. As escolas sabem fazer o seu trabalho”, sossega o dirigente.
Que outras ajudas existem?
Estes alunos foram integrados no escalão A da Acção Social Escolar, “no âmbito do estatuto de protecção especial temporária”, de acordo com o Ministério da Educação. Filinto Lima refere ainda que estes alunos estão a receber os materiais digitais que os alunos portugueses também receberam: os computadores e a internet “em regime de comodato”.
O dirigente salienta o trabalho das autarquias, que tem oferecido aulas de português a estudantes e às mães “fora do horário lectivo”. “A sociedade toda está unida para quebrar a barreira da língua”, diz.
O Ministério da Educação refere “a Associação de Ucranianos em Portugal, a Embaixada da Ucrânia e até iniciativas empresariais e da sociedade civil às quais as escolas, como centro nevrálgico da nossa sociedade, têm correspondido, como é o caso da iniciativa da Leya, em colaboração com a RANOK Publishing House, a principal editora escolar na Ucrânia, que disponibilizou, em ucraniano, de forma totalmente gratuita e na sua plataforma Aula Digital, os manuais escolares desta editora.”
Estes alunos fogem de um cenário de guerra e poderão ter necessidade de apoio psicológico, que as escolas públicas também oferecem. Filinto Lima diz que não tem conhecimento de uma enchente de pedidos: “Parece-me que os actuais [recursos humanos] poderão satisfazer os pedidos destas mães para que os seus filhos possam ser acompanhados”, ainda que admita que, se o número de psicólogos precisar de ser reforçado, tem “a certeza” que o ministério irá atender.
Dá o exemplo da sua escola, onde chegaram dois alunos ucranianos, com nove e 10 anos: “No primeiro dia, reuni-me com a mãe e expliquei-lhe o que se ia passar em termos de aprendizagem. Falei do psicólogo e ela disse-me que para já não é necessário. Quer-me parecer que esta resposta é generalizada.”
Para além das crianças, as escolas privadas também estão a tentar ajudar alguns adultos refugiados. Segundo o presidente da AEEP, Luís Virtuoso, “nove refugiados ucranianos adultos estão também a desempenhar funções não docentes em estabelecimentos particulares de ensino, o que representa também uma importante forma de ajuda dirigida a estas vítimas”. “Os colégios, de norte a sul do país, fizeram-se presentes e integraram estas crianças e jovens para que um seu direito fundamental – o direito à educação – pudesse continuar a ser assegurado”, frisou.
Fonte: Público
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