Lutam para levar uma vida o mais normal possível e agarram os sonhos com o coração. Mas o caminho a percorrer para uma maior (e melhor) inclusão no mercado de trabalho é longo, tem pedras e muitas curvas.
André Filipe, natural de Beja, tem 27 anos de idade e é técnico superior no departamento de contabilidade da EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva). Mas há uma particularidade: tem paralisia cerebral – o que obrigou a percorrer um caminho de esforço e esperança. “No primeiro ciclo tive alguns professores de apoio, mantendo sempre um currículo completamente normal. Inicialmente não se acreditava que fosse possível eu escrever manualmente, mas tive uma professora com bastante experiência que acreditou sempre em mim e, com trabalho, foi possível fazer o meu percurso escrevendo apenas manualmente”, conta (...). Desde o 8º ano que passou a realizar as avaliações através do computador, com o intuito de preparar os exames nacionais do 9º ano, não apenas por demorar mais a escrever, mas também para não haver o risco de ser penalizado na correção do exame devido à caligrafia não ser “legível” e o corretor “não estar habituado” a situações como esta. Quando foi para o ensino secundário escolheu Ciências e Tecnologias, tendo sempre como apoio a escrita no computador e a tolerância de tempo nas provas de avaliação. Não há paragens, há trabalho. André Filipe teve sempre o objetivo de continuar a estudar: é licenciado e mestre em Gestão pelo Instituto Politécnico de Beja, depois de ter frequentado o curso de Engenharia Informática – que se revelou não ser “bem aquilo que pensava”. Nalgumas alturas era assolado por dúvidas sobre a sua força, mas foi sempre combatendo as inseguranças. “O meu objetivo foi sempre fazer o melhor possível com aquilo que tinha disponível. Sempre tive o propósito de que o meu percurso escolar e académico não se extinguisse em si mesmo, mas sim que fosse um instrumento para atingir uma carreira profissional”, afirma. As dificuldades que encontra no dia-a-dia são sobretudo físicas e “derivadas das barreiras arquitetónicas”, algo que em casa e no local de trabalho não se verifica. Defende por isso que se torne “os locais acessíveis a todos”.
É preciso saber adaptar André Filipe sublinha que existe ainda um longo caminho a percorrer no que diz respeito à inclusão. “Basta olhar para o número reduzido de pessoas com algum tipo de limitação inseridas no mercado de trabalho”. A solução não pode passar por olhar para todas as pessoas da mesma maneira – importa perceber as diferenças que existem de caso para caso para haver adaptação. “É preciso avaliar e reconhecer as capacidades de cada um para que estas possam ser aproveitadas da melhor forma possível. Cultivar uma cultura de mérito, ou seja, não empregar uma pessoa com deficiência a pensar apenas nos benefícios económicos que daí possam advir ou numa perspetiva de caridade, mas sim nas suas qualificações”, salienta. O jovem contabilista quer poder continuar a utilizar as suas capacidades da melhor forma possível e afirma que o mais importante “é nunca desistir”.
10 anos à procura de emprego Para José (nome fictício), diagnosticado com síndrome de Asperger, os tempos não têm sido fáceis, tão pouco felizes. Enquanto esteve no ensino obrigatório, e devido ao seu problema, tinha uma rotina de estudo diferente da dos colegas. “No ensino secundário tinha aulas de manhã e de tarde e não conseguia estar o tempo todo concentrado”, começa por explicar. Em vez de entrar às 8h00 da manhã, como os outros alunos, entrava mais tarde, às 10h00, e saía às 16h30. Também as disciplinas eram diferentes: enquanto uns tinham Matemática A, José tinha Matemática para a Vida. O mesmo acontecia em épocas de avaliação. “Eles faziam testes e eu fazia fichas interativas”. José conta que não deixavam os alunos de educação especial interagir com os demais alunos da turma – uma separação que não considera saudável. Os alunos de educação especial poderem conviver com os outros alunos foi uma “luta” que sempre abraçou. “Sentia-me um bocado deprimido. Sentia-me triste”, descreve. Acabou o ensino obrigatório em 2011 e não seguiu o ensino superior. Mas não deixou de querer saber mais, até porque tem uma paixão pela área de informática, tendo-se inscrito num curso com a duração de dois anos. Também tentou tirar um outro, de uma área diferente, e que tinha uma duração mais curta – apenas seis meses. Mas acabou por ser expulso. “A hora de almoço era de meia hora a 45 minutos. Eu demoro 45 minutos a uma hora a comer. E não havia refeitório. Tinha de ir comer ao restaurante. O tempo que passava desde pedir o almoço e efetivamente comer era de uma hora e pouco. E depois assinalavam-me faltas”, explicita. Passaram 10 anos desde que José acabou o ensino obrigatório, tendo passado todo esse período no desemprego devido às suas limitações. “Não tenho conseguido arranhar nada.” Uma outra dificuldade prende-se com os transportes, já que “na maioria das zonas de Lisboa” não consegue deslocar-se sozinho. Encontra-se a viver com os pais. E não pede muito para o futuro. “Queria que me dessem emprego. Se possível na área de informática.”
Quis jornalismo, agora é músico A experiência de Rúben Portinha, de 34 anos, no ensino especial foi bem diferente. “O ensino de educação especial foi uma experiência muito boa. Tive excelentes professoras que me ajudaram a ter as ferramentas necessárias. Conheci muitas pessoas que várias problemáticas diferentes e que tiveram uma experiência não tão boa, mas eu tive mesmo muita sorte”, conta (...).
Porém, quando se tratou de entrar no mundo do trabalho, a sorte já não bateu à porta. Porquê? Porque Rúben é cego. “Não tenho dúvidas nenhumas de que infelizmente o meu azar no mercado de trabalho está relacionado com a minha incapacidade”, declara. Rúben Portinha partilhou dois momentos para justificar a sua tese. E que fazem voltar ao tempo da faculdade. Sendo uma pessoa que sempre se interessou pelo mundo da comunicação, Ciências da Comunicação foi a licenciatura que escolheu. Quando chegou o momento de realizar o estágio curricular, apareceram os primeiros entraves: “Fui com um amigo a uma entrevista de emprego. A diretora de recursos humanos não sabia que eu era cego. Passaram-se algumas semanas e o meu amigo começou o estágio. Não me disseram nada. Falei com a mesma senhora e confrontei-a de que era pelo facto de ser cego, situação que a deixou muito ofendida. Passados uns dias comecei o estágio”, recorda.
O jornalismo era uma paixão. E os louros não se fizeram esperar: Rúben chegou a receber um grande prémio de jornalismo de rádio. Na altura, o órgão de comunicação social disse que ia estar atento ao seu trabalho para o caso de precisarem de alguém. “Acontece que nessa redação já entrou e saiu muita gente e nunca mais disseram nada”, conta. “Só queria que me dessem uma oportunidade. Mas as redações funcionam a contra-relógio e sei que o facto de ser mais demorado a escrever iria ser um problema.” O jornalismo ficou pelo caminho e sem data prevista de retorno. Mas com a morte de uma paixão, eis que nasceu outra. Rúben Portinha é músico. Toca em vários sítios, tem dois álbuns e também colabora com outros artistas. Vive com a namorada e pensa em ter pelo menos um filho no futuro.
Acreditar, lutar e vencer “Sou um lutador”. É assim que Daniel Colaço, de 23 anos de idade e natural do Barreiro, se define. É surdo. Também no seu caso o apoio da educação especial foi crucial no para estimular o desenvolvimento. “Deu-me apoio para a tradução de intérprete de Língua Gestual Portuguesa, com o objetivo de ser uma ponte de comunicação entre alunos surdos e professores”, disse (...). E mesmo que o mundo seja mais calado, “não ser capaz” nunca foi uma opção. “Sinto que tenho capacidade para poder fazer aquilo que quero”. Daniel Colaço sempre pensou em continuar a estudar e frequentar o ensino superior “para ser um bom profissional” das áreas que escolheu: a informática e as novas tecnologias. Mas admite que não tem sido fácil. “Lutei muito pelo caminho da minha vida até agora e nunca deixei de perder. Um surdo é capaz de ter a capacidade para chegar ao ensino superior. O meu sonho também passava por usar o traje académico e ter a vida de um universitário.” O jovem estudante da Escola Superior da Tecnologia do Barreiro mora com os colegas, mas aos fins-de-semana na altura das férias vai para Brinches, no concelho de Serpa, onde os pais vivem. Considera que hoje em dia o mercado de trabalho está mais atento à inclusão e por esse motivo mais acessível. Mas ainda existem barreiras. Diz ser necessária mais “divulgação e sensibilização para a inclusão” e mostrar exemplos concretos de pessoas com algum tipo de deficiência que chegaram ao ensino superior e conseguem ser independentes. Para uma maior integração, defende que a língua gestual seja ensinada em todas as escolas. “O objetivo é que no futuro os ouvintes possam comunicar com mais facilidade com as pessoas surdas”. Mas se a comunicação já é difícil, com a pandemia de covid-19 ficou ainda mais – uma vez que as máscaras se tornaram numa barreira impenetrável para Daniel Colaço, que assim não consegue ler os lábios das pessoas com quem interage.
O seu sonho, partilha, é receber o diploma de licenciatura, conseguir um bom emprego e construir uma família. E deixa um recado: “Todos os jovens e adultos são capazes de fazer a vida que sonham. Não podem desistir. Não podem achar que não são capazes. Cada pessoa tem um diferente caminho de vida. É preciso confiar e ter coragem”.
Fonte: Jornal I
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