quinta-feira, 9 de junho de 2016

OS CASTIGOS NA FORMAÇÃO DAS CRIANÇAS

A questão dos castigos impostos às crianças, em contextos familiares ou institucionais, é regularmente objeto de discussão e análise na nossa vida profissional.

É também frequente a imprensa referir casos deste âmbito. Há poucos dias foi noticiada uma situação extrema de uma criança de 10 anos que os pais mantinham acorrentada no quintal como forma de castigo. A criança for retirada à família com intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.

Na abordagem à questão dos castigos às crianças, os castigos corporais assumem maior relevo e complexidade. Mesmo quando são objeto de processos judiciais surgem decisões que causam alguma perplexidade.

Recordo a título de exemplo que em 2014 o Tribunal da Relação do Porto absolveu pais que comprovadamente agrediram o filho de 11 anos com um cinto infligindo danos corporais de alguma gravidade. A razão do comportamento do rapaz prendeu-se com resultados escolares e o facto de fumar. Cito da imprensa da altura “Os juízes desembargadores entenderam que embora sendo “o comportamento dos pais de censurar”, não pode ser considerada a “forma qualificada” no crime de ofensa à integridade física por não haver "aquele acrescido e especial juízo de reprovação, indispensável" para o considerar como tal. Assim, sendo apenas aceite a “forma simples” da agressão, o Ministério Público não poderia ter deduzido acusação, os pais foram absolvidos.”

A verdade é que a questão da administração de castigos é sempre algo em aberto, em família, quase sempre de forma mais recatada e discreta, ou em contextos institucionais, mais mediatizados, nos quais se espera que os técnicos, justamente porque são técnicos, intervenham de forma mais racional, informada e menos reativa em termos emocionais que os pais.

Neste quadro e como disse, a experiência no trabalho com pais mostra que a aplicação de castigos é sempre uma matéria com grande latitude de opiniões sendo que de forma geral os pais os entendem como algo necessário. Assim sendo, tanto como discutir a utilização, ou não, de alguma forma de castigo, fará sentido alguma reflexão sobre a natureza e limites do que poderá ser um castigo.

Do meu ponto de vista e por princípio, privar ou dificultar o acesso a necessidades básicas ou ferir direitos como é o uso da violência física não serão, evidentemente, o caminho mais ajustado.

Parece-me também que o recurso que alguns adultos fazem de castigos que envolvem uma forte dimensão emocional, sobretudo em crianças pequenas, deve ser evitado pelas implicações eventuais na segurança e confiança dos miúdos em si e nos adultos. Refiro-me ao uso de afirmações como “não prestas”, “não gostamos de ti” ou outras da mesma natureza

É ainda de considerar que algumas pessoas afirmam e defendem que um “tabefe” ou uma tareia “dada a horas faz milagres” e que não lhes faz mal (aos miúdos) aprender assim.

Quando trato estas questões sempre relembro uma história pessoal pois também me tocou o castigo corporal na escola. Recordo que mais do que a dor física da reguada, me incomodava o sentir-me tremendamente humilhado por estender a mão a alguém, um adulto e professor, que friamente me batia tantas vezes quantos os erros no ditado ou em consequência de ter falado com meu colega quando era suposto estar calado. Lembro-me ainda do especial requinte de um professor que em vez de ser ele a bater, encarregava um de nós de o fazer levando do professor se batesse devagar no colega. Não vejo grande vantagem educativa neste tipo de ações que acredito terem desaparecido.

É verdade que muitas pessoas, pais ou mesmo técnicos, assustadas com as grandes dificuldades que experimentam com os comportamentos das crianças, sentir-se-ão tentadas por estas abordagens mas talvez seja de recordar que o comportamento gera comportamento, ou seja, a violência gera e alimenta a violência. Bater por rotina educativa não faz sentido, não é, definitivamente, uma prática educativa.

No entanto e dito tudo isto, também entendo que comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que estejamos perante maus pais ou pais incompetentes. Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma reativa, menos ajustada ou adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más, significa que somos apenas pessoas e que devemos refletir sobre o que fazemos.

Também não simpatizo com a aplicação de castigos que estejam associados a tarefas que devem ser realizadas regularmente e em contextos positivos. Dou-vos um exemplo curioso para tentar ilustrar esta ideia. Numa escola que conheci, os alunos que se portavam mal iam para a biblioteca. Não será difícil imaginar que os alunos passassem a perceber a biblioteca como uma "cela prisional" e, estranhamente, não gostassem de a frequentar.

Dito isto, mais do que discursos radicais em torno dos castigos, seria desejável refletir sobre a forma como estamos a proceder na ação educativa, familiar e escolar à imprescindível tarefa de tentar fornecer aos miúdos a construção das regras e limites de que eles precisam, tanto como de comer ou respirar.

Também me parece que dedicar mais atenção, elogiar quando corre bem, reforçar e fazer sentir o apreço por comportamentos adequados, expressar confiança nas crianças, podem ser contributos para minimizar o risco de ficar tentado pelo castigo depois de algo correr mal.

Finalmente, sublinho que este entendimento não tem nada a ver com laxismo, promoção da impunidade face a comportamentos desadequados ou com a ausência de regras. São dimensões fundamentais e imprescindíveis na formação das crianças.

O que afirmo tem exclusivamente em conta a natureza dos processos utilizados em educação, a sua eficácia e o respeito pelos direitos das crianças.

José Morgado

Fonte: Visão

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