O estudo “Os jovens em Portugal, hoje: quem são, o que pensam e o que sentem”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, publicado em Novembro passado, dava conta que 23% dos jovens já tiveram pensamentos ou actos suicidas e 26% toma ou já tomou antidepressivos. Como podem os adultos estar atentos e apoiar os mais novos? Tendo tempo e disponibilidade para ouvir, sem desvalorizar, respondem os especialistas em psiquiatria e psicologia, em mais uma edição da Conversa Ímpar, nesta quarta-feira.
Os dados do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos são referentes a Junho de 2020, três meses depois da pandemia de covid-19 ter chegado a Portugal e alterado as rotinas de todos, incluindo os jovens. O presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Miguel Ricou, diz não gostar de generalizações, mas admite que se a investigação fosse realizada hoje os dados seriam piores. “É evidente que a pandemia não veio ajudar ninguém em termos de saúde mental”, reconhece o psicólogo.
Estes tempos terão sido sobretudo duros para os adolescentes que “sentem estar a perder estes anos”, assinala, por sua vez, a directora do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Centro Hospitalar Universitário da Cova da Beira, Paula Cristina Correia. Em consulta, relata a pedopsiquiatra, os jovens referem que estão mais ansiosos, com dificuldade nas relações com os outros, angustiados com o futuro e, frequentemente, com sintomas depressivos.
Tânia Gaspar corrobora o cenário descrito por Paula Cristina Correia: “Ser adolescente na covid é mesmo muito chato.” No estudo da Organização Mundial da Saúde Health Behaviour in School-aged Children, coordenado por Margarida Gaspar de Matos e do qual Tânia Gaspar faz parte da equipa, em Junho de 2021, 30% dos adolescentes dizia apresentar sintomas depressivos, como tristeza, isolamento e falta de motivação. Cerca de 18% reconhecia ter comportamentos lesivos para consigo próprio.
A tristeza é uma emoção natural, avisa o psicólogo Miguel Ricou, mas deverá tornar-se preocupante quando “o foco se começa a deslocar da causa que lhe deu origem e começa a focar-se na nossa existência” — é nesses casos que poderá ser diagnosticada uma depressão. “Na infância e adolescência, a tristeza pode assumir sintomas heterogéneos”, destaca o psicólogo. Por isso, cabe aos pais “manter os canais em aberto”, aconselha, abrindo espaço para que, quando algo não estiver bem, os filhos se sintam à vontade para partilhar.
Ainda que, por vezes, nem sempre pareça assim, o professor universitário lembra que os jovens valorizam quando os pais se preocupam. “Gostam que os pais queiram ver os trabalhos da escola, saber onde andam, tentem compreender os seus problemas e oiçam as suas opiniões”, acredita, sublinhando que os filhos apreciam quando o pai e a mãe os “ajudem a tomar decisões importantes”. Miguel Ricou exorta a que não se pense que protegemos demasiado os jovens e relembra que “o amor é uma condição fundamental da educação”.
Permitir a expressão de sentimentos
Paula Cristina Correia pede duas coisas aos pais: “Ter tempo e estar atento.” A pedopsiquiatra salienta que é natural “existirem períodos mais eufóricos e períodos de maior tristeza” e os pais devem preocupar-se quando “não há esta alternância”. Se o adolescente ou criança também perdeu a vontade de fazer alguma actividade que anteriormente lhe dava prazer, tal também deverá ser um sinal de alarme.
E quando confrontados com os sinais de alarme, os pais não devem ter medo de fazer perguntas, sublinha a especialista. Se uma criança verbalizar o desejo de morrer é bom sinal, na opinião de Miguel Ricou, já que demonstra um à-vontade com os pais para expressar o que sente. “É importante permitir que expressem estes sentimentos”, completa Paula Cristina Correia. Depois, deve ser encorajada a procura de ajuda, quer seja através do médico de família, do psicólogo, do psiquiatra ou mesmo recorrendo a linhas de apoio.
Neste âmbito, Tânia Gaspar defende que a saúde mental dos que rodeiam os mais novos é crucial: “Se os nossos adultos tiverem melhor saúde mental, as nossas crianças também vão ter.” Em família é importante, na opinião da especialista, promover actividades de bem-estar, que façam todos sentir-se bem, sem descurar as amizades. “Pior do que ter amigos menos bons é não ter amigos”, refere a psicóloga, citando estudos.
Com os amigos, “há sempre alternativas”, lembra Paula Cristina Correia. “Duas cabeças pensam sempre melhor.” E se houver algum tema que não consiga falar com amigos ou familiares, como a culpa ou os segredos que muitos carregam, procure a ajuda de um profissional, apela Miguel Ricou. Tânia Gaspar conclui com uma proposta, para que se dê voz aos jovens: “Quando estão confortáveis para falar, o resultado é espectacular.”
Fonte: Público
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